A PRATELEIRA DA MAMÃE
Maria
Toda
casa em Estrela ostentava uma prateleira na cozinha.
Era um
orgulho para todos da casa e, se desse, ela era colocada de modo a ser vista
por todos que chegassem. As visitas a admiravam lá da porta da sala. As
mulheres esticavam o olhar através da cortina transparente que, discretamente,
separava os cômodos amplos e claros da casa grande...
Só mais
tarde aprendi que prateleira servia para se colocar pratos... Porque as de
Estrela serviam para as donas de casa criarem maravilhosas pirâmides de latas areadas.
A
prateleira da mamãe era divina e, lá da sala, o brilho das latas faiscava ao
sol claro da manhã.
De 15
em 15 dias era “dia de arear a prateleira...” E, a cada vez, as mulheres da
casa inventavam uma moda nova com as latinhas... Nas visitas, nos encontros
após as missas e novenas, um dos assuntos preferidos era a prateleira da
casa...
De
olhos fechados, posso enxergar cada latona, cada lata, cada latinha da nossa
bela prateleira.
Sábado,
dia de areação.
Madrinha
Maria era perita no ofício! Coava a areia numa peneira de arame. O refugo era
jogado fora e as galinhas corriam pensando que era comida...
A fama
da Madrinha Maria corria longe...
Cedo
ainda ela punha uma tachada de água para ferver. No caixão da cisterna, ela
colocava três gamelas: uma para ensaboar e arear. O sabão preto de pelota,
feito em casa, recendia no quintal fresco. A lata de areia fina – lata de
marmelada vazia – rebrilhava ao sol. Cada grãozinho da areia branca e lavada
era um pontinho de luz.
Na
segunda gamela, Madrinha Maria tirava o excesso de sabão e areia e, o último
banho das latas era na água fervente da terceira gamela. Esse banho era
rapidíssimo e cobria as latas de uma nevoa esbranquiçada que, num passe de
mágica se evaporava no ar. Aí sim, a vasilha estava pronta para ir para o sol,
tomar um último banho de luz.
A cerca
de bambu, tão singela, transformava-se em um caminho iluminado, onde latas, de
todos os tamanhos, coroavam os bambus escuros de tempo. Por um dia, eles eram
reis, coroados de luz, em uma fila sem rumo e sem estrada.
Com
mãos de fada, carregávamos as joias para o trono. O sol entrava junto e a
cozinha se iluminava. O brilho punha luz no olhar de cada um e nossos olhos
eram de estrelas.
A casa
toda ficava iluminada pela magia da prateleira da mamãe.
Ah! Se
toda casa de hoje ainda possuísse uma prateleira iluminada. Ah! A luz seria
tanta que o mundo todo veria a vida com olhos de estrela...
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