sábado, 31 de maio de 2014



 

Nó cego

 

Com uma “plateia seleta e rara”, composta do BEM e de alguns netos, fui intimada a contar mais causos das Gerais.  Afinal, até os psicólogos explicam os tais atalhos, os nós cegos que acontecem quando a gente fala uma coisa sem querer. Quem sabe a alma não quer falar, exatamente, através da falta de jeito?

Até o nosso Presidente, tão preparado, de vez em quando, deixa escapar algum atalho inconveniente e... depois se debulha em explicações. Até hoje, nós todos nos lembramos de que fomos, clamorosamente, chamados de CAIPIRAS por ele, perante o mundo todo! E todos nós ouvimos suas explicações bambas de que CAIPIRA é o mesmo que SIMPÁTICO... Será? Ah! E um sisudo presidente francês, visitando nosso país, jamais será esquecido pela célebre conclusão a que chegou e que falou “sem querer-querendo”: “DECIDIDAMENTE, O BRASIL NÃO É UM PAÍS SÉRIO...” E, se Suas Excelências são traídos pela voz da alma, do subconsciente, imagina o povão e o povinho...

Uma dona de casa esmerou-se, arrumando tudo, para receber a visita de uma colega que, desde que se formaram, se mudara para o exterior. Um chique!

A visita chegou. De relance, ao recebê-la, a dona de casa notou a velha almofada – relíquia de família – bem à vista. Rapidamente, jogou-a atrás da primeira porta que encontrou e foi cumprimentar a visita. Saudades, lágrimas, emoções. Que bondade!

A dona de casa nem percebeu a entrada do luluzinho da colega! E detestava cachorros! De-tes-ta-va!

Tudo certo. Nunca se viu tanta cortesia!

De repente... Horrorizada, a dona de casa vê sair do quarto da frente, nada mais, nada menos do que “um cachorro″ arrastando a velha e “baselenta” almofada.

Rápida, levantou-se, explicando:

- Aqui no interior é assim, cheio de cachorro sem dono... E tocou-o para a rua.

Aflita, jogou a almofada na poltrona, assentou-se em cima e... tudo bem.

Só aí que ela notou, surpresa: a colega abria a porta cheia de dengos.

- Que lindinho, vem cá com “a mamãe”!

No fuá, a almofada (re)apareceu e o lulu, vitorioso, arrastou-a para junto da colega chique... uma madame!

Que atalho! Que nó cego!

 

***

 

Minha irmã, parecidinha comigo, foi à casa da comadre ver a reforma. A comadre insistiu, insistiu e, lá um belo dia, ela então foi. Bateu, chamou, tocou campainha, ouviu vozes, muitas vozes. Fez-se um silêncio. Minha irmã entrou, “era da casa”. A cozinha estava em festa – todos comendo pamonhas, um cheiro! Ninguém se aluiu do lugar... Não queriam visitas àquela hora! A comadre acudiu, foi (des)conversando, foi (des)conversando, e minha irmã tratou de se despedir.

- Vai não, comadre, tá cedo!

E a minha irmã, vexada por atrapalhar a “pamonhada″ da comadre, saiu-se com esta:

- Não, eu preciso ir... tá na hora de esquentar a PAMONHA pros meninos...

Já viu, a pamonha era a janta...

- Ai, ai, ai!

 

***

 

A madrinha do garoto, mimado como ele só, chegou bem à hora em que ele ia dormir.

Um garoto bem grande, com seus quatro ou cinco anos, ainda precisava usar fralda descartável – fazia xixi na cama.

A mãe, doida para dar uma prosa com a comadre, apressou:

- Corre lá, filhinho, corre! Busca a fralda pra mamãe te arrumar!

O menino passou, sem roupa, voando!

A madrinha não acreditou! Fral-da!

- Desse tamanhão, era só o que faltava! (Claro, só pensou, pensou, pensou!)

Como o garoto demorasse, a madrinha gritou lá para o quarto:

- Depressa, anda! Traz logo a sua... o seu... BUNDEIRO!...

Será que o menino ainda fez xixi na cama? Du-vi-d-o-dó!

 

Novos sons

 

Estou em Belo Horizonte.

Estou sozinha. O tricô ficou para trás. Os netos, a casa, Dores do Indaiá e sua paz estão longe.

Eu nem sabia que meu coração sentiria falta dos passarinhos que voam soltos pelos quintais. Ah! E dos periquitinhos que gritam nas gaiolas. Ah! E dos pombinhos “Hamburguês” que cantam e riem como gente grande. Miados de gatos, cocoricós das galinhas, os pintinhos com seus gritinhos alegres, as galinhas-d’angola que enchem o silêncio com o “tô fraco” de sempre. É, eu não sabia que meu coração anota tudo isso, esses sons que já são parte de minha casa.

Agora, fico perscrutando os novos sons, aqueles que não são os meus. Quem sabe, entre eles, acharei algum canto de galo para alegrar meu coração! Ah! Eu queria um canto de quintal nessa tarde solitária, sem céu e sem sol!

O som estridente do portão eletrônico é seco e rápido. Aos poucos, a tarde se veste de noite e os mil prédios vão-se acendendo. Meu coração se anima. Crianças conversam e riem perto do elevador. Tento ouvir mais – saudades das netas. Pena, uma porta qualquer abafou a música daquelas vozes. Silêncio de novo.

Ligam as televisões e os aparelhos de som. Ouço fiapos de falas e de músicas desencontradas. Mais luzes acesas.

Chegam vozes de um prédio bem vizinho.

Uma mulher está nervosa. Sua voz é cheia de nós – quem será que amarrou a voz da mulher? A voz de parece com o tlec-tlec do portão. Rápida e seca.

Duas crianças conversam com a mãe. Nem a alegria delas adoça aquela voz -de portão-eletrônico. Ainda não se desvestiu dos problemas lá de fora. A voz- de mulher/portão solta pancadas secas pelas janelas abertas.        - Tlec! Tlac! Tlec! Tlac”!

Um menininho fala com a voz de quem está incólume à aspereza da cidade grande.

- Mamãe, você vai fazer sopa?

A voz da mãe se abranda um pouco e é quase bonita.

- Vou, vou fazer sopa.

Respiro aliviada. Bendita sopa da boca-da-noite. Os sons da cozinha enfeitam a rua e dançam  pela janela aberta. A mulher já conversa mais alegre e, só de vez em quando, ouço os tlec-tlacs. De sua voz e da faca que pica os legumes.

Um cheiro bom se espalha no ar e a panela de pressão chia alto.

Alguma coisa se parte no chão. A voz- de- portão volta e espalha a ternura do momento para longe. Fico triste. As crianças se calam. Ah! Meu Deus, tão bom se um passarinho cantasse. Quem sabe, se um gato coriscasse por aqui, se um cachorrinho latisse? Nada! Nada acontece e o tlec-tlac martela o ar. Tenho pena dos menininhos...

De repente, a televisão anuncia: A POESIA ESTÁ EM BELO HORIZONTE! É A BIENAL DA POESIA!

Um menininho se anima!

- Mãe, o que é POESIA?

A mulher para de martelar a lingüeta do portão-eletrônico. Se encabula, tenta, tenta. A voz do menininho quer saber: POESIA, POESIA, POESIA...

A panela de pressão chia. O prédio todo se aquece e a ternura entra pelos mil olhos de vidro.

Todos se reúnem em volta da sopa. As crianças estão alegres. A voz da mulher é doce e maternal.

Bendita sopa da boca- da- noite! Bendita Poesia!

O menininho insiste. A mãe, com a voz terna, promete perguntar ao pai, quando ele chegar...

A porta se abre. É o pai que chega.

- Papai, o que é POESIA?

- POESIA... POESIA... ESPERA AÍ...

Tenho vontade de gritar pela janela:

- POESIA é uma sopa quentinha e cheirosa! É uma mãe de voz doce e um pai que chega do serviço!

Meu coração repete:

- POESIA é um ANJO, com cara de criança, com voz de filho pedindo sopa na boca- da noite...

VIGÍLIA

 

 

            Pois então.

         Até pensei em ficar quieta no meu (en)canto...

         Meu coração (des)usado e antiguinho achava muito costa-a-cima vir para o computador, muito mais esperto do que a Maria, passando na minha frente como se fosse dono absoluto do mundo. Mas... pensando bem... Fico com peninha de guardar as coisas bonitas que vejo cá nas Dores sem dores... Fico imaginando: Ah! Se o povo todo visse o céu que estou vendo.... Ah! Se quem está longe ouvisse o que estou ouvindo...Sei não...

 

         Aí resolvi. Pra que guardar tanta poesia, tanta paz só pra mim? Meu coração doidinho (con)corda e me passa um pito: É mesmo, Maria! É até pecado não repartir tanta beleza com os outros... Eles morrem de saudade daqui! Custa você pegar a chavinha mágica e abrir a alma para o mundo?

         Nada, custa nada não... A poesia está solta peles ruas, sobe pelos muros batidos de sol. A poesia está tão perto,é só cutucar...

         Verdade, “divera”. O céu aqui fica tão baixo e é tanto azul que, se quiser, é só estender o braço e pegar um pedacinho de nuvem para enfeitar minha sala. “Divera” o sol é tão baixinho que posso amarrá-lo no meu telhado... Ah, e as estrelas até cochilam comigo... Se quiser,é só pegar uma porção delas e fazer  um colar para mim...

         Música? Nossa... Juro, a brisa que passeia pelas praças e ruas canta tão bonito que meu coração corre com ela pelos telhados adormecidos... Minha alma se prende em seus cabelos e passeia por aí, chega até a minha Estrela, corre pelos campos azuis de nossas fazendas e se embriaga com o cheiro de terra fresca e de água da fonte...

         À noite, o silêncio conversa com a paz e eu descubro cada palavra mágica que embala meu sono e meus sonhos... A lua faz morada bem em cima de minha janela.

         Amanhece.

O Morro da Capelinha pega fogo na luz do sol sertanejo que clareia minha(s) Dores. Cada casa da cidade acorda, lava o rosto nas gotas de orvalho, desce o morro e se escorre  pela Avenida. Mil olhos se debruçam nas janelas e espiam a manhã que nasce.

         Pois então. Faço tão pouco pra matar a saudade que teima em morar no coração de quem está longe, tão lon-on-on-ge daqui... Não me custa ficar de vigília, com o coração bem aberto para surpreender um momento azul, um bailado de flores, uma valsa da brisa e... vigiar o pôr do sol que enfeita  todo fim de tarde da terra azul das Dores....

         Vamos combinar então: você fica aí, tadinho, sufocado pelo cimento dos prédios e do asfalto. Eu, abençoadamente, vou ficar aqui. Vigiando a poesia. Vigiando a paz. Vigiando    a singeleza das horas que se escorrem dos relógios de nossas igrejas. Eu não faço nada mais do que contar tudo o quê vejo. Não faço nada de mais...

         O artista  que fabrica tudo isso deve ser  um anjo, quem sabe, uma fada? A Maria   só põe  os babados....

         Por que, se eu não repartir tanta beleza   com você, meu coração é capaz de estourar de tanta poesia, de se derreter de paz, de ficar de mal comigo.... Além do mais, fiz um trato com a Santa Azul das Dores, aquela que tem uma corroa enluaarada, tecida por estrelas miúdas, sabe qual? Pois então: ela abençoa nosso povo e a Maria vigia  tudo, com olhar encantado e coração de poeta.  Assim, de mãos dadas com Nossa Senhora Azul das Dores, vou fabricando momentos mágicos para você pensar que até continua morando na cidade azul.

         Vigio todos os encantamentos para que você não pense que esteve sonhando...

         Para você pensar que nunca saiu da terrinha... Que até deixou seu coração plantado em alguma esquina...

         _ Quem sabe?

sábado, 24 de maio de 2014



 

Galinhol
Maria

 

O Galinhol está lá no quintalão, cheio de sol, cheio de sombras das árvores grandes, com mil cacarejos e mil piu-pius...

Todos se entendem, naquela linguagem de bicos, cristas, asas e penas lustrosas.

Se há algum desentendimento maior, fazem uma ligeira conferência e a ordem volta a reinar no meio do pessoalzinho do quintal. Ninguém briga por espaços, por comida ou por motivinhos miúdos.

Ontem, apesar do azul de abril, o tempo endoidou: não deu tempo de acudir quase nada, antes que uma chuva pesada inundasse a rua e o quintal. Só não corri para os vizinhos, porque a rua virou um rio que desaguava na Fonte do Povo, minha eterna companheira de sol, de chuvas bravas, de capim verde e lustroso...

Então, fui dar uma espiadinha no Galinhol.

A lama tomou conta de tudo. D. Pata estava esticadinha no canto do muro, e de sua ninhada sobraram três patinhos.

Procurei pelas angolas... Só ficou uma, a mais enxerida, que sempre enfia o bico onde não é chamada. A angola voadeira lá se foi no rio da Fonte do Povo. Bem que eu vi, da minha janela embaçada, alguma coisa diferente rodando, rodando... Era o vestidinho de bolinhas da angola que gostava de capim fresco...

Agora, está assim: a D. Galinha Pintada adotou os três patinhos. A angola implicante também se tomou de amores pela ninhada e vive dando palpites na educação dos patinhos. Vai ver não é tão aborrecida quanto parece...

- Quem sabe, a angola voadeira era sua namorada e ela era um ″angolo″?

Bom, isso é opinião de minha neta, a mais entendida em namoros do pessoal que habita o Galinhol – nome arranjado por minha filha Carla, a mais espirituosa da turma...

- Vovó, acho que aquele patinho é mulher...

- Por quê?

- Olha lá, ela anda requebrando, requebrando...

Os comentários sobre a possível senhorita patinha eram os mais engraçados: ela é dengosa quando está nadando na bacia... Ela nem liga pros pitos que o tio ″angolo″ lhe passa o dia inteiro... Ela é curiosa, sai pra longe sozinha... Ela tem um quá-quá-quá mais delicado e é muito mais barulhenta...

- Tadinha, gente!

Em uma tarde de domingo, fomos encerrar o dia no Galinhol.

A patinha diferente corria, graciosa, lá num canto do quintal. Nada fazia a patinha – futura miss do quintal – vir para junto dos outros. Nem o Tio angolo conseguiu nada. Minha neta foi ajudar a pôr ordem na turminha.

- Vó, olha que gracinha!

Cá da escada da cozinha, eu não conseguia decifrar a causa da rebeldia da patinha...

- Sabe, vovó, ela achou uma borboletinha amarela e está correndo atrás...

Então, a borboletinha voou para longe e a minha neta conseguiu trazer a patinha para o viveiro...

- Não falei, vó? Aposto que ela é mulher...

Foi aí que a borboletinha reapareceu...

A patinha saiu do viveiro  Dava pequenos voos em busca da borboleta que volteava pelo quintal.

- Viu? Ela só pode ser patinha para ser tão boboca assim, né, vovó?

- Claro que ela nunca vai alcançar a borboleta, claro!

Então, meu coração reconheceu baixinho:

- Ela é uma PATINHA-POETA... Daquelas que se encantam com uma singela borboleta amarela... Daquelas que pensam que a borboletinha amarela é uma flor que voa...

Abraçada à minha neta, fomos acolher a noite que descia sobre nossa casa e sobre o Galinhol!

quinta-feira, 22 de maio de 2014


 

A GARRAFINHA VERDE
Maria

 

Acabo de lavar a garrafa grande de café. Agora, ela só vai sair do armário quando a turma toda voltar.

Bem que achei estranho comprar uma garrafinha para o café, depois de tantos anos de casa cheia. Bem que achei esquisito fazer almoço nas panelas de guisadinho, brincar de casinha  -já setentona... Mas, fazer o quê?

O BEM falava, quando me via esperando a vinda dos primeiro filhos casados e dos primeiros netos:

- Hoje a Sá Maria do Cruz está atacada! A Edite do Totonho não toma jeito!

Todo mundo ria. Ele se referia a duas parentas dele, famosas, pelo exagero e pela paciência com as manhas dos netos...

É mesmo, gosto de fazer a vontade de cada um, acho que não me custa muito... A vida está passando tão depressa...

A cada vez que a turma se reúne, noto que os netos estão maiores, que têm outros interesses e noto mais fios brancos nos cabelos de meus filhos. Não falando da mãe que, não fosse a pintura dos cabelos...

Então, começo durante a semana: paçoca, para quase todos... Lombo amarrado, coxinha de frango para uma neta niquenta...

Na hora do almoço, a coisa ferve!

- Quero é batata frita... de bolinha...

- Quero é de palitinho!

Vou ajeitando tudo, a Vani dá umas reclamadinhas – certa de que a avó não abre mão das manhas dos netos – e, devagar, lá está a mesa da Sá Maria do Cruz e da Edite do Totonho...

Os olhos dos filhos se ameigam, quando veem a rapa dourada do arroz...

Outro se enternece com a travessa de moelas:

- Hoje é bom, tem moela pra todo mundo!

E os casos da infância enchem a copa de saudades dos rostos queridos que já estiveram conosco, em outros almoços de domingo...

Ainda há a pizza, capricho de uma neta, a mesma das coxinhas de frango, a mesma que vive de brisa... Mandioca frita, com rodelas de cebola, disputadas pelos filhos, homens-meninos...

Tutu Bebo, prato preferido de um genro,  O Dirceu da Carla... Salada de legumes para algum valente que vive de dieta...

Ah, a sobremesa! Meu arroz-doce é famoso e é apreciado por quase todos. Os pequenos preferem o bombom de bolacha, palha italiana... O pé de moleque, de rapadura, some num segundo e – enquanto o farelo é disputado por todos, aos punhadinhos, jogados na boca -- verdadeira infância – eu falo pra Rosana, uma das noras: - Este eu fiz pra você e pra minha caçulinha. Elas riem como duas meninas mimadas...

Outra filha passa tomando o resto de Coca-Cola no bico da garrafa, nem parecendo que é mãe de dois moços... Eu falo pra ela:

- Nossa, esse restinho era da Fernanda...

E minha filha ri, fazendo covinha no rosto:

- Uai, tava na geladeira... Esse, já era!

Faço chicotinho pra ela, que sai requebrando, pirraçando a sobrinha da Coca...

Antes que a noite chegue de todo, dou uma ajeitada na cozinha. As panelas grandes voltam para os armários. Acabo de lavar a garrafa grande de café...

A noite está tomando conta da cidade, do quintal, da casa e do meu coração. Ainda me assusto com a solidão: os filhos que moram em outras cidades se foram todos. Os que moram aqui acabam de sair, com mil recomendações:

- Mamãe, já fechei o barracão...

- Vó, já guardei as bicicletinhas dos meninos... (É o Rafael, meu neto, já responsável e com o pensamento em outros mundos...)

- Mãe, qualquer coisa, liga!

- Mamãe, o celular está carregado?

- Já fechei a garagem...

O filho que mora aqui pertinho fecha a porta e grita:

- Mãe, joguei a chave no sofá da sala!

Por um momento, fico meio perdida, meio avoada, tentando entender a solidão. Dou uma conferida nos fundos da casa. Faço tudo como o BEM sempre fazia... As panelonas já estão no armário; as panelinhas de fazer guisadinho voltam para a ativa. O gato – batizado de Lucas pelo meu neto Artur – sabe que, de novo, é o rei da casa e do chamego da vó... Com passos fofos, me segue pela cozinha afora...

Agora, vou esperar o telefone tocar, avisando que chegaram bem:

- Mãe, chegamos! (Noto uma ponta de saudade na voz querida dos filhos e eu fico tristinha de cá...)

O telefone toca:

- Mamãe, a Jéssica já chegou?

É uma filha preocupada, querendo saber de minha companhia da noite...

Aproveito e vou, de novo, à cozinha.

A garrafinha verde está solitária na mesa e a dona de casa está solitária na casa.

Fico pensando nos versos de Emílio Moura, nosso poeta: “Que fica de mim no tempo? Um verso? Que gesto será lembrado?”

Antes que eu pense no que ficará de mim no tempo, o telefone toca:

- Mãe, chegamos!

Pego o meu tricô e, em silêncio, vou relembrar a ternura do fim de semana.

O telefone toca de novo:

- Mamãe, chegamos!

O Lucas já se aninhou no meu colo e eu começo a tecer o futuro, a esperança, a vida...

Meu coração sabe que, de novo, é tempo de garrafinha verde...

 

 

A PRATELEIRA DA MAMÃE
Maria

 

Toda casa em Estrela ostentava uma prateleira na cozinha.

Era um orgulho para todos da casa e, se desse, ela era colocada de modo a ser vista por todos que chegassem. As visitas a admiravam lá da porta da sala. As mulheres esticavam o olhar através da cortina transparente que, discretamente, separava os cômodos amplos e claros da casa grande...

Só mais tarde aprendi que prateleira servia para se colocar pratos... Porque as de Estrela serviam para as donas de casa criarem maravilhosas  pirâmides de latas areadas.

A prateleira da mamãe era divina e, lá da sala, o brilho das latas faiscava ao sol claro da manhã.

De 15 em 15 dias era “dia de arear a prateleira...” E, a cada vez, as mulheres da casa inventavam uma moda nova com as latinhas... Nas visitas, nos encontros após as missas e novenas, um dos assuntos preferidos era a prateleira da casa...

De olhos fechados, posso enxergar cada latona, cada lata, cada latinha da nossa bela prateleira.

Sábado, dia de areação.

Madrinha Maria era perita no ofício! Coava a areia numa peneira de arame. O refugo era jogado fora e as galinhas corriam pensando que era comida...

A fama da Madrinha Maria corria longe...

Cedo ainda ela punha uma tachada de água para ferver. No caixão da cisterna, ela colocava três gamelas: uma para ensaboar e arear. O sabão preto de pelota, feito em casa, recendia no quintal fresco. A lata de areia fina – lata de marmelada vazia – rebrilhava ao sol. Cada grãozinho da areia branca e lavada era um pontinho de luz.

Na segunda gamela, Madrinha Maria tirava o excesso de sabão e areia e, o último banho das latas era na água fervente da terceira gamela. Esse banho era rapidíssimo e cobria as latas de uma nevoa esbranquiçada que, num passe de mágica se evaporava no ar. Aí sim, a vasilha estava pronta para ir para o sol, tomar um último banho de luz.

A cerca de bambu, tão singela, transformava-se em um caminho iluminado, onde latas, de todos os tamanhos, coroavam os bambus escuros de tempo. Por um dia, eles eram reis, coroados de luz, em uma fila sem rumo e sem estrada.

Com mãos de fada, carregávamos as joias para o trono. O sol entrava junto e a cozinha se iluminava. O brilho punha luz no olhar de cada um e nossos olhos eram de estrelas.

A casa toda ficava iluminada pela magia da prateleira da mamãe.

Ah! Se toda casa de hoje ainda possuísse uma prateleira iluminada. Ah! A luz seria tanta que o mundo todo veria a vida com olhos de estrela...

segunda-feira, 19 de maio de 2014


 

 

 

Estrela do meu céu

Maria

 

(Pela inauguração do asfalto, ligando Dores do Indaiá a Estrela do Indaiá...)

 

 

 

Dentro do meu coração, ela sempre foi uma ESTRELA DO CÉU. Mesmo empoeirada, sem praças ajardinadas; mesmo sem Praças de Esporte, sem telefone e sem CEMIG... quando eu estava lá, estava mesmo no céu...

Mas, não é que, enquanto eu estou longe, a danadinha criou corpo, cresceu e virou uma moça das mais bonitas?

Não fosse uma casa antiga aqui, outra ali, a minha Igrejinha de sempre, juro que pensei que eu tinha errado o caminho da Estrela!...     

A gente chegava, pingando poeira e a primeira casa da rua era a do Abílio, cheia de moças bonitas nas janelas.

Não há de ver que não achei a casa do Abílio? Antes dela, hoje, há tantas outras, tudo de cara nova, que até perdi o rumo. Só quando passei pelo grupo Francisco Campos, onde estudei e lecionei, é que me senti segura...

Quando passei em frente ao lugar onde era a nossa casa, nem precisei abaixar a cabeça para não sentir a sua falta: a névoa dos meus olhos já apagava quase todos os lugares queridos... Tenho que voltar lá, muitas vezes, até que meu coração sossegue e meus olhos fiquem enxutos para eu achar um pouco do que resta. Quem sabe, acharei por lá, uma casa, uma menina, um punhado de sonhos sonhados?

O asfalto novo, liso, brilhante, cortava os campos que conheço de cor. Quantos sonharam com ele! Quantos lutaram por ele!

Foi preciso que um amigo, colega de sala, crescesse e continuasse com esse sonho: Vitório da Silva Gomes – o Boreta. Pois é, sempre digo que as crianças merecem nosso amor e respeito, porque, dentro de cada uma, há um sonho a ser realizado, uma esperança, um futuro. Aí está: aquele menino louro, um tanto tímido na escola, acalentou o sonho de crescer e realizar muitos sonhos antigos, sonhados por outros que vieram antes dele.

Ah, o conjunto de casas populares que recebeu o nome de OTÁVIO SILVA - o Sô Tavinho da Dona Terezinha! Que saudades dele, tão miúdo, tão sensível, vendendo, na sua venda, mais calor humano que arroz e feijão; que saudades de quando ele ia para o ″Serviço de Alto-falante Irmãos Vasconcelos″ e, com voz trêmula e emocionada, declamava poesias enchendo a noite de ternura e beleza!

 Outra surpresa:

Não, João, juro que não acreditei quando vi você transformado em busto de bronze, naquela pose, em frente à casa que você tanto amou! Aposto que, aí em cima, você está pensando:

- Gente, que ideia desse povo de Estrela, fazer isso comigo? O que eu fiz, meu Deus? E sua gargalhada de menino grande acordará os anjos que dormem perto Dele...

JOÃO MENDES RODRIGUES, o João do Vovô Rodrigues, que era meu avô só de empréstimo, de coração; o João que levou a vida rindo de tudo, amando  tudo, com aquele coração maior que o de todo mundo!

Sabe, João, você conquistou o respeito dos estrelenses de um modo diferente, apenas pelo gosto de viver, de trabalhar, de ser simples e ser alegre.

Não fique brincando com coisa séria, João; você mereceu as flores, as palmas, o carinho. A simplicidade também faz as pessoas se tornarem grandes, sabia?

Que beleza do Estádio Municipal Joaquim Alves Belo - O Sô Quim da Da. Zuca, pai de meus alunos Carlinhos e Eleusa, muito sério, um homem de maneiras sábias, calado e discreto. Bato palmas para a homenagem, pois foi um bom prefeito, foi um estrelense de coração.

O Colégio que vi nascer, onde lecionei quando foi fundado, onde dancei com meus alunos, na noite de São João; o Colégio que ficava lá longe e que, agora, a cidade já abraçou! Quase não o reconheci, tão novo, tão bonito... Será que ele me reconheceu?..

_

Se matei saudades? Matei umas e trouxe outras tantas, outras tantas!

Mas, agora, que o asfalto nos colocou mais perto da Estrela do Céu, quero estar sempre lá, rindo com meu povo, emocionando-me com suas esquinas e ruas, procurando os restinhos de minha infância, da minha Estrela do Indaiá.

E, quem sabe, lá, num cantinho qualquer, acharei aquela menina que fui eu...

Quem sabe, acharei uma casa grande, amarela...

Quem sabe, acharei um pai risonho, de olhos azuis?

Ou uma loja, a CASA CAETANO, cheia de sedas e chitas, de vidrinhos de água- de- cheiro, de anéis que se chamavam ″Memórias″?

Ah, meu Deus, se pudesse juntar tudo o que vi e trazer para minha casa...

Eu ia rezar numa Igreja pequena, ia ser anjo de novo, cantar no coro, em latim; eu ia pro vaivém, de roupa nova, ia brincar debaixo da gameleira e ver o sol dormir lá no ″Curral do Conselho″...

Eu ia, eu ia... Eu ia ser feliz! Precisa mais?

Ah, Estrela do Indaiá, Estrela do Meu Céu!

sábado, 17 de maio de 2014


ESCOLA NORMAL

Maria

 

Hoje recuperei a entrevista feita com a aluna da Escola, DALVA CLARA PEREIRA DE CARVALHO  - a Dalvinha.

O apelido lhe assenta muito bem: é pequenina, miúda, delicadinha e foi das alunas mais bonitas de seu tempo!

Além disso tudo, era muito inteligente, e filha de tradicionais famílias dorenses: seu pai, Sr. Cherubino Lucas Pereira, já falecido, tem o nome ligado a feitos progressistas, numa época em que o arraizalzinho estava começando...Possuía uma grande loja, onde a população encontrava artigos de muito bom gosta. Sua mãe, da família Melgaço, Dona Ruth, deixou lembranças de todas as virtudes da mulher mineira.

Dalva Clara, ao lado de seu esposo, Geraldo Batista de Carvalho, - uma falta muito sentida em Dores,- formou um casal muito simpático na cidade, onde atuaram em todos os acontecimentos sociais.

 Flávio Pereira de Carvalho , filho do casal, continua atuando no cenário educacional, pecuário e político da cidade.

Dalvinha foi aluna, professora em diversas escolas da cidade, deixando grande marca de trabalho por onde passou. Ao se aposentar, exercia o cargo de Secretária da Escola Normal, onde iniciou sua vida estudantil.

Hoje, vive em Dores do Indaiá, cercada do carinho da família e ex-alunos.

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Entrevista: DALVA CALRA PEREIRA DE CARVALHO

 

            Fiz o Curso Ginasial e o Magistério na Escola Estadual Francisco Campos, numa época em que o ensino era rigoroso – havia verdadeiro Vestibular para se conseguir uma vaga na famosa Escola.

A disciplina era severa e os valores de como se comportar em sociedade eram cobrados de todas as alunas, dentro e fora das aulas.

A pontualidade, o respeito aos mais velhos, tudo fazia parte de nossa vida: a escola era uma continuação da família.

A Escola Normal era conhecida na região toda e aqui estudavam moças de várias cidades: Abaeté, Estrela do Indaiá, Morada Nova, Bom Despacho, Tiros e de outras cidades mais distantes. Elas ficavam no Pensionato São José, dirigido por Freiras e que funcionava ao lado do prédio da Escola.

Os recreios eram momentos de muita descontração, onde as colegas usufruíam do belo pátio da Escola, cheio de árvores. A Educação Física era uma aula muito especial, com a professora Jalma Costa, que promovia grandes festas na Quadra Esportiva. O uniforme era em estilo muito antigo, de acordo com os costumes da época, xadrezinujo, comprido e fofado nas pernas.

Já o uniforme de aula era lindo, blusa branca, de fustãozinho, magas compridas, cabeção estilo marinheiro, com gravatinha indicando a série da aluna. A saia er azul marinho, pregueada e as meias pretas, completavam o uniforme, com os sapatos também pretos.

Nos dias de desfile, usávamos luvas brancas e boina azul marinho – era uma maravilha nossos desfile em dias festivos!

As matérias eram muitas, em especial, lembro-me das aulas de Português, com o professor Rubens Fiúza, matemática, com D. Adélia, música com Carmem Fiúza, História, com D. Rosa Moura e Geografia, com Sô Waldemar Barbosa. Gostava muito das aulas de desenho e trabalhos com D. Helena  Guimarães.

Ser Normalista era um título muito especial, principalmente pela respeito que uma professora recebia na época e pela certeza de um bom emprego: ninguém precisava se preocupar com o futuro...

Só tenho motivos para agradecer o tempo que passei na Escola Normal. Tudo foi excelente, deixou boas lembranças em minha vida.

.....Dores do Indaiá, 12 de setembro de 2011.

terça-feira, 13 de maio de 2014


 
 
 
 
Já se passaram alguns anos de quando escrevi esta crônica. Mas, continuo com a mesma opinião....
 
 
 
PROPAGANDA POLÍTICA

Maria

 

 

 

                          Meu caminho para o trabalho está seco, esfarelado. A grama, esturricada. O sol, com um olho deste tamanho, torrando o mundo cá em baixo.

         A seca entrou brava: ainda bem que o cerrado tem casca-grossa e se mantém de pé nas pernas tortas.

         Os jardins desmaiamorrendo de sede, florezinhas com a boca aberta, esperando  uma gotinha d’água ou o frescor do orvalho da noite.

         Só a Mulata-da-sala resiste. Nasce em qualquer quebradinho do passeio, em qualquer rachadinho o muro.

         Não há primavera nem inverno para a alegre florzinha. Contenta-se em enfeitar o caminho de quem passa. A qualquer hora, ela está lá. Põe sua carinha de fora, balança a cabecinha-de-flor a qualquer brisa que dançar por perto.

         Hoje, vi uma Mulata-da-sala que há muito tempo não via: toda branca com a boquinha pintada de batom vermelho...

         Ela está lá, num cantinho do muro velho, junto com outras- um buquê colorido.  Singelas, não pedem nada. Só querem ver o sol nascendo, os caminhantes passando e, quem sabe, um luar para enfeitar a noite das flores.

         Eu segui meu caminho com o coração alegrinho, quase dançando no peito. Só porque vi uma florzinha branca de batom que, há muito, eu não via!

         No muro velho e escuro, restos de propaganda política da última eleição: VOTE EM MIM!

          E, no quebradinho esfarelado, na janelinha roída, a florzinha fresca e bela com sua carinha de fora...

         Meu caminho velho ficou novo. Meus passos velhos tiveram mais leveza e eu pensei:

         _ Na próxima eleição, vou votar naquela florzinha   branca de batom vermelho.

         De todos, foi o mais belo programa de governo  apresentado: APENAS ENFEITAR O MUNDO!                                                                                              

sexta-feira, 9 de maio de 2014


 

ESCOLA NORMAL

MARIA

A entrevistada de hoje, a DÔRA, tem como características: a timidez e o dom artístico.

Formou-se na Escola Normal e logo, logo, optou por dar aulas na Zona Rural, onde fez um grande trabalho junto aos alunos.

Aposentou-se cedo – vindo a morar em Dores do Indaiá, sua terra Natal. Aqui se casou, enviuvando-se logo – ficando sem filhos.

Engajou-se em trabalhos artísticos, de tricô, crochê, bordados, sendo membro ativo do Clube Social Benfiente, do qual faço parte. Continua caldinha, sóbria, educada e... artista!

Sua entrevista está aí, muito do seu jeitinho reservado. Mas, nem por isso, deixou de ser ótima professora tendo o respeito de toda a sociedade dorense.

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Nome: MARIA AUXILIADORA LUCAS SILVA

1 - Você foi aluno(a) da Escola em que período?

De 1969 a 1976.

2 - Quem eram

      - Diretor(a): D. Aparecida França, Pe. Antônio Miranda, Dr. Augusto.

      - Professores(as): D. Rosa Moura, D. Adélia, João Batista, Ernando, Sides Vargas, D Pedrolina, D. Carmen Fiúza, Maria Célia, Prof. Carvalho, Osmani.

3 – Outros funcionários: Veva, Lindéia, Cacilda, Zita, Hélio.

4 – Havia alunos de todas as classes sociais em sua época?

Sim.

5 – Havia alunos de diferentes raças?

Sim.

6 – Como era a disciplina?

Boa.

7 – Havia alunos de ambos os sexos?

Sim.

8 – Relate fatos interessantes sobre seu tempo na Escola, sobre alunos, professores, importância da Escola na sociedade, qualidade do Ensino e outros de que você se lembre.

Alguns alunos, inclusive eu, gostávamos de jogar queimada, fazer trabalhos em grupo. 
Era um verdadeiro “vestibular” para passar nas famosas provas de admissão