quinta-feira, 22 de maio de 2014


 

A PRATELEIRA DA MAMÃE
Maria

 

Toda casa em Estrela ostentava uma prateleira na cozinha.

Era um orgulho para todos da casa e, se desse, ela era colocada de modo a ser vista por todos que chegassem. As visitas a admiravam lá da porta da sala. As mulheres esticavam o olhar através da cortina transparente que, discretamente, separava os cômodos amplos e claros da casa grande...

Só mais tarde aprendi que prateleira servia para se colocar pratos... Porque as de Estrela serviam para as donas de casa criarem maravilhosas  pirâmides de latas areadas.

A prateleira da mamãe era divina e, lá da sala, o brilho das latas faiscava ao sol claro da manhã.

De 15 em 15 dias era “dia de arear a prateleira...” E, a cada vez, as mulheres da casa inventavam uma moda nova com as latinhas... Nas visitas, nos encontros após as missas e novenas, um dos assuntos preferidos era a prateleira da casa...

De olhos fechados, posso enxergar cada latona, cada lata, cada latinha da nossa bela prateleira.

Sábado, dia de areação.

Madrinha Maria era perita no ofício! Coava a areia numa peneira de arame. O refugo era jogado fora e as galinhas corriam pensando que era comida...

A fama da Madrinha Maria corria longe...

Cedo ainda ela punha uma tachada de água para ferver. No caixão da cisterna, ela colocava três gamelas: uma para ensaboar e arear. O sabão preto de pelota, feito em casa, recendia no quintal fresco. A lata de areia fina – lata de marmelada vazia – rebrilhava ao sol. Cada grãozinho da areia branca e lavada era um pontinho de luz.

Na segunda gamela, Madrinha Maria tirava o excesso de sabão e areia e, o último banho das latas era na água fervente da terceira gamela. Esse banho era rapidíssimo e cobria as latas de uma nevoa esbranquiçada que, num passe de mágica se evaporava no ar. Aí sim, a vasilha estava pronta para ir para o sol, tomar um último banho de luz.

A cerca de bambu, tão singela, transformava-se em um caminho iluminado, onde latas, de todos os tamanhos, coroavam os bambus escuros de tempo. Por um dia, eles eram reis, coroados de luz, em uma fila sem rumo e sem estrada.

Com mãos de fada, carregávamos as joias para o trono. O sol entrava junto e a cozinha se iluminava. O brilho punha luz no olhar de cada um e nossos olhos eram de estrelas.

A casa toda ficava iluminada pela magia da prateleira da mamãe.

Ah! Se toda casa de hoje ainda possuísse uma prateleira iluminada. Ah! A luz seria tanta que o mundo todo veria a vida com olhos de estrela...

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