quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014


CRÔNICA -  O Liberal,  março de 2000.

UMA BRAVA SANTA BRAVA

Maria
                                                                        


 

         Hoje, 23 de fevereiro de 2014 – quatorze anos sem  a presença de nossa Irmã Filomena, a inesquecível dorense de coração.

         Penso que todos vocês sentem falta dela por aqui, rondando, orientando, tomando conta da cidade, fazendo o bem, só o bem!

         Nossa homenagem vai nessa crônica, escrita quando ela faleceu.

 

....................................................................................................          _ Santa? Só se for Santa do pau-oco!....

         _ Deus me livre daquela Santa!  Vai ser brava lá longe!

         _ Cala a boca, gente... Despista aí... Esconde o cigarro... A “Filó” envém!...

        E era assim que os nossos jovens enxergavam a Irmã Filomena:com um pé-atrás,  com um respeitão - raramente visto entre a moçada – aquela turma que sabe tudo, que pode tudo, que questiona tudo, que tem resposta pra tudo, que detona tudo...

        _Tudo?

        _Tudo ? Tudo mesmo?

        _ Até a Irmã Filomena?

        _ Ah... – A Filó ...é outro departamento....

        _ Ah ... A Flobé não vale...

         _A Filó ninguém detona!

         FILÓ de Filomena -FLOBÉ de arma de fogo, de canhão, de  tiro, de fortaleza. Dois apelidinhos que ninguém ousava falar alto. Eram sussurrados, eram uma senha de que a  Santa Brava estava por perto. Eram pronunciados como uma crítica carinhosa. Assim, igual quando a gente critica um pai, uma mãe, bem baixinho, bem dentrinho  do coração. Crítica pelo gosto de protestar, sabendo que está errado, apenas pelo gosto de ser do contra... Lá dentro, o coração diz: não... não...não...

        Irmã Filomena era biônica, se multiplicava, era o Mister M de  saias, perdão, de hábito. Era o anjo da guarda da cidade. Sozinha, miúda, valia por um batalhão. Míope, enxergava mais que os olhos da cidade toda. Idosa, tinha a força de um peão e a esperteza de um menino.  Acho que  a Irmã Filomena não dormia. Ou, se   dormia, era com... com os dois olhos bem abertos. Pra não perder nada, pra vigiar, pra acudir, pra consertar as dores de Dores do Indaiá...

        Sua Kombi - desusada e antiga - tinha a potência de uma Ferrari e ela zunia pelos becos e pontas-de-rua, como se estivesse correndo na Fórmula 1. Dirigia sem medo, feito um raio – perseguindo seu alvo, que tanto podia ser um casamento em ruínas, tanto podia ser levar a comunhão pra um doente. Tanto podia ser passar um pito num casalzinho de  namorados modernos ou socorrer uma mãe solteira. Andava pelos cantos, promovia casamentos empacados, pegava “noivos eternos” pelos babados e os levava ao pé do padre – “se serve pra namorar, seve pra casar, ora essa”. Ajudava famílias pobres, arranjava casa pra carentes e... exigia respeito: “Arrumo a casa, mas não quero saber de arruaça!”

        Enchia a  Kombi de Irmãs e era bonito de se ver: um carro cheinho de  anjas, todas brancas, todas-passarinhos – em cada janelinha um rostinho de paz...

        Irmã Filomena – a TIA MENA – tinha o dom de promover e valorizar quem estava por perto. Despachava – esse era o termo – DESPACHAVA – todo mundo pra Faculdade. Todo mundo piava firme com ela, mas subia na carreira, fazia cursos, aprendia a ser útil e crescia. Debaixo de suas ordens e de seu amparo. Todo mundo  tinha de se virar, se mexer, senão...

        Enxergar longe era com ela – tinha vista de lince, fazia planos inadmissíveis, sabia onde procurar ajuda. E os planos davam certo. Abrir caminhos difíceis era com ela!

        Ah, gente, quanta coisa errada a Brava Santa Brava consertou por aqui! Quantas moças ela não pegou - quase pelas orelhas-  e levava pra casa. Por quê? Ah, porque estava fumando,  estava matando aula, porque estava namorando fora do jeito, porque estava bebendo em barzinhos...

        Quanto rapazinho não ouviu  célebres sermões da Santa Brava! Quanto marmanjo dorense – até autoridade! – não abaixou os olhos (e o topete) para a FLOBÉ!

        Eu gosto de gente assim.É gente que  faz falta ao mundo. Há pessoas de todo jeito: uns vêm pra enfeitar a vida, outros, para rezar, outros vêm pra ensinar.  Irmã Filomena veio par vigiar o mal e consertá-lo...Para remendar o errado. Para brigar pela moral da família.

         Paciência... Não é fácil ser fiscalizado, não é fácil ouvir as verdades feias que a gente esconde, bem escondidas... não era fácil enfrentar a IRMÃ BRAVA...

        Mas, que era uma eficaz mão-na-roda pra Dores do Indaiá, lá isso era!...

         Enquanto os pais dormiam, descansavam, lá estava ela, a BRAVA SANTA        perscrutando as esquinas e os escurinhos, as rodinhas, vigiando as roupas modernas, o comportamento moderno.

        _ Lugar de Irmã é na igreja!

         – É no convento!

        _ Uai, e quem falou que zelar pela família, zangar, passar pito, estender a mão, ouvir lamúrias não é rezar? Não é AMAR?

       

Eu perdi uma grande amiga.. Todos nós perdemos uma líder. Dores do Indaiá perdeu uma grande arma contra as caminhadas para  o seu progresso e  sua paz. Nosso povo sabe o porquê de seu choro. Nossos jovens estão jururus... Sem a presença do “perigo”, ficou sem graça ser moderninho, ser do contra e aprontar...

        _ Bom era pensar que a Irmã iria chegar de repente...

        Tão cedo vai aparecer outra SANTA, tão brava, tão humana, tão prestativa, tão disposta para o trabalho. E tão fiel ao exemplo que pregava!

        Então, quem deixa tudo para amar um povo, pra lutar por ele, para  socorrê-lo...Então,  envelhecer procurando meios de melhorar a vida de uma cidade, não é SANTA?

        _ Tudo bem, que seja uma SANTA  diferente, um azougue, um petardo, um raio, até aí, concordo. Que não esteja nos altares, como as outras santas, tudo certo...

         Mas que ela soube cavar um lugar no coração de cada dorense, ah, isso lhe garante o título de SANTA, isso garante!      SANTA BRAVA, mas santa, uma BRAVA SANTA.

        E ponto final. Ela não vai ter paciência  para tanto bláblábláblá....

 

        Dores do Indaiá, 23 de fevereiro de 2014.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014




NOSSOS POETAS
O LIBERAL – OUTUBRO DE 1995.
MARIA
FÁBIO NELSON FIÚZA –
 RICARDO DEFFEO FIÚZA
 
No próximo dia 27 , quinta-feira, é o aniversário do Dr. Fábio, a quem prestamos nossas homenagens e nossa gratidão por tudo que ele faz por Dores do Indaiá.
Claro, estendemos nossa homenagem ao Ricardo – seu filho –que, também, nos orgulha muito por ter o dom da música e mostrá-la ao mundo. É Dores do Indaiá sendo notada por motivos positivos!!
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        Nenhum  dos dois homenageados  de hoje escreve poesias.
Eles são poetas através da MÚSICA, através dos sons. Porque, há muitas maneiras de se viver a poesia, como já falamos. Uns escrevem, transmitem a poesia  pelas palavras; outros,  pintam,, fazem das cores as palavras que ficam presas lá dentrinho das telas e... da alma. Utros fotografam, captam a poesia nos recantos mais inusitados. Ah, meu Deus, há mil jeitos de se viver a POESIA. É só descobrir com que rosto ela se apresenta na sua vida.  Quem sabe, ela se mostra no canto? Na dança, com os gestos que evocam afagos, que lembram pedaços bonitos das emoções de cada um...
        Pois então. DR FÁBIO NELSON FIÚZA E SEU FILHO, RICARDO DEFFEO FIÚZA, ambos dorenses, estão dentre os poetas que espalham a  poesia através da música. Eles merecem estar na coluna NOSSOS POETAS.
        O Dr. Fábio,  naquela correria toda, em seu consultório, lá na Santa Casa, tem seu  lado poético. Ah, você não sabia? É para isso que nossa coluna está aí: para informar. Valorizar o que é nosso.. Mostrar a poesia, que, por motivos práticos, fica escondida no dia a dia dos artistas. Como o Dr. Fábio que, como médico competente que é, tem lá o seu jeitinho de ser POETA. Vivendo a música. A seu lado, está o filho RICARDO,       que  herdou do pai, o dom dos acordes, da musicalidade.
        FÁBIO NELSON FIÚZA nasceu em Dores do Indaiá, a 27 de fevereiro de 1932. Seus pais, Ricardo Pinto Fiúza Filho e dona Maria da Conceição Moura Fiúza são dorenses de famílias tradicionais em nossa região.
        Pelo lado paterno, o Dr. Fábio herdou a  a musicalidade  dos MELGAÇOS (Luís Melgaço, por exemplo). De verdade, em cada casa de um Melgaço que conheço, alguém toca algum instrumento, ou canta com voz maviosa.
Os mais antigos contam, com saudades, sobre os saraus na casa do Dr. João Joãozinho Chagas e D. Marianinha Guimarães, no caso, uma Melgaço. Ela, ao piano e os filhos se revezando com ela. Falam também da casa dos pais do poeta, EMÍLIO GUIMARÃES MOURA, onde a mãe, D. Cornélia e os filhos, tocavam violão e piano para alegrar as noites de sarau.
        Ah, também o Jadir Melgaço, enamorado do luar dorense! Lícia Lacerda, Edith Chagas, Luís Gonzaga, Jairo Melgaço, e seu irmão, Jarbinhas, autor da música  Água Doce, homônima de meu livro...
        E ainda há a Míriam Machado,  o Luís  Millet, Zé Arinos, e mais um punhado de nomes,  todos da família Melgaço- todos poetas através da música...
        Pelo lado materno, Dr, Fábio vem de um avô compositor e músico notável – o MESTRE TONICO  - Antônio Nelson de Moura. 
        Suas filhas, tias do Dr. Fábio, viviam às voltas com instrumentos musicais. Já sua mãe, dona  Conceição, traduzia romances do francês e solfejava, com grande sensibilidade, as músicas compostas por seu famoso pai. Chegou a iniciar o estudo de piano, para o qual mostrava grande aptidão... Sua filha, Carmem Fiúza, realizou o sonho da mãe. Foi grande pianista e professora de música na Escola Normal, onde se aposentou.Com tudo isso, por tudo isso, não havia MEDICINA que resistisse a tanta cultura, tanta herança genética. Dr. Fábio aprendeu solfejo e a as primeiras noções de música com D. SÍLVIA MOURA SOARES , sua tia, regente do Coro da Matriz.   Ainda criança, tocava violão e gaita. Mais tarde, estudou clarineta com o Sr. Germano da Encarnação (pai do Washington da Encarnação), outro grande músico obscuro de Dores do passado.
        A  Banda de Música fundada por Germano da Encarnação era muito bem organizada , composta por valores jovens, como Zico Rios e seus filhos, Mauro e Ildeu Rios, Antólio, Jadir Melgaço e Fábio Fiúza.
        Dr. Fábio fez o Primário aqui em Dores, e  sua primeira professora foi D. Celina de Moura Carvalho, que lhe ministrava as aulas em casa, (era um costume da época). Os outros anos, cursou no “Zacarias” e no “Ginásio Dorense” Feito  o primeiro grau, foi para o Colégio Estadual de Belo Horizonte, onde havia seleção rigorosa – verdadeiro vestibular.
        Mais tarde, outra grande vitória: conquistou o primeiro lugar geral no VESTIBULAR DE MEDICINA, em 1952. Nesse tempo, cursou Música, até o 5º ano no Conservatório Mineiro de Música, hoje, Escola de Música da UFMG.
        Durante anos, tocou clarineta e saxofone na ORQUESTRA DO DELÊ, ocasião em que a orquestra  vinha animar os bailes no antigo Clube Velho; Dores do Indaiá se encantava com o conjunto musical, por ocasião das festas de formatura, onde as moças dançavam  belas valsas, escondidas em anáguas e anáguas de tule e rendas. Época dourada, quando Dr. Fábio compôs várias peças,  todas desconhecidas do grande público.  Quando Dores do Indaiá terá a honra de conhecê-las?
        Em Belo Horizonte, nosso instrumentista fez parte da Orquestra Sinfônica Mineira, onde mostrava sua versatilidade, tocando oboé. Atualmente, sob as bênçãos de Santa Terezinha do Menino Jesus, - sua Madrinha do Céu e Protetora – Dr. Fábio dedica tempo integral à MEDICINA. É Clínico Geral, Obstetra, Ginecologista, tendo sido agraciado com o DIPLOMA DE MELHOR CIRURGIÃO DO INTERIOR (das Gerais), homenagem prestada por  outros médicos da UFMG, através de uma séria criteriosa pesquisa. Feita em Belo Horizonte.
        Trabalhador incansável, madruga na Santa Casa, onde todos conhecem seu assobio afinado.
        Fez vários cursos no Japão, inclusive usando técnicas de primeiro mundo em suas cirurgias e em seu trabalha.        Dr. Fábio é casado com D. Marina Therezinha Defeo Fiúza, grande dama dorense. Têm quatro filhos: Dr. Fernando, engenheiro da Vale do Rio Doce, casado com Dra. Claúdia; Dr. Álvaro, médico, casado com Kátia,  pais da Izabel. Dr. Marcelo, engenheiro, casado  com Carla e... RICARDO.
 
        RICARDO DEFFEO FIÚZA, o caçula, anda sumido da Dores do Indaiá. À toa não é. Anda pelo mundo todo, vivendo poesia. Através da música...
        Ricardo  ficou em Dores do Indaiá, até completar o primeiro grau,    no “Benjamim Guimarães”,   seguindo pra Belo Horizonte, onde continuou os estudos de música, iniciados aqui em Dores, também, com  D. Sílvia Moura. Nessa ocasião, já tocava Órgão  na igreja e em festinhas de amigos.
        Em Belo Horizonte, teve vários professores particulares de música, onde fez contato com  nomes importantes na área, inclusive,  aperfeiçoou estudos sobre a arte musical de Milton Nascimento.
        Minas Gerais ficou pequena para Ricardo Fiúza...
         Partiu, então, para Paris onde morou por algum tempo, sempre observando a música, estudando, se aperfeiçoando. De França, foi para os Estados Unidos,   onde ficou por um ano, estudando no MUISICANS INSTITUTE, e em Los Angeles, onde aperfeicoou´se em teoria musicasical, harmonia trabalhando, ainda, em conjuntos locais e com cantores americano.
        Atualmente, trabalha na Agência de Propaganda RECK, produzindo jingles,   vinhetas e tudo o mais que se refere à música. E, não fica só nisso, não.Está no LP do Eduardo Delgado – Fábrica de Música – trabalho importante na música mineira,  ao lado de nomes famosos, como Neném, o próprio Eduardo e Kiko. Além do mais, acompanha a cantora Fernanda Abreu, a Fernandinha  da BLITZZ, que está fazendo o maior sucesso com seu disco – DA LATA. Acompanha, também, a bela cantora, PAULA SANTORO, sendo compositor de uma de suas músicas  ( Pena, não descobri o nome da música do Rcardo  neste disco da Paula Santoro – alguém sabe, pra nos contar?)
        Hoje em dia, Ricardo Fiúza, o músico, vive entre vários países, onde fez grande círculo de amigos: Alemanha, Itália, Suiça, . Entre seus amigos, estão: o casal Mauro Mendonça e Rosa Maria Murtinho e seus filhos...
        Já tivemos oportunidade de assistir  ao nosso conterrâneo nos programas da Hebe Camargos, no Jô e no Serginho Groissmann  .
Aqui da terrinha, só podemos bater palmas para os dois musicistas dorenses: Dr. Fábio e seu filho Ricardo.
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            Dores do Indaiá, 24 de fevereiro de 2014.


sábado, 22 de fevereiro de 2014


CRÔNICA

Ana  Maria de Jesus

Maria

Para minha amiga e leitora –Aida- de Petrópolis, que deseja rever esta crônica do meu livro, Água Doce, nº 69.

Espero que outros leitores tenham o mesmo prazer em saber como era nossa vida em Estrela do Indaiá, naqueles tempos bentos, onde a Ana da mamãe morava conosco. Ela foi minha fada, minha primeira contadora de histórias. Aqui em casa, todos acham que a Maria é parecidinha com a nossa querida ANA.

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        Quando fomos para Estrela do Indaiá, em 1939, mamãe tratou logo de arranjar também uma pajem. Seus quatro filhos pequenos precisavam de alguém para acompanhá-los nos brinquedos. Madrinha Maria sozinha não dava conta de tudo.

        Mamãe, chegada de Dores, logo fez fama de boa costureira. Precisou até arranjar arrematadeiras, um luxo para a época. A Nair do Sô Hermones e a Zulmira da D. Águeda passavam o dia em nossa casa, entre fivelas e botões, chuleando tudo a mão, com paciência e perfeição. Os vestidos de noiva, que eram feitos fora, passaram para as mãos de fada da dona Fia Dio Zurinho.

        Ana foi lá pra casa com seus onze anos, embora aparentasse menos. Ingênua, educada, era “mais um” para a madrinha controlar. Logo, logo, revelou-se ótima companheira para nossas brincadeiras. Sabia histórias de fadas,  de anões, de gigantes e de nuitos bichos. Melhor, sabia contá-las. Creio que foi isso que nos encantou.   

        Tomou-se de amores por nós. Muito humilde, muito carente, encontrou em nossa casa ambiente alegre onde pudesse ser uma criança feliz. Trabalhando, ajudava          a mãe, viúva, cheia de filhos.

                Madrinha Maria a iniciou nas pequenas tarefas, próprias para sua idade: engraxar os sapatos, lavar  as chinelinhas, arear as bacias de banho, dar banho nos meninos, passear com eles, dar pequenos recados. Viva, caprichosa, logo se viu que a menina prometia        Só que, muito nova, de vez em quando, aprontava alguma.

        A primeira arte da Ana foi contada entre risos e constrangimentos.

        Era sábado e estávamos prontos para um passeio com a Ana, até o jantar ficar pronto.

        _ Tome seu banho rápido, senão os meninos vão sujar as roupas.

        Era mamãe com sua famosa fiscalização sobre os banhos. Ana teve que entrar na linha.

            Madrinha tratou de apressá-la:

                _Já vou descer o tacho, Ana (era o tacho grande no fogão a lenha, mantendo água quente para os banhos... Só descia do seu trono, na hora de se começar a janta...)

        _ Deixa de ser inzoneira!

        Ana bancou a esperta. Quis ser rápida para cumprir logo com sua obrigação.

        Entrou pra o quarto de banho, viu a bacia grande com uma água clarinha e uma leve espuma, aqui e ali. Nadou de braçadas...

na água do banho do patrão...

        Quando descobriram, ela já ia longe conosco, toda serelepe, empinadinha, pernas grossas, uma graça, a Ana.

        De outra vez – ah! Meu Deus! – parece que só tenho casos de banhos pra contar.

        Nem toda casa tinha seu cômodo próprio para os banhos.

        Quase sempre, tomava-se o banho nos quartos. A bacia era colocada no chão, as roupas, em uma cadeira, toalha, tudo à mão.

Ah! Importante: uma vasilha menor com água mais esperta para o enxágue. Tudo certo. O pior era se desfazer da bacia d’água.

        Povo simples, costumes práticos. O mais fácil era mesmo jogar a água pela janela aberta, com uma bacia de rosto ou ... algum vaso mais deselegante.

        As pessoas mais discretas tomavam o banho onde os quartos     dessem para os fundos da casa. Em outros casos, porém, era inevitável: a água dos banhos ia mesmo para a rua.

        _ Não passe debaixo das janelas – era aviso constante para as crianças.

        Ana foi à loja pedir dinheiro pra comprar biscoito lá na dona Terezinha do Sô Tavinho. O caminho mais curto – da “casa de baixo” até o Largo da Igreja, passava, obrigatoriamente, pela pensão da Dinorá. Lá ficavam hospedados todos  os viajantes – os cometas- que passavam pela região. Comida boa e farta, muito asseio, a pensão era conhecida dos cometas.

        Agora pensa! Em cada quarto – eram muitos – uma janela dando pra rua. Debaixo de cada janela, o perigo iminente. Havia que se cuidar.

         Ana se descuidou. Quando voltava com o embrulho de biscoitos, cheirosos e fresquinhos, passou  bem rente às janelas da pensão da dona Dinorá. Tchóóó! Uma baciada de água de banho, sabe-se lá de quem. Susto. Corrida. Outra janela, outro banho – tchóóó!

        A Ana, temendo represália explicou:

        _Aqueles diacho jogaram duas penicada de água suja ni mim...

        Nesse dia, a Ana tomou banho de álcool e o café foi sem biscoitos....

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        Dores do Indaiá, 21 de fevereiro de 2014.  

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014


CAUSOS DE DORES DO INDAIÁ

Pois é, os causos de Dores estão caindo no gosto dos leitores da minha página. Hoje, atendo a quatro pedidos: conte mais causos engraçados!

Fui  ao livro do Sô Waldemar – SÓ MESMO EM DORES DO INDAIÁ – página 51 - e escolhi esse, sobre o saudoso Caixeiro. Quem não se lembra dele?


 

                   CAIXEIRO, NÃO! MOACIR!

            Quem quiser umas aulas de bom humor, umas boas lições de esportividade, é só manter conversação com o Caixeiro, digo, Moacir Ferreira da Silva. Sempre bem humorado, é raro vê-lo de cara fechada.

            E, desde menino, é desse jeito. No Grupo Dr. Zacarias, percorreu todas as salas, passou por todas as professoras... sempre levando as coisas a seu modo.

             Por fim, resolveu mudar de ambiente e lá se foi para o Grupo Benjamim Guimarães. Nunca foi aluno brilhante; com aquele ar de quem nada quer com a dureza, misturava Ciências Naturais com Religião, colocava Marechal Deodoro entre os aracnídeos...

            Um belo dia, foi a coitada da Reverendíssima Irmã, professora de Religião, que perdeu a paciência com o Caixeiro.

            Depois de explicar bem a diferença entre pecado mortal e venial, perguntou ao Moacir:

            _ Quantas espécies de pecado há?

            E ele, com a maior naturalidade deste mundo, respondeu prontamente:

            _São três: venial, mortal e invertebrado...

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                        Dores do Indaiá, 20 de fevereiro de 2014.

 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

NOSSOS POETAS  -O Liberal-29/6-93
Maria
CARMINHA GOUTHIER
           
            Maria do Carmo Sousa Coelho, nasceu em Dores do Indaiá em 16 de abril de 1903. Era filha de Paulino de Paula Sousa e Afra Gontijo de Sousa. Tinha quatro irmãos: Adélia, Ruth, Alzira e o caçula, Odilon.
            A casa onde nasceu pertence hoje à família do senhor Homero Ribeiro, situada na Praça de São Sebastião, hoje, Praça Alexandre Lacerda Filho, bem ao lado da primeira igreja de Dores do Indaiá, pequena, singela, encantadora... Suas raras  fotos são o símbolo da fé do  povo dorense, transformado-se em símbolo dos primóridos do município que ali, à sua sombra,   deu os primeiros passos  na história que iria construir ao longo dos anos.
             Seu pai foi o primeiro jornalista da cidade e o proprietário da primeira gráfica da região. Em homenagem a ele, Dores do Indaiá nomeou uma rua do Bairro São Sebastião com seu nome: Rua Paulino de Sousa.
            A jovem poetisa era conhecida pelo carinhoso nome de Carminha e foi assim que passou a ser conhecida por seus trabalhos literários.
            Em 1921, casou-se com o Dr. Hudson Gouthier de Oliveira Gondim. Residiu em Bom Despacho, Mariana e Belo Horizonte, acompanhando o marido que   exercia o cargo de Juiz de Direito.
            Seus poemas, ricos em espiritualidade, sem dúvida, expressam   a maior voz feminina da poesia mística do Brasil.
            Sobre ela, temos a palavra de grandes escritores:
 
            “Esse livro( A Luz e o Trigo) foge ao comum de nossa produção poética. Ao primor da qualidade literária, junta uma fome, uma necessidade de ABSOLUTO, raríssima entre nós...” (Carlos Drummond de Andrade)
 
            “Carminha Gouthier sempre viveu a poesia com intensidade e, sobretudo, com humildade. Daí, traduzir os seus sentimentos com pureza e força , numa visão mística que representa, antes de tudo, comunhão generosa com as coisas e as criaturas.” (Alphonsus de Guimaraens  Filho)
 
            “Carminha Gouthier se desvia do efêmero, captando, em versos de grande ressonância, a parte essencial da nossa vida de espírito”.(Murilo Mendes)
 
            “Sem estar presa a escolas literárias ou a modas poéticas de vanguarda, Carminha Gouthier, que soube aproveitar do movimento modernista o que nele havia de realmente renovador e construtor, dá-nos uma poesia de elevado tom espiritual, que flui com clareza e harmonia, como  uma fonte de água pura e límpida.” (Oscar Mendes).
 
            Aqui , seu poema A DORES DO INDAIÁ, foi amplamente conhecido nas escolas primárias – não havia reunião social em  que o poema não fosse apresentado:
Dores do Indaiá era desse tamaninho. E gostava de dormir mansamente resignada na sua vida simples de todo o dia”
 
                A Serra da Saudade foi cantada por Carminha  em tom de encantamento, jamais superado em beleza e poesia: O horizonte de minha terra é uma pincelada Azul.”
 
                Profundamente religiosa, tinha afinidade espiritual com São Francisco de Assis - o santo da Natureza, tema recorrente em sua poesia: flores, singelezas, humildade, desapego aos bens materiais, Carminha Gouthier  pode ser lembrada como uma  Santa- Poetisa ou uma Poetisa- Santa...
 
            Seu nome foi homenageado pela Associação dos Amigos de Dores do Indaiá – ADI, em 7 de abril de 2001 e seu Centenário – 2003 - foi lembrado com inúmeras homenagens  na sua terra natal.
            Dentre as homenagens, organizadas pela Prefeitura  de Dores do Indaiá,  foi lançado o livro MYSTICA POESIA – poemas reunidos, organizado por outro grande intelectual dorense, primo de Carminha – JOSÉ HIPÓLITO DE MOURA FARIA. É um trabalho primoroso, onde o autor comenta a poesia de Carminha Gouthier, em linguagem profunda, digna da homenageada.
            Por sua modéstia, inerente ao seu modo de viver, teve apenas dois livros publicados, por insistência de amigos.: A LUZ E O TRIGO, publicado pela Editora Itatiaia, em 1961 e ESPANTANLHO DE DEUS, pela Editora Lar Católico, em 1967.
            Carminha Gouthier faleceu em 5 de junho de 1983, em Belo Horizonte,  não deixando filhos.
 
            Escolhi dois poemas para ilustrar a página dedicada à maior poetisa  mística do Brasil, orgulho de Dores do Indaiá.
O primeiro é poesia intimista, dedicado a Francisco Campos, “o príncipe que despertou a cidadezinha pra o progresso”
            O segundo, é  um dos meus preferidos e faz parte do livro ESPANTALHO DE DEUS.
 
                       
DORES DO INDAIÁ
 
 
Dores do Indaiá era deste tamaninho
E gostava de dormir resignada
Na sua vida simples de todo dia.
 
Dores do Indaiá tinha preguiça de crescer
De abrir os braços
Para frutificar.
 
E ficava bem quieta sonhando
Entre as serras azuis que acordam saudades
E os córregos humildes que lavam o chão.
 
Dores do Indaiá!
Quede a cidadezinha que tinha preguiça de caminhar?
Quede as casas de barro onde as janelas tortas
Espiavam a gente?
Quede o carro de bois que gemia de dor
No silêncio das ruas?
 
Dores do Indaiá!
Mil vozes cantando ressurreição.
Andaimes nos corpos das casas grandes e novas.
Andaimes na tua alma rejuvenescida
Ao calor das vitórias.
Na Tua alma que dá sombra e finca raízes.
Transpondo o limite das serras azuis
E dos córregos humildes .
 
Dores do Indaiá!
 
Era uma vez uma linda princesa,
 há muito adormecida...
Era uma vez um belo príncipe
Perdidamente enamorado
Que foi sozinho despertá-la.
E deu-lhe vestidos de ouro puro
deu-lhe joias maravilhosas
deu-lhe coroa de estrelas
deu-lhe castelos encantados.
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(Publicado em O Liberal, escrito quando de uma visita da autora à cidade natal)
 
NOTA: O poema acima foi declamado pelo poeta dorense, ANTÔNIO CAETANO DA SILVA GUIMARÃES JÚNIOR -  Tonico Caetano - em homenagem a FRANCISCO CAMPOS, em uma das visitas  do maior benfeitor da cidade a Dores do Indaiá.
Afinal, ficou tudo em família: a poetisa, o poeta e o ilustre Jurista são primos, todos descendentes de Juca de Sousa.
E eu tenho o maior orgulho de que meus filhos sejam da mesma raiz familiar da grande poetisa, pelo lado paterno. Eu, a mãe, só sirvo de admiradora da grande poetisa, cujos versos repassei  a todos os alunos nas salas de aula por onde andei...
 
 
HUMILDADE
 
Não vos peço mais
Senhor
A felicidade grande, daquela que está escrita
Nos livros.
 
Quero somente alguns retalhos dela.
Saberei uni-los.
Farei remendos  prodigiosos
Porque o tempo foi meu mestre de costura.
 
A minha felicidade será assim
Como um vestido de menina pobre.
 
E eu vos darei muitas graças
Senhor
muitas graças.
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Fico feliz em passar a vocês a poesia de Carminha Gouthier,  que era POETA MAIOR e não sabia... Ou não queria acreditar que o era!
 
Nota: Aqui, ainda há parentes de Carminha Gouthier:além dos citados, temos ainda a Márcia Gouthier, grande incentivadora da ADI e o seu atual Presidente,José Antônio de Faria Guimarães ambos residentes em Belo Horizonte.
Fonte: Mystica Poesia,- José Hipólito de Moura Faria, Coluna - Antologia da Poesia Dorense, de Rubens Fiúza, em O Liberal Dores do Indaiá,  abril de 99 e notas de meu arquivo particular.
 
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                   Dores do Indaiá, 19 de fevereiro de 2014.