quinta-feira, 25 de agosto de 2016


FOGO APAGADO

MARIA

 

        Naquele tempo, todos os homens andavam de terno de brim-cáqui, uma cor-sem-cor, sem-pó, e sem graça.  Os homens daquele tempo eram melancolicamente iguais. Em Dores do Indaiá, inclusive.

Pra completar o figurino, todos usavam bigodes e chapéu-  também cor-de-cuia_-um desastre em termos de elegância...

        Também, naquele tempo-do-onça - somente aos domingo- era permitido deixar o fogo da fornalha apagado. Apagado, apaga-a-a-a-do, não! Ficavam as cinzas cobrindo as brasas _ o famoso borralho _  guardando as fagulhas para um novo fogo.

        Nos dias de  semana, o fogo crepitava o dia todo, acompanhando o trabalho sem trégua. Eram mil cafés, eram mil bocas, eram mil almoços, mil quitandas,  mil jantares, mil ceias. O fogo dormia tardão da noite e mal cochilava no borralho. Madrugada ainda, as brasas eram assopradas e tudo recomeçava.

        Aos domingos, depois  do almoço farto, o trabalho ficava debaixo do borralho, o ânimo se transformava em brasas dorminhocas, debaixo do tépido cobertor de cinzas.

        As domésticas moravam no serviço, como era o costume da época. Mas, aos domingos, tinham uma pequena folga, uma breve pausa de descanso, passeavam, visitavam os parentes e voltavam para fazer o jantar. Claro, aos domingos jantava-se, e bem! Tempo santo!

        Pois, foi num domingo morno, hora do borralho, que o compadre chegou àquela casa. Tudo em silêncio, dormitando.

        O dono da casa chamou a mulher e, foi com os  olhos borralhando, que receberam o compadre _ de mala e cuia, como bispou a mulher.

        Mala guardada, cavalo solto no pastinho, lá se foi a comadre para a cozinha. Ela estava tão apagada quanto aquele fogo da fornalha...

        Assoprou as brasas, avivou o fogo com uns gravetinhos e começou a preparar o “café-do-meio-dia”. Esse nome  queria dizer, quitandas, leite adoçado, café, chás, queijos, biscoito frito na hora... Ah, e o pão de queijo que era servido ainda quentinho...

        Barriga cheia, toca a conversar. Causos e mais causos, risadas sonolentas e antigas, como todos os causos  mineiros.

        Pausa na prosa, Um sono gostoso tomando conta da comadre que sentia as pernas bambas e os braços com-pri-i-i-i-dos, parecendo que ia ter uma morredeira.

        Para espantar o sono, a comadre vai prosear com o marido.

        Chega ä janela que dá para um pequeno jardim e puxa o ar perfumado, chamando forças para o domingo. (Esquentar a água para o banho do compadre, arear a enorme bacia de cobre, ajeitar toalhas, ai, que peleja!)     

        O cheirinho do jardim perfumou o ar, deu-lhe novo alento, foi um refresco na tarde de fogo...

        A comadre encostou-se bem perto do marido, achegou-se bem e cochichou para ele, num desabafo:

        _Será quantos dias esse aborrecido vai ficar? Viu a mala dele?!

        Horrorizada, ela ouviu a voz do compadre explicando:

        _Desculpa, comadre... Não vou delatar muito...

        Mais horrorizada ainda, viu que o homem da janela não era o  o seu marido!!!!!!!!,

        É que, ele também... usava terno de brim-cáqui...E chapéu cor- de-cuia...

 

        Tiveram que esfregar  alho e álcool nos  pulsos da comadre, que teve um desmaio e ficou três dias de cama.

        _E o compadre firme, com a malinha!

Ingenuamente, ainda falava:

        _Coitada da comadre, ficou tão satisfeita com a minha visita que até sofreu um sucesso...

        _Imagina se a patroa tivesse vindo também...

         

........................................................................................................

       

`Dores do Indaiá, 7 de fevereiro de 2007.

               

               

Nenhum comentário:

Postar um comentário