NO
PORTÃO FECHADO.
Maria
A voz entrou pela
casa a dentro, embarafustou-se pelo corredor, alcançou-me na cozinha e a
curiosidade se instalou em meus passos.
_Quem
será? Nossa, e já fechei o portão...
Ajeitei
o cabelo de menina – na testa de vó – tentei livrar os olhos daquela franjinha
adolescente, completamente inadequada para
a dona da casa.
-Eta
cabelo teimoso, pior que o meu coração. Tudo envelheceu, menos ele. Não segura
grampo, não segura arquinho, não se prende com gominhas...
Pronto.
Cheguei ao portão fechado.
Era
outra senhora, miudinha, bem arrumada, com bolsa elegante, conjunto discreto...
_Você
é a ... a...
_
Lilita, falamos juntas!
_Vou
pegar a chave...
_
Não vai, eu só estou passando...
_
Mas, tantos anos assim não podem só passar no portão...
Rimos
juntas.
_
Lilita...
_Branca....
A
gente ria, eu ia pegar a chave, não pegava, ela ia embora, não ia, ela ia
entrar, não entorou, ela ia ...
A
visita ficou assim, entre grades: eu de cá, ela de lá – duas prisioneiras da
infância, da casa da Tia Alice, da casa do Tio Vicente- a gente era prima de mentirinha, de verdade
verdadeira...
_Eu
fui madrinha do Marquinhos, com seu irmão Carlos...
Um
silêncio, uma piscadela molhada...
_Eu
sou madrinha da Gislene... Madrinha de sapatinho...
_Eu
nunca ouvi falar nessa madrinha....
Rimos
de novo...
-É,
Lilita, eu segurei os sapatinhos de lã da Gislene, na hora do batizado... Pra
untar os pezinhos da neném com óleo bento...
_Gente..
_Pois
é, Sou madrinha dela... De sapatinho....
_Me
fala: quero um livro seu, o último, porque o primeiro já sei de cor e
salteado...
O
salto no tempo foi tão grande, que demorei a perceber que a menina já era uma
senhora. Escritora.
Fiquei
meio acanhada do título - há tanto tempo não nos víamos. E, nesse pedaço de vida, inventei de escrever
Estrela, Dores, lugares, gente...
_
Sabe, peguei um táxi e fui lá na sua Estrela, só pra ver sua casa, a do livro.
Segurei
nas grades do portão – minha casa!
_
Mas, ela não existe mais, perguntei pro homem do Posto...
-E
a igreja?
_
Estava fechada...
-Aí
voltei e vim te ver...
-Vou
pegar a chave...
_Não
vai, não – estou no Hotel, não posso me demorar. Me dá o livro...
Voltei
com um livro e tive a impressão de que nunca o tinha visto...
_
Que bom – ele é maior do que o outro! Ah, vou ler até de madrugada...
Rimos
lágrimas juntas...
Passei
o livro pelas grades do portão, quem sabe com medo de que ela partisse,
miragem, como chegou,
_
Pôs dedicatória?
Fiquei
vermelha, como há tempos não ficava... Imagina, eu fazer dedicatória pra
Lilita, testemunha de minhas alegrias, as pequenas... Pequenas, não: as mais
belas e maiores!
_Faço
questão...
Escrevi,
meio desajeitada, pensando que ela é que tinha que fazer uma dedicatória para
mim. Pela poesia do encontro.
_
Escreve...
E
eu, que tenho mania de escrever uma crônica para cada leitor, só consegui
deixar lá, debaixo do pêndulo antigo que enfeita a página:
“Lilita,
obrigada pela Hora Mágica que me proporcionou hoje.”
Nos
abraçamos, pelas grades, presas lá longe no tempo-menino.
Um
beijo velho/infantil. Com gosto de ferrugem das grades...
Ela
foi tropeçando, parando, lendo, voltando, indo, não indo.
Então,
só pra ter o que dizer, ouvi , de novo, sua voz:
_Amanhã
vai ser lua cheia – olha, ela já está quase fechada...
E eu repeti, com uma voz que era a de minha
mãe, que só ela falava assim:
_ É mesmo... A lua tá derramando....
-Derramando o quê?
Deve ser poesia que a lua derrama em portões
velhos....
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Dores do Indaiá, 11 de fevereiro de 2014.
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