sábado, 24 de maio de 2014



 

Galinhol
Maria

 

O Galinhol está lá no quintalão, cheio de sol, cheio de sombras das árvores grandes, com mil cacarejos e mil piu-pius...

Todos se entendem, naquela linguagem de bicos, cristas, asas e penas lustrosas.

Se há algum desentendimento maior, fazem uma ligeira conferência e a ordem volta a reinar no meio do pessoalzinho do quintal. Ninguém briga por espaços, por comida ou por motivinhos miúdos.

Ontem, apesar do azul de abril, o tempo endoidou: não deu tempo de acudir quase nada, antes que uma chuva pesada inundasse a rua e o quintal. Só não corri para os vizinhos, porque a rua virou um rio que desaguava na Fonte do Povo, minha eterna companheira de sol, de chuvas bravas, de capim verde e lustroso...

Então, fui dar uma espiadinha no Galinhol.

A lama tomou conta de tudo. D. Pata estava esticadinha no canto do muro, e de sua ninhada sobraram três patinhos.

Procurei pelas angolas... Só ficou uma, a mais enxerida, que sempre enfia o bico onde não é chamada. A angola voadeira lá se foi no rio da Fonte do Povo. Bem que eu vi, da minha janela embaçada, alguma coisa diferente rodando, rodando... Era o vestidinho de bolinhas da angola que gostava de capim fresco...

Agora, está assim: a D. Galinha Pintada adotou os três patinhos. A angola implicante também se tomou de amores pela ninhada e vive dando palpites na educação dos patinhos. Vai ver não é tão aborrecida quanto parece...

- Quem sabe, a angola voadeira era sua namorada e ela era um ″angolo″?

Bom, isso é opinião de minha neta, a mais entendida em namoros do pessoal que habita o Galinhol – nome arranjado por minha filha Carla, a mais espirituosa da turma...

- Vovó, acho que aquele patinho é mulher...

- Por quê?

- Olha lá, ela anda requebrando, requebrando...

Os comentários sobre a possível senhorita patinha eram os mais engraçados: ela é dengosa quando está nadando na bacia... Ela nem liga pros pitos que o tio ″angolo″ lhe passa o dia inteiro... Ela é curiosa, sai pra longe sozinha... Ela tem um quá-quá-quá mais delicado e é muito mais barulhenta...

- Tadinha, gente!

Em uma tarde de domingo, fomos encerrar o dia no Galinhol.

A patinha diferente corria, graciosa, lá num canto do quintal. Nada fazia a patinha – futura miss do quintal – vir para junto dos outros. Nem o Tio angolo conseguiu nada. Minha neta foi ajudar a pôr ordem na turminha.

- Vó, olha que gracinha!

Cá da escada da cozinha, eu não conseguia decifrar a causa da rebeldia da patinha...

- Sabe, vovó, ela achou uma borboletinha amarela e está correndo atrás...

Então, a borboletinha voou para longe e a minha neta conseguiu trazer a patinha para o viveiro...

- Não falei, vó? Aposto que ela é mulher...

Foi aí que a borboletinha reapareceu...

A patinha saiu do viveiro  Dava pequenos voos em busca da borboleta que volteava pelo quintal.

- Viu? Ela só pode ser patinha para ser tão boboca assim, né, vovó?

- Claro que ela nunca vai alcançar a borboleta, claro!

Então, meu coração reconheceu baixinho:

- Ela é uma PATINHA-POETA... Daquelas que se encantam com uma singela borboleta amarela... Daquelas que pensam que a borboletinha amarela é uma flor que voa...

Abraçada à minha neta, fomos acolher a noite que descia sobre nossa casa e sobre o Galinhol!

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