SOL MAIOR
Maria
Claro,
estou cansada de saber que o “meu tempo” não era melhor nem mais bonito que o
de hoje. Meus sonhos é que eram mais belos. Ah! Que saudades de mim!
- Uma
das saudades mais bonitas que moram em meu coração?
- Ah!
Como não me lembrar dos bailes do meu tempo?
Todos em SOL MAIOR !
Dias e
dias de doce espera: - “Com que roupa eu vou?”
A
cabeça maquinava – não era fácil a escolha entre os poucos vestidos de organdi,
de anarruga ou cassa... De veludo, de linho, de organza... A cada baile o
vestido bisado era único, porque o sonho era novo...
Duas
anáguas engomadas/grudadas, porque a goma era forte e até servia para eu colar
as Garotas do Alceu nos meus cadernos.
O pé de
laranjinha-capeta era o molde perfeito para a mocinha secar suas anáguas
românticas – ele nem cresceu direito. O SOL MAIOR secava/torrava as anáguas de
mil rendinhas e fitas, renda e preguinhas, refegos e babados.
E
quando a mocinha dançava, as anáguas dançavam junto, fazendo um barulhinho
gozado, parecendo um rato roendo,
roendo... Meu irmão caçula quase estragou um belo baile da mocinha, baile em SOL MAIOR , sonhado e
esperado com mil desvelos. Ao passar perto das anáguas secas e barulhentas,
candidamente, espalhou para o mundo:
- Ah!
Que cheirinho de biscoito-de-peta!
Ele
nunca entendeu a razão do meu choro e dos cochichos adultos. A Ana explicou:
- É
prucausa do porvio...
Cera de
assoalho era coisa chique demais para a Estrela. Mas um gênio de promoter antigo não decepcionava os
pares: à noite, rodopiávamos no piso brilhante de fubá e de velas raspadas!
E o tom
de todas as músicas era SOL MAIOR... Porque o sol nem dormia, tamanho era o
brilho dos bailes “encantados” no salão mágico da MARIA GEOGRAFIA. Dona de
ideias modernas e brilhantes, ela inaugurou – sem saber – o primeiro salão/clube
da pequena Estrela, que só dançava nas casas de família.
Ah! E o
Clube Velho das Dores? Haverá lugar mais encantado? Haverá saudade mais bonita?
A música antiga responde:
-Quizás,
quizás, quiza-a-ás (talvez, talvez, talvez).
O Fábio
Bernardes e o João Belezinha escolhendo os discos, envoltos em uma nuvem de
fumaça ou de mistérios ou de perfume. E os pares se formando sob a luz morna do
Funchal e... sob os olhos vivos das mães, das avós, das tias, das madrinhas e
vizinhas que vigiavam os amores. O alpendre do Tonho Lalau e Dona Alzira ficava
cheio de gente, e a casa dormia embalada pelas músicas dolentes/calientes.
Ah!
Clube Velho dos bailes de formatura e da valsa, Danúbio Azul – fiau-fiau! Não
era só o Danúbio que era azul, a vida era toda azul ou La vie em rose? Claro, a
vida era azul, a vida era rosa e o SOL era MAIOR... Sempre maior!
Tules e
rendas, tafetás e failles, tempo
santo! Cintura fina de pilão, perfume com nome de poemas: MADERAS DO ORIENTE, PROMESA,
talco Orly, pó de arroz Coty, ah! Saudade!
Correntinhas
dançavam com as moças e as joias eram de coco-e-ouro... Pérolas e rubis
espiavam o baile bem espetadinhos nas gravatas dos cavalheiros. O lenço era indispensável na toalete dos rapazes – era de bom tom proteger a mão
com um lenço: mão de moça era coisa pra se respeitar...Com mãos de fada, as namoradas contavam fios para o ponto- paris
dos lenços de cambraia do príncipe encantado. E o monograma era bordado em
ponto cheio – cada ponto um suspiro! Letras abraçadas, enlaçadas.
A roda
de moças de cá, a roda de moços de lá... Flertes e linhadas amarravam os pares.
O cavalheiro escolhia a moça, cumprimentava-a com uma reverência cerimoniosa:
- Quer
me dar a honra?
Coração
disparado, dois-pra-lá, dois-pra-cá, valsa, roda, vertigem, amor, laços,
laçadas, SOL MAIOR.
Palmas
dos cavalheiros, pedindo um bis...
A
música (re)cantava... em
SOL MAIOR.
Na
segunda-feira, dentro de um uniforme de normalista, os menores detalhes eram
lembrados pelas mocinhas:
- Nunca
mais danço com ele, aquele “pé de chumbo”!
- Ah!
Acho que fiquei apaixonada por aquele morenão de camisa azul...
-
Nossa! E aquele que dança “socando”!
- Pois
eu peguei um que só dança “liso”...
- Não
me esqueço do cheirinho de Quina Petróleo Sandar.
-
Menina, cê viu o moço de BH, que dança de olhos fechados, trombando em todo
mundo?
E a
gente não perdoava nada. Um era lindo, outro nem por isso, um dançava com a mão
da moça no peito, credo, que desuso... Outro dançava com o dedo mindinho
levantado, a maior antipatia... E as normalistas riam em SOL MAIOR.
Olhares
eram lembrados, promessas guardadas no coração, e nova espera para o próximo
baile...
Tempo
bento! Novos compassos de espera, sandálias brancas com maquiagem de alvaiade –
deixando o sinal de nossos passos ao luar... As anáguas novamente iam secar,
bem abertas, vestindo o pé de laranjinha-capeta, os godês eram alisados com o
ferro de brasa... (Eu ficava tontinha de soprar as brasas com pó de café por
cima.)
Espera...
Esper(ança). Bolero, dois-pra-lá, dois-pra-cá, Bésame Mucho, Solamente una Vez - dois-pra-lá, dois-pra-cá.
“Detenha as horas, relógio, faça com que não amanheça” (primeira música que
dancei com o BEM)... Tangos, Envidia, Madresilva... E a magia da Cerejeira em
Flor nascendo no Clube Velho... “Será que tu recordas como eu?”
Entre
risos e boleros, tangos e godês, valsas, tules e rendas, nasciam os amores
eternos.
Pois,
então. Nem tudo era melhor nem mais fácil. Tudo era demorado, tecido, urdido,
improvisado.
Meu
tempo não era mais bonito. Mais lindos eram meus sonhos. Embalados por valsas e boleros, tangos e serestas. Tudo em SOL MAIOR.
Ah! Que
saudades de mim!
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Dores do Indaiá, 12 de maio de 2009
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