terça-feira, 22 de julho de 2014


LUGAR PEQUENO

 Maria

Voltinha de carro com a neta.

Uma paradinha na esquina.

A amiga pôs a cabeça dentro do carro e, sem mais aquela, num segundo, fez o relatório do dia:

- Menina, cê soube do fuá dos passarinhos?

- Dos passarinhos? Não, o que houve?

A amiga disparou, entusiasmada por me dar a notícia em primeira mão...

- Nossa, então ocê não sabe ainda? A polícia de Belo Horizonte apareceu de repente e levou a passarinhada todinha!!!

- Todos?

- É. Os primeiros foram os do Walmique.

A amiga acentuou bem o nome do dono dos passarinhos, conhecido por ser sistemático e não admitir brincadeiras... Muito menos com seus passarinhos!

Eu respondi, compungida:

- Coitado, ele vai adoecer, juro!

A vida dele – e da Raquel – é só rezar e mexer com os mil passarinhos, com a gaiolada... Ele vai adoecer, naquela nervosia, coitado! (O Bem concordou com um movimento de cabeça)

- Mil, vovó? Ele tem esse tanto de passarinho? Então, ele vai tomar injeção...

- Pois é... Levaram as rolinhas-caldo-de-feijão do meu menino... Ele nem almoçou!

- Tadinho!

- Tadinho de quem, vó?

- Uai, do filho dela!

- Ah, pensei que era do homem dos mil passarinhos...

A mulher se entusiasmou com as novidades:

- Nossa, então cê não tá é sabendo de nada! Vou te contar tudinho! Meu filho chegou da escola e falou: “Mãe, esconde o cravo que os homens tão pegando tudo! Levaram até as Maritacas do Tito Sapateiro!”

- Nossa! Aquelas que ficam na porta da sapataria, mexendo com a gente?

- É... Ele não conforma...

Aí, minha netinha quis saber o resto da história do cravo da mulher:

- E seu cravo, pegaram ele?

- Não, bem... Tranquei ele no quarto escuro e ele aprontou a maior berreira...

Minha neta, a Marina, riu do cravo berrando no escuro e derramou pipoca no meu colo todo.

O Bem falou de lá:

- Cuidado, Bubu – era o apelidinho dela – depois o carro fica cheio de mosquito...

Ela nem deu importância e o Bem até desligou o carro: o caso prometia ir longe...

- E os soldados levaram ele? (Era a Bubu querendo saber o resto da história do cravo)

- Nada, nem apareceram! (E ria aliviada...)

- Pior foi com a comadre Tina... Ela pôs os periquitos lá na coberta e...

- Levaram eles?

- Não, o gato comeu todos!

- E as maritacas do Tito Sapateiro? Nó! Todo mundo vai sentir falta delas...

- Pois é, aquelas maritacas eram chiques, sabiam falar de tudo, eram ensinadas, vai ser o maior pesar...

- Vó, foi aquela que mandou a gente tomar banho?

- Fala baixo, Marina! (Era o vô, sempre cauteloso e elegante...)

- Foi aquela mesmo...

- Bem feito!

Nós rimos muito e cada um se lembrou de uma passagem das maritacas, falando desaforos e fazendo graça para quem passava...

Elas não respeitavam ninguém e a cidade toda tinha o maior carinho por elas...

- Nossa, menina! Diz que hoje, lá na Sapataria do Tito, a maior tristeza: puseram uma faixa preta, grando-o-o-na-a-a-a no poleiro das maritacas...

- Credo!

- Pra quê, vovó?

- Em sinal de luto, suspirou a amiga! (O Bem olhou enviesado no espelhinho, sondando minha reação...)

Enquanto isso, a neta aprontou mais confusão com as pipocas e nós fomos embora, para alívio do Bem.

Daí a uma semana, meu filho- estudante em Belo Horizonte- chegou contando:

- Mamãe, o Tito conseguiu as maritacas de volta!

- Como?

- Uai, ele provou que elas vivem em liberdade e levou dois vereadores daqui, lá na Deputada, em Belo Horizonte...

 E arrematou rindo:

- O povo falou que elas não davam sossego lá e gritavam o tempo todo:

- Tito, vem me buscar!

- Tito, socorro!

- Tito, help! As diabinhas até falam em inglês.

Meu filho –muito brincalhão-saboreava nossa surpresa e eu, até hoje, desconfio de que as maritacas falavam em inglês...

Agora, elas estão lá na maior crença.

Mexem com todo mundo, na maior falta de cerimônia e a cidade toda aplaude!