sábado, 22 de fevereiro de 2014


CRÔNICA

Ana  Maria de Jesus

Maria

Para minha amiga e leitora –Aida- de Petrópolis, que deseja rever esta crônica do meu livro, Água Doce, nº 69.

Espero que outros leitores tenham o mesmo prazer em saber como era nossa vida em Estrela do Indaiá, naqueles tempos bentos, onde a Ana da mamãe morava conosco. Ela foi minha fada, minha primeira contadora de histórias. Aqui em casa, todos acham que a Maria é parecidinha com a nossa querida ANA.

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        Quando fomos para Estrela do Indaiá, em 1939, mamãe tratou logo de arranjar também uma pajem. Seus quatro filhos pequenos precisavam de alguém para acompanhá-los nos brinquedos. Madrinha Maria sozinha não dava conta de tudo.

        Mamãe, chegada de Dores, logo fez fama de boa costureira. Precisou até arranjar arrematadeiras, um luxo para a época. A Nair do Sô Hermones e a Zulmira da D. Águeda passavam o dia em nossa casa, entre fivelas e botões, chuleando tudo a mão, com paciência e perfeição. Os vestidos de noiva, que eram feitos fora, passaram para as mãos de fada da dona Fia Dio Zurinho.

        Ana foi lá pra casa com seus onze anos, embora aparentasse menos. Ingênua, educada, era “mais um” para a madrinha controlar. Logo, logo, revelou-se ótima companheira para nossas brincadeiras. Sabia histórias de fadas,  de anões, de gigantes e de nuitos bichos. Melhor, sabia contá-las. Creio que foi isso que nos encantou.   

        Tomou-se de amores por nós. Muito humilde, muito carente, encontrou em nossa casa ambiente alegre onde pudesse ser uma criança feliz. Trabalhando, ajudava          a mãe, viúva, cheia de filhos.

                Madrinha Maria a iniciou nas pequenas tarefas, próprias para sua idade: engraxar os sapatos, lavar  as chinelinhas, arear as bacias de banho, dar banho nos meninos, passear com eles, dar pequenos recados. Viva, caprichosa, logo se viu que a menina prometia        Só que, muito nova, de vez em quando, aprontava alguma.

        A primeira arte da Ana foi contada entre risos e constrangimentos.

        Era sábado e estávamos prontos para um passeio com a Ana, até o jantar ficar pronto.

        _ Tome seu banho rápido, senão os meninos vão sujar as roupas.

        Era mamãe com sua famosa fiscalização sobre os banhos. Ana teve que entrar na linha.

            Madrinha tratou de apressá-la:

                _Já vou descer o tacho, Ana (era o tacho grande no fogão a lenha, mantendo água quente para os banhos... Só descia do seu trono, na hora de se começar a janta...)

        _ Deixa de ser inzoneira!

        Ana bancou a esperta. Quis ser rápida para cumprir logo com sua obrigação.

        Entrou pra o quarto de banho, viu a bacia grande com uma água clarinha e uma leve espuma, aqui e ali. Nadou de braçadas...

na água do banho do patrão...

        Quando descobriram, ela já ia longe conosco, toda serelepe, empinadinha, pernas grossas, uma graça, a Ana.

        De outra vez – ah! Meu Deus! – parece que só tenho casos de banhos pra contar.

        Nem toda casa tinha seu cômodo próprio para os banhos.

        Quase sempre, tomava-se o banho nos quartos. A bacia era colocada no chão, as roupas, em uma cadeira, toalha, tudo à mão.

Ah! Importante: uma vasilha menor com água mais esperta para o enxágue. Tudo certo. O pior era se desfazer da bacia d’água.

        Povo simples, costumes práticos. O mais fácil era mesmo jogar a água pela janela aberta, com uma bacia de rosto ou ... algum vaso mais deselegante.

        As pessoas mais discretas tomavam o banho onde os quartos     dessem para os fundos da casa. Em outros casos, porém, era inevitável: a água dos banhos ia mesmo para a rua.

        _ Não passe debaixo das janelas – era aviso constante para as crianças.

        Ana foi à loja pedir dinheiro pra comprar biscoito lá na dona Terezinha do Sô Tavinho. O caminho mais curto – da “casa de baixo” até o Largo da Igreja, passava, obrigatoriamente, pela pensão da Dinorá. Lá ficavam hospedados todos  os viajantes – os cometas- que passavam pela região. Comida boa e farta, muito asseio, a pensão era conhecida dos cometas.

        Agora pensa! Em cada quarto – eram muitos – uma janela dando pra rua. Debaixo de cada janela, o perigo iminente. Havia que se cuidar.

         Ana se descuidou. Quando voltava com o embrulho de biscoitos, cheirosos e fresquinhos, passou  bem rente às janelas da pensão da dona Dinorá. Tchóóó! Uma baciada de água de banho, sabe-se lá de quem. Susto. Corrida. Outra janela, outro banho – tchóóó!

        A Ana, temendo represália explicou:

        _Aqueles diacho jogaram duas penicada de água suja ni mim...

        Nesse dia, a Ana tomou banho de álcool e o café foi sem biscoitos....

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        Dores do Indaiá, 21 de fevereiro de 2014.  

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