Galinhol
Maria
O Galinhol está lá no quintalão, cheio
de sol, cheio de sombras das árvores grandes, com mil cacarejos e mil
piu-pius...
Todos se entendem, naquela linguagem
de bicos, cristas, asas e penas lustrosas.
Se há algum desentendimento maior,
fazem uma ligeira conferência e a ordem volta a reinar no meio do pessoalzinho
do quintal. Ninguém briga por espaços, por comida ou por motivinhos miúdos.
Ontem, apesar do azul de abril, o
tempo endoidou: não deu tempo de acudir quase nada, antes que uma chuva pesada
inundasse a rua e o quintal. Só não corri para os vizinhos, porque a rua virou
um rio que desaguava na Fonte do Povo, minha eterna companheira de sol, de
chuvas bravas, de capim verde e lustroso...
Então, fui dar uma espiadinha no
Galinhol.
A lama tomou conta de tudo. D. Pata
estava esticadinha no canto do muro, e de sua ninhada sobraram três patinhos.
Procurei pelas angolas... Só ficou
uma, a mais enxerida, que sempre enfia o bico onde não é chamada. A angola
voadeira lá se foi no rio da Fonte do Povo. Bem que eu vi, da minha janela
embaçada, alguma coisa diferente rodando, rodando... Era o vestidinho de
bolinhas da angola que gostava de capim fresco...
Agora, está assim: a D. Galinha
Pintada adotou os três patinhos. A angola implicante também se tomou de amores
pela ninhada e vive dando palpites na educação dos patinhos. Vai ver não é tão
aborrecida quanto parece...
- Quem sabe, a angola voadeira era sua
namorada e ela era um ″angolo″?
Bom, isso é opinião de minha neta, a
mais entendida em namoros do pessoal que habita o Galinhol – nome arranjado por
minha filha Carla, a mais espirituosa da turma...
- Vovó, acho que aquele patinho é
mulher...
- Por quê?
- Olha lá, ela anda requebrando,
requebrando...
Os comentários sobre a possível
senhorita patinha eram os mais engraçados: ela é dengosa quando está nadando na
bacia... Ela nem liga pros pitos que o tio ″angolo″ lhe passa o dia inteiro...
Ela é curiosa, sai pra longe sozinha... Ela tem um quá-quá-quá mais delicado e
é muito mais barulhenta...
- Tadinha, gente!
Em uma tarde de domingo, fomos
encerrar o dia no Galinhol.
A patinha diferente corria, graciosa,
lá num canto do quintal. Nada fazia a patinha – futura miss do quintal – vir para
junto dos outros. Nem o Tio angolo conseguiu nada. Minha neta foi ajudar a pôr
ordem na turminha.
- Vó, olha que gracinha!
Cá da escada da cozinha, eu não
conseguia decifrar a causa da rebeldia da patinha...
- Sabe, vovó, ela achou uma
borboletinha amarela e está correndo atrás...
Então, a borboletinha voou para longe
e a minha neta conseguiu trazer a patinha para o viveiro...
- Não falei, vó? Aposto que ela é
mulher...
Foi aí que a borboletinha reapareceu...
A patinha saiu do viveiro Dava pequenos voos em busca da borboleta que
volteava pelo quintal.
- Viu? Ela só pode ser patinha para
ser tão boboca assim, né, vovó?
- Claro que ela nunca vai alcançar a
borboleta, claro!
Então, meu coração reconheceu
baixinho:
- Ela é uma PATINHA-POETA... Daquelas
que se encantam com uma singela borboleta amarela... Daquelas que pensam que a
borboletinha amarela é uma flor que voa...
Abraçada à minha neta, fomos acolher a
noite que descia sobre nossa casa e sobre o Galinhol!
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