quinta-feira, 25 de agosto de 2016


 
Queridos leitores da Maria.
 
Tenho recebido tantos recados amigos, tantos pedidos para publicação de crônicas que, acabo de postar mais algumas para vocês matarem as saudades de Dores do Indaiá, do nosso jornal, de nossos azuis e luares...
É muito bom saber que levo alegria para vocês. Afinal, semear alegria é brincar de ser mágica....
Um abraço dorense da Maria (Branca)
 
 
 
 
 
 
 
UMA CASA MINEIRA

Maria

        Com certeza!

        Mamãe controlava nossa casa com pulso mineiro. Isso quer dizer, com mil manias, mil crendices populares, mil superstições.

        Nós, a meninada, passávamos  rabiados, como dizia a madrinha Maria.

        Comida nenhuma dava certo com outra. Manga com leite, carne de porco com manga... Pepino era um  veneno e só papai.Mamãe falava que  papai era   muito topetudo, que só ele  se atrevia a comer do tal veneno! Eu ficava impressionada de ver como o meu pai era um herói: comia pepino e não morria.    Ovo era outro tendepá na casa da D. Fia. Nada dava certo com ele! E, se alguém não resistia à tentação, lá vinha a cantilena:

        _Depois de comer ovo, tem de ficar duas horas sem tomar água!

        _ Por quê?

        _Ah, porque fazia arrotar choco...

        Nossa! Jabuticaba era outro grande perigo! Dava tonteira, explicava mamãe.

        E goiaba? Jesus, quantas vezes passei vontade de comer goiaba vermelha... Porque, segundo os entendidos, era mais remosa...

        Cana, só lá pelas oito  horas da manhã, uns dois gominhos que papai colocava nas canecas esmaltadas de cada um.

        “Banana”  suspirava mamãe, de  manhã é ouro, de tarde é prata, de noite...- mamãe fazia um ar trágico e completava: de noite, MATA!

        Verdade, até hoje não sou capaz de comer uma bananinha, por mísera que seja, depois das seis horas da tarde  – hora misteriosa, boquinha da noite.... Ah, couve e repolho na janta, jamais! Isto é comida pesada, sentenciava D. Fia.

        Garapa? Nunca tomei! E o pavor de dar ataque, de sofrer sucesso, (sofrer acesso) como profetizava minha santa madrinha...

        Pipoca, a gente precisava moer nos dentes, pra não ter de alperar do alpendre...Tradução da fala da madrinha: operar do apêndice...

        _A gente não é galinha... Galinha não tem dentes, mas tem pedrinha na moela... Mamãe era entendida em apêndice, pelo que eu ouvia...(Ah, que vontade de  ser galinha e ter pedrinhas na moela, pra não ter que moer as pipocas nos dentes, pensava a menininha...)

        Falando em milho... e a bendita canjica? Dia de tormento. Bem longe da janta, mais longe ainda do banho. À noite, de jeito nenhum!

        _Tomar banho de assento depois de canjica, pode dá até congestã...

        _Ou ursa, arrematava madrinha. Ah!, gente! Até que ursa é mais fácil de falar do que úlcera, convenhamos. Só que, a avoadinha aqui, pensava que comer canjica fazia nascer uma ursa de verdade lá dentro da minha barriga, com olhos, dentes, unhas, ah, que horror – nunca comi canjica naqueles anos dourados! Só mais tarde, muito mais tarde!

        Os remédios pra dor na boca do estambo (estômago) eram os piores que já vi: chá de amor-deixado, chá de folha-de-mamão, chá de boldo, marcela e até chá de cinza de fogão. Era só esperar a cinza assentar no fundo da xicra...

        Ah, havia uma xícara famosa, - a CHAVA – (chávena) que só faltava  matar a gente, pelo tamanho, pelo conteúdo, quase sempre amargo, com gosto de remédio para bicho (se bem, que, naquele tempo, bicho nenhum  tomava remédio...)

        _ Toma a CHAVA toda, minina. Se não arresorvê, tem de tomá o BUSCAPÃO (Buscopan)...

        Mas, o melhor de todos os remédios –o  abençoado- era o tal de purgante de cramelano (graças a Deus, nem sei como se escreve o bendito purgante...)

        Banho, outro tutu lá de casa... Só depois de três horas do cumê, dizia toda a Estrela...  E, no quarto fechado, pra evitar as correntezas, pra não istuporá.

        _ Já vi um home que virou a cara pra trás, porque istuporô....

        _É... ele tomou banho de assento e saiu              no sereno da boca da noite...

        Outras pérolas da CASA MINEIRA, onde vivi, entre mil cuidados e carinhos. E da qual, milagrosamente, escapei de tanto perigo.

        _ Olhar no espelho depois da comida, de jeito nenhum!

        _Tirar bicho-do-pé, também na hora fatídica, era um perigo : dá teto! (tétano)

        _ Cortar unhas, credo em cruz (Claro, depois da comida...)

        Correr, sair no sol, deitar de bruço, lavar roupa, molhar os pés, nada, nadinha disso, a gente podia fazer depois do cumê, dizia a Estrela toda!

        Ler, depois da comida, também era um Deusoliveguarde!...

        E a madrinha Maria contava um causo que arrancava admiração da plateia: nós, a meninada... “Um cumpade da mãe comeu, garrolê e...oh, ( madrinha fazia o sinal da cruz, tadinha!) foi pro bico do urubu!

        E eu, sonsinha, pensava que garrolê era uma comida chique, de outro lugar, quem sabe de outro mundo, japonesa, sei lá...

        Graças a Deus, lá em casa, nos salvamos de um remédio pra defruxo (defluxo, resfriado...) receitado pelos mais velhos para curar todos os males do peito, chiados, asma...Grande parte dos meninos estrelenses se lambuzava o dia todo, com um pedaço de toucinho cru, passado no sal grosso......

        _É bom pra untá os peito, falava a sabedoria da madrinha Maria...

        Ah, meu Deus! Escapei! Estou viva!

        Só não escapei da saudade...E, pra isso, não há remédio...

        Vivo com o coração carregadinho de saudades daquela casa mineira.

         Com certeza!

 

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        Dores do Indaiá, 7 de maio de 1997.

 

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