quinta-feira, 25 de agosto de 2016



ESTRELADOS DE MINHA INFÂNCIA

Maria

                Ah! Nunca senti tanta saudade dos tipos populares de Estrela!

        Nunca pensei que ia ser bagageira de tantas vidas, de tanta ternura e poesia. Com eles,,pelas ruas e becos empoeirados, fui armazenado belezas, guardando sorrisos puros e olhares de outros mundos. Fiquei para contar como eles eram belos em seus andrajos, como sorriam bonito com aquelas bocas murchas e moles. Fiquei. Meu coração descobriu, em cada um, a feiura mais bonita que havia, a poesia mais sem rima que eu ouvi.

        Eles enfeitaram minha infância. Como as fadas e as bruxas, como os príncipes e rainhas, como São Tarcísio e Santa Terezinha. Como os pastorzinhos de Fátima.

        Eles souberam marcar a minha alma como as valsas vienenses que a igreja tocava às 18 horas. (Ah, 6 horas da tarde é mais bonito, é a boquinha da noite...)

        O João Macuco,-  o Mota, com seus cinturões de tachinhas e ilhoses, seu cordão de barbantes coloridos  no pescoço de Hércules, rachando lenha com um machado  que rebrilhava ao sol. Ah! Só pode ter sido nele que a juventude transviada e outras tantas juventudes de nomes complicados se inspiraram para se vestirem. Deviam t lhe pagar pela Idea que, na sua loucura mansa, lançou há mais de trinta anos, lá nos confins do céu – Estrela.

        A Júlia-Pé-de-Moleque, esguia, pálida, quase bonita, cantando sua paixão pelo moço rico que nunca ia se enamorar por ela. Sua voz saía de um lugar tão fundo, tão distante, que não  podia ser do coração dela – juro, hoje entendo, era de outro mundo.

        Lá se foi no “Caminhão de Barbacena”, sai comprida, de cordão , recitando pro vento levar. Para onde?  Ah, pro meu coração, que ainda se lembra:

 

                        Lá vem o carro de boi

                        Cheio de moça fremosa,

                        No meio vem o Quinzinho

                        Cheirando botão de rosa.

 

        O Custódio, bravo, doido varrido, dando bordoadas no ar, espantando fantasmas que meu coração chega a ver...

        O Chico-Torto, ai que  medo dos feitiços que ele fazia, com cinza de lenha, espelho e titica de galinha...

        O Pedro Bobo, do Sô Tavinho, batendo uma gamela de brevidade de rapadura pra dona Terezinha pôr na venda; batia, batia e mastigava a língua vermelha, como uma vaquinha mansa no presépio.E as brevidades, como dizia meu irmão caçula, eram de barro...”Barro” mais gostoso!

        A Albertina da Vila, rindo, rin-do-o, ah,-ah,ah! Segurando suas mil bonecas:

        _ Bo-o-ne-ca-á! Bo-ne-ca-á!

        E seus olhinhos puxados sumiam no seu rosto moreno.

        O Sô Joaquim Jatobá, limpinho, abotoado até o gogó, calça apertada, justinha, cintura lá debaixo dos braços, cara de chinês, só faltavam os dos baldinhos nos ombros. Descalço, era o freguês da mamãe para o jantar. E nós, só pra ouvirmos as respostas de sempre:

_Sô Joaquim, o senhor gosta de batata frita?

        _ Eu? Ah! Eu odoro!

        _ De que o senhor gosta mais?

        _ Ah! Eu odoro quarqué mustura!

        Ele ria em chinês pra gente, antegozando o prato cheio de mustura...

Gente, parece sono. Enquanto escrevo, eles estão aqui, tão perto de mim... Parece sonho.

        O Generoso, abrutalhado, arrematada, outro grande rachador de lenha. E mamãe conselheira:

        _Generoso, você não pode judiar dos meninos, é pecado, você vai pro inferno! – E ele, tram-cham:_ Que que eu posso fazê? Vou mêmo!

        Depois, impressinado com a encenação da Semana Santa, a Procissão do Encontro, santos vestidos, enormes, feito gente. E ele pra mamãe:

        _Maria,  Maria, ocê viu o Deus na rua? Eu onte topei com ele na esquina, de cabelo de gente e tudo...

        Ah! Meus bobos felizes! Ah, meus queridos homens-meninos, mulheres-fadas. Hoje estou com mais saudade de vocês! Mais saudade!

        Até escuto o Mota servindo seu pratão e explicando, com seu traje metaleiro:

        _Vô pô mais farinha mode endurecê... E mexia o feijão com a farinha e voltava feliz da vida:

        _Agora, vô pô mais feijão, mode amulecê...

        E, assim, comia, comia, comia.

        E a gente ria, ria, ria...

        Na maior bondade! Feito bobos!

        De verdade...

 

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Maria

                Ah! Nunca senti tanta saudade dos tipos populares de Estrela!

        Nunca pensei que ia ser bagageira de tantas vidas, de tanta ternura e poesia. Com eles,,pelas ruas e becos empoeirados, fui armazenado belezas, guardando sorrisos puros e olhares de outros mundos. Fiquei para contar como eles eram belos em seus andrajos, como sorriam bonito com aquelas bocas murchas e moles. Fiquei. Meu coração descobriu, em cada um, a feiura mais bonita que havia, a poesia mais sem rima que eu ouvi.

        Eles enfeitaram minha infância. Como as fadas e as bruxas, como os príncipes e rainhas, como São Tarcísio e Santa Terezinha. Como os pastorzinhos de Fátima.

        Eles souberam marcar a minha alma como as valsas vienenses que a igreja tocava às 18 horas. (Ah, 6 horas da tarde é mais bonito, é a boquinha da noite...)

        O João Macuco,-  o Mota, com seus cinturões de tachinhas e ilhoses, seu cordão de barbantes coloridos  no pescoço de Hércules, rachando lenha com um machado  que rebrilhava ao sol. Ah! Só pode ter sido nele que a juventude transviada e outras tantas juventudes de nomes complicados se inspiraram para se vestirem. Deviam t lhe pagar pela Idea que, na sua loucura mansa, lançou há mais de trinta anos, lá nos confins do céu – Estrela.

        A Júlia-Pé-de-Moleque, esguia, pálida, quase bonita, cantando sua paixão pelo moço rico que nunca ia se enamorar por ela. Sua voz saía de um lugar tão fundo, tão distante, que não  podia ser do coração dela – juro, hoje entendo, era de outro mundo.

        Lá se foi no “Caminhão de Barbacena”, sai comprida, de cordão , recitando pro vento levar. Para onde?  Ah, pro meu coração, que ainda se lembra:

 

                        Lá vem o carro de boi

                        Cheio de moça fremosa,

                        No meio vem o Quinzinho

                        Cheirando botão de rosa.

 

        O Custódio, bravo, doido varrido, dando bordoadas no ar, espantando fantasmas que meu coração chega a ver...

        O Chico-Torto, ai que  medo dos feitiços que ele fazia, com cinza de lenha, espelho e titica de galinha...

        O Pedro Bobo, do Sô Tavinho, batendo uma gamela de brevidade de rapadura pra dona Terezinha pôr na venda; batia, batia e mastigava a língua vermelha, como uma vaquinha mansa no presépio.E as brevidades, como dizia meu irmão caçula, eram de barro...”Barro” mais gostoso!

        A Albertina da Vila, rindo, rin-do-o, ah,-ah,ah! Segurando suas mil bonecas:

        _ Bo-o-ne-ca-á! Bo-ne-ca-á!

        E seus olhinhos puxados sumiam no seu rosto moreno.

        O Sô Joaquim Jatobá, limpinho, abotoado até o gogó, calça apertada, justinha, cintura lá debaixo dos braços, cara de chinês, só faltavam os dos baldinhos nos ombros. Descalço, era o freguês da mamãe para o jantar. E nós, só pra ouvirmos as respostas de sempre:

_Sô Joaquim, o senhor gosta de batata frita?

        _ Eu? Ah! Eu odoro!

        _ De que o senhor gosta mais?

        _ Ah! Eu odoro quarqué mustura!

        Ele ria em chinês pra gente, antegozando o prato cheio de mustura...

Gente, parece sono. Enquanto escrevo, eles estão aqui, tão perto de mim... Parece sonho.

        O Generoso, abrutalhado, arrematada, outro grande rachador de lenha. E mamãe conselheira:

        _Generoso, você não pode judiar dos meninos, é pecado, você vai pro inferno! – E ele, tram-cham:_ Que que eu posso fazê? Vou mêmo!

        Depois, impressinado com a encenação da Semana Santa, a Procissão do Encontro, santos vestidos, enormes, feito gente. E ele pra mamãe:

        _Maria,  Maria, ocê viu o Deus na rua? Eu onte topei com ele na esquina, de cabelo de gente e tudo...

        Ah! Meus bobos felizes! Ah, meus queridos homens-meninos, mulheres-fadas. Hoje estou com mais saudade de vocês! Mais saudade!

        Até escuto o Mota servindo seu pratão e explicando, com seu traje metaleiro:

        _Vô pô mais farinha mode endurecê... E mexia o feijão com a farinha e voltava feliz da vida:

        _Agora, vô pô mais feijão, mode amulecê...

        E, assim, comia, comia, comia.

        E a gente ria, ria, ria...

        Na maior bondade! Feito bobos!

        De verdade...

 

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ESTRELADOS DE MINHA INFÂNCIA
Maria
                Ah! Nunca senti tanta saudade dos tipos populares de Estrela!
        Nunca pensei que ia ser bagageira de tantas vidas, de tanta ternura e poesia. Com eles,,pelas ruas e becos empoeirados, fui armazenado belezas, guardando sorrisos puros e olhares de outros mundos. Fiquei para contar como eles eram belos em seus andrajos, como sorriam bonito com aquelas bocas murchas e moles. Fiquei. Meu coração descobriu, em cada um, a feiura mais bonita que havia, a poesia mais sem rima que eu ouvi.
        Eles enfeitaram minha infância. Como as fadas e as bruxas, como os príncipes e rainhas, como São Tarcísio e Santa Terezinha. Como os pastorzinhos de Fátima.
        Eles souberam marcar a minha alma como as valsas vienenses que a igreja tocava às 18 horas. (Ah, 6 horas da tarde é mais bonito, é a boquinha da noite...)
        O João Macuco,-  o Mota, com seus cinturões de tachinhas e ilhoses, seu cordão de barbantes coloridos  no pescoço de Hércules, rachando lenha com um machado  que rebrilhava ao sol. Ah! Só pode ter sido nele que a juventude transviada e outras tantas juventudes de nomes complicados se inspiraram para se vestirem. Deviam t lhe pagar pela Idea que, na sua loucura mansa, lançou há mais de trinta anos, lá nos confins do céu – Estrela.
        A Júlia-Pé-de-Moleque, esguia, pálida, quase bonita, cantando sua paixão pelo moço rico que nunca ia se enamorar por ela. Sua voz saía de um lugar tão fundo, tão distante, que não  podia ser do coração dela – juro, hoje entendo, era de outro mundo.
        Lá se foi no “Caminhão de Barbacena”, sai comprida, de cordão , recitando pro vento levar. Para onde?  Ah, pro meu coração, que ainda se lembra:
 
                        Lá vem o carro de boi
                        Cheio de moça fremosa,
                        No meio vem o Quinzinho
                        Cheirando botão de rosa.
 
        O Custódio, bravo, doido varrido, dando bordoadas no ar, espantando fantasmas que meu coração chega a ver...
        O Chico-Torto, ai que  medo dos feitiços que ele fazia, com cinza de lenha, espelho e titica de galinha...
        O Pedro Bobo, do Sô Tavinho, batendo uma gamela de brevidade de rapadura pra dona Terezinha pôr na venda; batia, batia e mastigava a língua vermelha, como uma vaquinha mansa no presépio.E as brevidades, como dizia meu irmão caçula, eram de barro...”Barro” mais gostoso!
        A Albertina da Vila, rindo, rin-do-o, ah,-ah,ah! Segurando suas mil bonecas:
        _ Bo-o-ne-ca-á! Bo-ne-ca-á!
        E seus olhinhos puxados sumiam no seu rosto moreno.
        O Sô Joaquim Jatobá, limpinho, abotoado até o gogó, calça apertada, justinha, cintura lá debaixo dos braços, cara de chinês, só faltavam os dos baldinhos nos ombros. Descalço, era o freguês da mamãe para o jantar. E nós, só pra ouvirmos as respostas de sempre:
_Sô Joaquim, o senhor gosta de batata frita?
        _ Eu? Ah! Eu odoro!
        _ De que o senhor gosta mais?
        _ Ah! Eu odoro quarqué mustura!
        Ele ria em chinês pra gente, antegozando o prato cheio de mustura...
Gente, parece sono. Enquanto escrevo, eles estão aqui, tão perto de mim... Parece sonho.
        O Generoso, abrutalhado, arrematada, outro grande rachador de lenha. E mamãe conselheira:
        _Generoso, você não pode judiar dos meninos, é pecado, você vai pro inferno! – E ele, tram-cham:_ Que que eu posso fazê? Vou mêmo!
        Depois, impressinado com a encenação da Semana Santa, a Procissão do Encontro, santos vestidos, enormes, feito gente. E ele pra mamãe:
        _Maria,  Maria, ocê viu o Deus na rua? Eu onte topei com ele na esquina, de cabelo de gente e tudo...
        Ah! Meus bobos felizes! Ah, meus queridos homens-meninos, mulheres-fadas. Hoje estou com mais saudade de vocês! Mais saudade!
        Até escuto o Mota servindo seu pratão e explicando, com seu traje metaleiro:
        _Vô pô mais farinha mode endurecê... E mexia o feijão com a farinha e voltava feliz da vida:
        _Agora, vô pô mais feijão, mode amulecê...
        E, assim, comia, comia, comia.
        E a gente ria, ria, ria...
        Na maior bondade! Feito bobos!
        De verdade...
 
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