CRÔNICA
Ana
Maria de Jesus
Maria
Para minha amiga e leitora
–Aida- de Petrópolis, que deseja rever esta crônica do meu livro, Água Doce, nº
69.
Espero que outros leitores
tenham o mesmo prazer em saber como era nossa vida em Estrela do Indaiá, naqueles
tempos bentos, onde a Ana da mamãe morava conosco. Ela foi minha fada, minha
primeira contadora de histórias. Aqui em casa, todos acham que a Maria é
parecidinha com a nossa querida ANA.
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Quando
fomos para Estrela do Indaiá, em 1939, mamãe tratou logo de arranjar também uma
pajem. Seus quatro filhos pequenos precisavam de alguém para acompanhá-los nos
brinquedos. Madrinha Maria sozinha não dava conta de tudo.
Mamãe,
chegada de Dores, logo fez fama de boa costureira. Precisou até arranjar
arrematadeiras, um luxo para a época. A Nair do Sô Hermones e a Zulmira da D.
Águeda passavam o dia em nossa casa, entre fivelas e botões, chuleando tudo a
mão, com paciência e perfeição. Os vestidos de
noiva, que eram feitos fora, passaram para as mãos de fada da dona Fia Dio
Zurinho.
Ana
foi lá pra casa com seus onze anos, embora aparentasse menos. Ingênua, educada,
era “mais um” para a madrinha controlar. Logo, logo, revelou-se ótima
companheira para nossas brincadeiras. Sabia histórias de fadas, de anões, de gigantes e de nuitos bichos.
Melhor, sabia contá-las. Creio que foi isso que nos encantou.
Tomou-se
de amores por nós. Muito humilde, muito carente, encontrou em nossa casa ambiente
alegre onde pudesse ser uma criança feliz. Trabalhando, ajudava a mãe, viúva, cheia de filhos.
Madrinha
Maria a iniciou nas pequenas tarefas, próprias para sua idade: engraxar os
sapatos, lavar as chinelinhas, arear as bacias
de banho, dar banho nos meninos, passear com eles, dar pequenos recados. Viva,
caprichosa, logo se viu que a menina prometia Só
que, muito nova, de vez em quando, aprontava alguma.
A
primeira arte da Ana foi contada entre risos e constrangimentos.
Era
sábado e estávamos prontos para um passeio com a Ana, até o jantar ficar
pronto.
_
Tome seu banho rápido, senão os meninos vão sujar as roupas.
Era
mamãe com sua famosa fiscalização sobre os banhos. Ana teve que entrar na
linha.
Madrinha
tratou de apressá-la:
_Já
vou descer o tacho, Ana (era o tacho grande no fogão a lenha, mantendo água
quente para os banhos... Só descia do seu trono, na hora de se começar a
janta...)
_
Deixa de ser inzoneira!
Ana
bancou a esperta. Quis ser rápida para cumprir logo com sua obrigação.
Entrou
pra o quarto de banho, viu a bacia grande com uma água clarinha e uma leve
espuma, aqui e ali. Nadou de braçadas...
na água do banho do patrão...
Quando
descobriram, ela já ia longe conosco, toda serelepe, empinadinha, pernas
grossas, uma graça, a Ana.
De
outra vez – ah! Meu Deus! – parece que só tenho casos de banhos pra contar.
Nem
toda casa tinha seu cômodo próprio para os banhos.
Quase
sempre, tomava-se o banho nos quartos. A bacia era colocada no chão, as roupas,
em uma cadeira, toalha, tudo à mão.
Ah! Importante: uma vasilha menor com água
mais esperta para o enxágue. Tudo certo. O pior era se desfazer da bacia
d’água.
Povo
simples, costumes práticos. O mais fácil era mesmo jogar a água pela janela
aberta, com uma bacia de rosto ou ... algum vaso mais deselegante.
As
pessoas mais discretas tomavam o banho onde os quartos dessem para os fundos da casa. Em outros
casos, porém, era inevitável: a água dos banhos ia mesmo para a rua.
_
Não passe debaixo das janelas – era aviso constante para as crianças.
Ana
foi à loja pedir dinheiro pra comprar biscoito lá na dona Terezinha do Sô
Tavinho. O caminho mais curto – da “casa de baixo” até o Largo da Igreja,
passava, obrigatoriamente, pela pensão da Dinorá. Lá ficavam hospedados todos os viajantes – os cometas- que passavam pela
região. Comida boa e farta, muito asseio, a pensão era conhecida dos cometas.
Agora
pensa! Em cada quarto – eram muitos – uma janela dando pra rua. Debaixo de cada
janela, o perigo iminente. Havia que se cuidar.
Ana se descuidou. Quando voltava com o
embrulho de biscoitos, cheirosos e fresquinhos, passou bem rente às janelas da pensão da dona
Dinorá. Tchóóó! Uma baciada de água de banho, sabe-se lá de quem. Susto.
Corrida. Outra janela, outro banho – tchóóó!
A
Ana, temendo represália explicou:
_Aqueles
diacho jogaram duas penicada de água suja ni mim...
Nesse
dia, a Ana tomou banho de álcool e o café foi sem biscoitos....
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Dores
do Indaiá, 21 de fevereiro de 2014.
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