A GARRAFINHA VERDE
Maria
Acabo
de lavar a garrafa grande de café. Agora, ela só vai sair do armário quando a
turma toda voltar.
Bem que
achei estranho comprar uma garrafinha para o café, depois de tantos anos de
casa cheia. Bem que achei esquisito fazer almoço nas panelas de guisadinho,
brincar de casinha -já setentona... Mas,
fazer o quê?
O BEM
falava, quando me via esperando a vinda dos primeiro filhos casados e dos
primeiros netos:
- Hoje
a Sá Maria do Cruz está atacada! A Edite do Totonho não toma jeito!
Todo
mundo ria. Ele se referia a duas parentas dele, famosas, pelo exagero e pela
paciência com as manhas dos netos...
É
mesmo, gosto de fazer a vontade de cada um, acho que não me custa muito... A
vida está passando tão depressa...
A cada
vez que a turma se reúne, noto que os netos estão maiores, que têm outros
interesses e noto mais fios brancos nos cabelos de meus filhos. Não falando da
mãe que, não fosse a pintura dos cabelos...
Então,
começo durante a semana: paçoca, para quase todos... Lombo amarrado, coxinha de
frango para uma neta niquenta...
Na hora
do almoço, a coisa ferve!
- Quero
é batata frita... de bolinha...
- Quero
é de palitinho!
Vou
ajeitando tudo, a Vani dá umas reclamadinhas – certa de que a avó não abre mão
das manhas dos netos – e, devagar, lá está a mesa da Sá Maria do Cruz e da
Edite do Totonho...
Os
olhos dos filhos se ameigam, quando veem a rapa dourada do arroz...
Outro
se enternece com a travessa de moelas:
- Hoje
é bom, tem moela pra todo mundo!
E os
casos da infância enchem a copa de saudades dos rostos queridos que já
estiveram conosco, em outros almoços de domingo...
Ainda
há a pizza, capricho de uma neta, a mesma das coxinhas de frango, a mesma que
vive de brisa... Mandioca frita, com rodelas de cebola, disputadas pelos
filhos, homens-meninos...
Tutu
Bebo, prato preferido de um genro, O Dirceu da Carla... Salada de legumes
para algum valente que vive de dieta...
Ah, a
sobremesa! Meu arroz-doce é famoso e é apreciado por quase todos. Os pequenos
preferem o bombom de bolacha, palha italiana... O pé de moleque, de rapadura,
some num segundo e – enquanto o farelo é disputado por todos, aos punhadinhos,
jogados na boca -- verdadeira infância – eu falo pra Rosana, uma das noras: - Este eu fiz pra você e pra minha
caçulinha. Elas riem como duas meninas mimadas...
Outra
filha passa tomando o resto de Coca-Cola no bico da garrafa, nem parecendo que
é mãe de dois moços... Eu falo pra ela:
-
Nossa, esse restinho era da Fernanda...
E minha
filha ri, fazendo covinha no rosto:
- Uai,
tava na geladeira... Esse, já era!
Faço
chicotinho pra ela, que sai requebrando, pirraçando a sobrinha da Coca...
Antes
que a noite chegue de todo, dou uma ajeitada na cozinha. As panelas grandes
voltam para os armários. Acabo de lavar a garrafa grande de café...
A noite
está tomando conta da cidade, do quintal, da casa e do meu coração. Ainda me
assusto com a solidão: os filhos que moram em outras cidades se foram todos. Os
que moram aqui acabam de sair, com mil recomendações:
-
Mamãe, já fechei o barracão...
- Vó, já
guardei as bicicletinhas dos meninos... (É o Rafael, meu neto, já responsável e
com o pensamento em outros mundos...)
- Mãe,
qualquer coisa, liga!
-
Mamãe, o celular está carregado?
- Já
fechei a garagem...
O filho
que mora aqui pertinho fecha a porta e grita:
- Mãe,
joguei a chave no sofá da sala!
Por um
momento, fico meio perdida, meio avoada, tentando entender a solidão. Dou uma
conferida nos fundos da casa. Faço tudo como o BEM sempre fazia... As panelonas
já estão no armário; as panelinhas de fazer guisadinho voltam para a ativa. O
gato – batizado de Lucas pelo meu neto Artur – sabe que, de novo, é o rei da
casa e do chamego da vó... Com passos fofos, me segue pela cozinha afora...
Agora,
vou esperar o telefone tocar, avisando que chegaram bem:
- Mãe,
chegamos! (Noto uma ponta de saudade na voz querida dos filhos e eu fico
tristinha de cá...)
O
telefone toca:
-
Mamãe, a Jéssica já chegou?
É uma
filha preocupada, querendo saber de minha companhia da noite...
Aproveito
e vou, de novo, à cozinha.
A garrafinha
verde está solitária na mesa e a dona de casa está solitária na casa.
Fico
pensando nos versos de Emílio Moura, nosso poeta: “Que fica de mim no tempo? Um
verso? Que gesto será lembrado?”
Antes
que eu pense no que ficará de mim no tempo, o telefone toca:
- Mãe,
chegamos!
Pego o
meu tricô e, em silêncio, vou relembrar a ternura do fim de semana.
O
telefone toca de novo:
-
Mamãe, chegamos!
O Lucas
já se aninhou no meu colo e eu começo a tecer o futuro, a esperança, a vida...
Meu
coração sabe que, de novo, é tempo de garrafinha verde...
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