quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014


CRÔNICA -  O Liberal,  março de 2000.

UMA BRAVA SANTA BRAVA

Maria
                                                                        


 

         Hoje, 23 de fevereiro de 2014 – quatorze anos sem  a presença de nossa Irmã Filomena, a inesquecível dorense de coração.

         Penso que todos vocês sentem falta dela por aqui, rondando, orientando, tomando conta da cidade, fazendo o bem, só o bem!

         Nossa homenagem vai nessa crônica, escrita quando ela faleceu.

 

....................................................................................................          _ Santa? Só se for Santa do pau-oco!....

         _ Deus me livre daquela Santa!  Vai ser brava lá longe!

         _ Cala a boca, gente... Despista aí... Esconde o cigarro... A “Filó” envém!...

        E era assim que os nossos jovens enxergavam a Irmã Filomena:com um pé-atrás,  com um respeitão - raramente visto entre a moçada – aquela turma que sabe tudo, que pode tudo, que questiona tudo, que tem resposta pra tudo, que detona tudo...

        _Tudo?

        _Tudo ? Tudo mesmo?

        _ Até a Irmã Filomena?

        _ Ah... – A Filó ...é outro departamento....

        _ Ah ... A Flobé não vale...

         _A Filó ninguém detona!

         FILÓ de Filomena -FLOBÉ de arma de fogo, de canhão, de  tiro, de fortaleza. Dois apelidinhos que ninguém ousava falar alto. Eram sussurrados, eram uma senha de que a  Santa Brava estava por perto. Eram pronunciados como uma crítica carinhosa. Assim, igual quando a gente critica um pai, uma mãe, bem baixinho, bem dentrinho  do coração. Crítica pelo gosto de protestar, sabendo que está errado, apenas pelo gosto de ser do contra... Lá dentro, o coração diz: não... não...não...

        Irmã Filomena era biônica, se multiplicava, era o Mister M de  saias, perdão, de hábito. Era o anjo da guarda da cidade. Sozinha, miúda, valia por um batalhão. Míope, enxergava mais que os olhos da cidade toda. Idosa, tinha a força de um peão e a esperteza de um menino.  Acho que  a Irmã Filomena não dormia. Ou, se   dormia, era com... com os dois olhos bem abertos. Pra não perder nada, pra vigiar, pra acudir, pra consertar as dores de Dores do Indaiá...

        Sua Kombi - desusada e antiga - tinha a potência de uma Ferrari e ela zunia pelos becos e pontas-de-rua, como se estivesse correndo na Fórmula 1. Dirigia sem medo, feito um raio – perseguindo seu alvo, que tanto podia ser um casamento em ruínas, tanto podia ser levar a comunhão pra um doente. Tanto podia ser passar um pito num casalzinho de  namorados modernos ou socorrer uma mãe solteira. Andava pelos cantos, promovia casamentos empacados, pegava “noivos eternos” pelos babados e os levava ao pé do padre – “se serve pra namorar, seve pra casar, ora essa”. Ajudava famílias pobres, arranjava casa pra carentes e... exigia respeito: “Arrumo a casa, mas não quero saber de arruaça!”

        Enchia a  Kombi de Irmãs e era bonito de se ver: um carro cheinho de  anjas, todas brancas, todas-passarinhos – em cada janelinha um rostinho de paz...

        Irmã Filomena – a TIA MENA – tinha o dom de promover e valorizar quem estava por perto. Despachava – esse era o termo – DESPACHAVA – todo mundo pra Faculdade. Todo mundo piava firme com ela, mas subia na carreira, fazia cursos, aprendia a ser útil e crescia. Debaixo de suas ordens e de seu amparo. Todo mundo  tinha de se virar, se mexer, senão...

        Enxergar longe era com ela – tinha vista de lince, fazia planos inadmissíveis, sabia onde procurar ajuda. E os planos davam certo. Abrir caminhos difíceis era com ela!

        Ah, gente, quanta coisa errada a Brava Santa Brava consertou por aqui! Quantas moças ela não pegou - quase pelas orelhas-  e levava pra casa. Por quê? Ah, porque estava fumando,  estava matando aula, porque estava namorando fora do jeito, porque estava bebendo em barzinhos...

        Quanto rapazinho não ouviu  célebres sermões da Santa Brava! Quanto marmanjo dorense – até autoridade! – não abaixou os olhos (e o topete) para a FLOBÉ!

        Eu gosto de gente assim.É gente que  faz falta ao mundo. Há pessoas de todo jeito: uns vêm pra enfeitar a vida, outros, para rezar, outros vêm pra ensinar.  Irmã Filomena veio par vigiar o mal e consertá-lo...Para remendar o errado. Para brigar pela moral da família.

         Paciência... Não é fácil ser fiscalizado, não é fácil ouvir as verdades feias que a gente esconde, bem escondidas... não era fácil enfrentar a IRMÃ BRAVA...

        Mas, que era uma eficaz mão-na-roda pra Dores do Indaiá, lá isso era!...

         Enquanto os pais dormiam, descansavam, lá estava ela, a BRAVA SANTA        perscrutando as esquinas e os escurinhos, as rodinhas, vigiando as roupas modernas, o comportamento moderno.

        _ Lugar de Irmã é na igreja!

         – É no convento!

        _ Uai, e quem falou que zelar pela família, zangar, passar pito, estender a mão, ouvir lamúrias não é rezar? Não é AMAR?

       

Eu perdi uma grande amiga.. Todos nós perdemos uma líder. Dores do Indaiá perdeu uma grande arma contra as caminhadas para  o seu progresso e  sua paz. Nosso povo sabe o porquê de seu choro. Nossos jovens estão jururus... Sem a presença do “perigo”, ficou sem graça ser moderninho, ser do contra e aprontar...

        _ Bom era pensar que a Irmã iria chegar de repente...

        Tão cedo vai aparecer outra SANTA, tão brava, tão humana, tão prestativa, tão disposta para o trabalho. E tão fiel ao exemplo que pregava!

        Então, quem deixa tudo para amar um povo, pra lutar por ele, para  socorrê-lo...Então,  envelhecer procurando meios de melhorar a vida de uma cidade, não é SANTA?

        _ Tudo bem, que seja uma SANTA  diferente, um azougue, um petardo, um raio, até aí, concordo. Que não esteja nos altares, como as outras santas, tudo certo...

         Mas que ela soube cavar um lugar no coração de cada dorense, ah, isso lhe garante o título de SANTA, isso garante!      SANTA BRAVA, mas santa, uma BRAVA SANTA.

        E ponto final. Ela não vai ter paciência  para tanto bláblábláblá....

 

        Dores do Indaiá, 23 de fevereiro de 2014.

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