CRÔNICA - O Liberal,
março de 2000.
UMA BRAVA SANTA BRAVA
Maria
Hoje, 23 de fevereiro de 2014 –
quatorze anos sem a presença de nossa
Irmã Filomena, a inesquecível dorense de coração.
Penso que todos vocês sentem falta dela
por aqui, rondando, orientando, tomando conta da cidade, fazendo o bem, só o
bem!
Nossa homenagem vai nessa crônica,
escrita quando ela faleceu.
....................................................................................................
_ Santa? Só se for Santa do pau-oco!....
_ Deus me livre daquela Santa! Vai ser brava lá longe!
_ Cala a boca, gente... Despista aí... Esconde
o cigarro... A “Filó” envém!...
E
era assim que os nossos jovens enxergavam a Irmã Filomena:com um pé-atrás, com um respeitão - raramente visto entre a
moçada – aquela turma que sabe tudo, que
pode tudo, que questiona tudo, que tem resposta pra tudo, que detona tudo...
_Tudo?
_Tudo
? Tudo mesmo?
_
Até a Irmã Filomena?
_
Ah... – A Filó ...é outro
departamento....
_
Ah ... A Flobé não vale...
_A Filó ninguém detona!
FILÓ de Filomena -FLOBÉ de arma de fogo, de
canhão, de tiro, de fortaleza. Dois
apelidinhos que ninguém ousava falar alto. Eram sussurrados, eram uma senha de
que a Santa Brava estava por perto. Eram
pronunciados como uma crítica carinhosa. Assim, igual quando a gente critica um
pai, uma mãe, bem baixinho, bem dentrinho
do coração. Crítica pelo gosto de protestar, sabendo que está errado,
apenas pelo gosto de ser do contra... Lá dentro, o coração diz: não...
não...não...
Irmã
Filomena era biônica, se multiplicava, era o Mister M de saias, perdão,
de hábito. Era o anjo da guarda da cidade. Sozinha, miúda, valia por um
batalhão. Míope, enxergava mais que os olhos da cidade toda. Idosa, tinha a
força de um peão e a esperteza de um menino.
Acho que a Irmã Filomena não
dormia. Ou, se dormia, era com... com
os dois olhos bem abertos. Pra não perder nada, pra vigiar, pra acudir, pra
consertar as dores de Dores do Indaiá...
Sua
Kombi - desusada e antiga - tinha a potência de uma Ferrari e ela zunia pelos
becos e pontas-de-rua, como se estivesse correndo na Fórmula 1. Dirigia sem
medo, feito um raio – perseguindo seu alvo, que tanto podia ser um casamento em
ruínas, tanto podia ser levar a comunhão pra um doente. Tanto podia ser passar
um pito num casalzinho de namorados modernos
ou socorrer uma mãe solteira. Andava pelos cantos, promovia casamentos
empacados, pegava “noivos eternos” pelos babados e os levava ao pé do padre –
“se serve pra namorar, seve pra casar, ora essa”. Ajudava famílias pobres,
arranjava casa pra carentes e... exigia respeito: “Arrumo a casa, mas não quero
saber de arruaça!”
Enchia
a Kombi de Irmãs e era bonito de se ver:
um carro cheinho de anjas, todas
brancas, todas-passarinhos – em cada janelinha um rostinho de paz...
Irmã
Filomena – a TIA MENA – tinha o dom de promover e valorizar quem estava por
perto. Despachava – esse era o termo
– DESPACHAVA – todo mundo pra Faculdade. Todo mundo piava firme com ela, mas
subia na carreira, fazia cursos, aprendia a ser útil e crescia. Debaixo de suas
ordens e de seu amparo. Todo mundo tinha
de se virar, se mexer, senão...
Enxergar
longe era com ela – tinha vista de lince, fazia planos inadmissíveis, sabia
onde procurar ajuda. E os planos davam certo. Abrir caminhos difíceis era com
ela!
Ah,
gente, quanta coisa errada a Brava Santa Brava consertou por aqui! Quantas
moças ela não pegou - quase pelas orelhas-
e levava pra casa. Por quê? Ah, porque estava fumando, estava matando aula, porque estava namorando
fora do jeito, porque estava bebendo em barzinhos...
Quanto
rapazinho não ouviu célebres sermões da
Santa Brava! Quanto marmanjo dorense – até autoridade! – não abaixou os olhos
(e o topete) para a FLOBÉ!
Eu
gosto de gente assim.É gente que faz
falta ao mundo. Há pessoas de todo jeito: uns vêm pra enfeitar a vida, outros,
para rezar, outros vêm pra ensinar. Irmã
Filomena veio par vigiar o mal e consertá-lo...Para remendar o errado. Para
brigar pela moral da família.
Paciência... Não é fácil ser fiscalizado, não
é fácil ouvir as verdades feias que a gente esconde, bem escondidas... não era
fácil enfrentar a IRMÃ BRAVA...
Mas,
que era uma eficaz mão-na-roda pra Dores do Indaiá, lá isso era!...
Enquanto os pais dormiam, descansavam, lá
estava ela, a BRAVA SANTA perscrutando
as esquinas e os escurinhos, as rodinhas, vigiando as roupas modernas, o
comportamento moderno.
_
Lugar de Irmã é na igreja!
– É no convento!
_
Uai, e quem falou que zelar pela família, zangar, passar pito, estender a mão,
ouvir lamúrias não é rezar? Não é AMAR?
Eu perdi uma grande amiga.. Todos nós
perdemos uma líder. Dores do Indaiá perdeu uma grande arma contra as caminhadas
para o seu progresso e sua paz. Nosso povo sabe o porquê de seu
choro. Nossos jovens estão jururus... Sem a presença do “perigo”, ficou sem
graça ser moderninho, ser do contra e aprontar...
_ Bom era pensar que a Irmã iria chegar de
repente...
Tão
cedo vai aparecer outra SANTA, tão brava, tão humana, tão prestativa, tão
disposta para o trabalho. E tão fiel ao exemplo que pregava!
Então,
quem deixa tudo para amar um povo, pra lutar por ele, para socorrê-lo...Então, envelhecer procurando meios de melhorar a
vida de uma cidade, não é SANTA?
_
Tudo bem, que seja uma SANTA diferente,
um azougue, um petardo, um raio, até aí, concordo. Que não esteja nos altares,
como as outras santas, tudo certo...
Mas que ela soube cavar um lugar no coração de
cada dorense, ah, isso lhe garante o título de SANTA, isso garante! SANTA BRAVA, mas santa, uma BRAVA SANTA.
E ponto final. Ela não vai ter
paciência para tanto bláblábláblá....
Dores do Indaiá, 23 de fevereiro de 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário