quarta-feira, 7 de maio de 2014


SOL MAIOR
 
Maria

 

Claro, estou cansada de saber que o “meu tempo” não era melhor nem mais bonito que o de hoje. Meus sonhos é que eram mais belos. Ah! Que saudades de mim!

- Uma das saudades mais bonitas que moram em meu coração?

- Ah! Como não me lembrar dos bailes do meu tempo?

Todos em SOL MAIOR!

Dias e dias de doce espera: - “Com que roupa eu vou?”

A cabeça maquinava – não era fácil a escolha entre os poucos vestidos de organdi, de anarruga ou cassa... De veludo, de linho, de organza... A cada baile o vestido bisado era único, porque o sonho era novo...

Duas anáguas engomadas/grudadas, porque a goma era forte e até servia para eu colar as Garotas do Alceu nos meus cadernos.

O pé de laranjinha-capeta era o molde perfeito para a mocinha secar suas anáguas românticas – ele nem cresceu direito. O SOL MAIOR secava/torrava as anáguas de mil rendinhas e fitas, renda e preguinhas, refegos e babados.

E quando a mocinha dançava, as anáguas dançavam junto, fazendo um barulhinho gozado, parecendo um rato roendo, roendo... Meu irmão caçula quase estragou um belo baile da mocinha, baile em SOL MAIOR, sonhado e esperado com mil desvelos. Ao passar perto das anáguas secas e barulhentas, candidamente, espalhou para o mundo:

- Ah! Que cheirinho de biscoito-de-peta!

Ele nunca entendeu a razão do meu choro e dos cochichos adultos. A Ana explicou:

- É prucausa do porvio...

Cera de assoalho era coisa chique demais para a Estrela. Mas um gênio de promoter antigo não decepcionava os pares: à noite, rodopiávamos no piso brilhante de fubá e de velas raspadas!

E o tom de todas as músicas era SOL MAIOR... Porque o sol nem dormia, tamanho era o brilho dos bailes “encantados” no salão mágico da MARIA GEOGRAFIA. Dona de ideias modernas e brilhantes, ela inaugurou – sem saber – o primeiro salão/clube da pequena Estrela, que só dançava nas casas de família.

Ah! E o Clube Velho das Dores? Haverá lugar mais encantado? Haverá saudade mais bonita? A música antiga responde:

-Quizás, quizás, quiza-a-ás (talvez, talvez, talvez).

O Fábio Bernardes e o João Belezinha escolhendo os discos, envoltos em uma nuvem de fumaça ou de mistérios ou de perfume. E os pares se formando sob a luz morna do Funchal e... sob os olhos vivos das mães, das avós, das tias, das madrinhas e vizinhas que vigiavam os amores. O alpendre do Tonho Lalau e Dona Alzira ficava cheio de gente, e a casa dormia embalada pelas músicas dolentes/calientes.

Ah! Clube Velho dos bailes de formatura e da valsa, Danúbio Azul – fiau-fiau! Não era só o Danúbio que era azul, a vida era toda azul ou La vie em rose? Claro, a vida era azul, a vida era rosa e o SOL era MAIOR... Sempre maior!

Tules e rendas, tafetás e failles, tempo santo! Cintura fina de pilão, perfume com nome de poemas: MADERAS DO ORIENTE, PROMESA, talco Orly, pó de arroz Coty, ah! Saudade!

Correntinhas dançavam com as moças e as joias eram de coco-e-ouro... Pérolas e rubis espiavam o baile bem espetadinhos nas gravatas dos cavalheiros. O lenço era indispensável na toalete dos rapazes – era de bom tom proteger a mão com um lenço: mão de moça era coisa pra se respeitar...Com mãos de fada,   as namoradas contavam fios para o ponto- paris dos lenços de cambraia do príncipe encantado. E o monograma era bordado em ponto cheio – cada ponto um suspiro! Letras abraçadas, enlaçadas.

A roda de moças de cá, a roda de moços de lá... Flertes e linhadas amarravam os pares. O cavalheiro escolhia a moça, cumprimentava-a com uma reverência cerimoniosa:

- Quer me dar a honra?

Coração disparado, dois-pra-lá, dois-pra-cá, valsa, roda, vertigem, amor, laços, laçadas, SOL MAIOR.

Palmas dos cavalheiros, pedindo um bis...

A música (re)cantava... em SOL MAIOR.

Na segunda-feira, dentro de um uniforme de normalista, os menores detalhes eram lembrados pelas mocinhas:

- Nunca mais danço com ele, aquele “pé de chumbo”!

- Ah! Acho que fiquei apaixonada por aquele morenão de camisa azul...

- Nossa! E aquele que dança “socando”!

- Pois eu peguei um que só dança “liso”...

- Não me esqueço do cheirinho de Quina Petróleo Sandar.

- Menina, cê viu o moço de BH, que dança de olhos fechados, trombando em todo mundo?

E a gente não perdoava nada. Um era lindo, outro nem por isso, um dançava com a mão da moça no peito, credo, que desuso... Outro dançava com o dedo mindinho levantado, a maior antipatia... E as normalistas riam em SOL MAIOR.

Olhares eram lembrados, promessas guardadas no coração, e nova espera para o próximo baile...

Tempo bento! Novos compassos de espera, sandálias brancas com maquiagem de alvaiade – deixando o sinal de nossos passos ao luar... As anáguas novamente iam secar, bem abertas, vestindo o pé de laranjinha-capeta, os godês eram alisados com o ferro de brasa... (Eu ficava tontinha de soprar as brasas com pó de café por cima.)

Espera... Esper(ança). Bolero, dois-pra-lá, dois-pra-cá, Bésame Mucho, Solamente una Vez - dois-pra-lá, dois-pra-cá. “Detenha as horas, relógio, faça com que não amanheça” (primeira música que dancei com o BEM)... Tangos, Envidia, Madresilva... E a magia da Cerejeira em Flor nascendo no Clube Velho... “Será que tu recordas como eu?”

Entre risos e boleros, tangos e godês, valsas, tules e rendas, nasciam os amores eternos.

Pois, então. Nem tudo era melhor nem mais fácil. Tudo era demorado, tecido, urdido, improvisado.

Meu tempo não era mais bonito. Mais lindos eram meus sonhos. Embalados por valsas e boleros, tangos e serestas. Tudo em SOL MAIOR.

Ah! Que saudades de mim!
 
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                               Dores do Indaiá, 12 de maio de 2009

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