quinta-feira, 6 de março de 2014


 
Para meu neto, Rafael, relembrando um de seus poéticos medos infantis.
 
 
 
 
 
 
O Primo Primeiro
 

 

 

            O Sabará era muito querido. Não pela meninada, é claro.

            Com o Rafael, meu neto mais “santinho”, ninguém precisou falar nada. Pequeno, ainda, deu de testa com o Sabará, fantasiado de anjo. Um anjo pós-moderno, de brincos, de chapéu espalhafatoso, canelas finas de fora da camisola curta. Mas, anjo. Foi a conta. O santinho do meu neto se encolheu todo. Entendeu que ali tinha coisa...

            Daí pra frente, o Sabará foi meu aliado. Quando o Rafael sobrava para mim, que Deus e os psicólogos me perdoem, o Sabará era sempre lembrado pela avó desprotegida de argumentos... Ah, eu acho que toda criança precisa de um Sabará na vida. Ou um Chico-Torto, ou um Chico- Preguento, ou uma Júlia–Pé–de– Moleque, ou um Rim–Tim–Tim–Beija–Fulô. Todos eles fizeram parte da minha infância. E cá estou eu. Vovó/menina/medrosa. Do miolo verde, com uma parte no canteiro, é verdade. Mas cheia de lembranças doces e ternas. Junto aos maios e circos, vestidos de babados e diademas, junto aos anjos e escola, lá estão eles, meus queridos medos infantis...

            O retrato do Sabará saiu no jornal. O Rafael ficou de queixo caído.

-          Vó, até o Sabará morre?

Foi uma descoberta grande que meu neto fez, aos 5 anos. Para ele, o Sabará era um herói de cinema, que não morre nunca, estava muito acima dos pobres mortais... Daí pra frente:

-          Rafael, fecha a porta pra vovó...

-          Precisa não, vó... O Sabará morreu!

E as cambalhotas, os saltos-mortais voltaram à toda, com força total. E atravessa  rua, e mistura  os ovos das galinhas, e sobe nas mesas, e pinta, e borda. Folga total!

Aí, resolvi que meu neto precisava de outro Sabará. Só o Anjo  da Guarda estava pouco. Que Deus me perdoe, de novo. E o Sabará também.

-          Sabe, Rafael, o Sabará tem um parente igualzinho a ele, meio lá, meio cá...

Os olhos lindos do meu neto brilharam. Vivo, espertíssimo, quis saber:

-          Parente, ou primo-primeiro?

Pela entonação, descobri que, para ele, PRIMO–PRIMEIRO era mais seguro, mais herói...

-          É, meu  bem... É um PRIMO – PRIMEIRO  do Sabará...

-          De brinco? De roupa de mulher? De batom? De? De? De?

Meu neto estava entregando os pontos... Faltava só mais uma cartada para tê-lo, de novo, nas mãos. Lembrei-me de minha filha, aflita:

-          Ah, mamãe, tenho tristeza de sair com o Rafael. Agora, ele embirra em todo monte de areia que vê. Nada o faz descer. Outro dia... E desfiou mil casos, coitada!

Fiquei com pena de minha filha. Que falta faz o Sabará, pensei.

Então, com muito jeitinho, contei pro Rafael:

-          Sabe o primo-primeiro do Sabará era pedreiro. Ficou doentinho e, agora, tadinho, embirra nos montes de areia na rua. Pensa que perigo, heim, Rafael?

Os olhos dele brilharam! Era demais para o meu neto. Então, me pegou de surpresa:

- Vó, como é o nome do primo primeiro do Sabará?

Fiquei apertada, com o Rafael ali, à minha frente, exigindo um nome para o seu novo herói...

            E, “havia que ser”, como diz minha mãe, “havia que ser” um nome à altura do mistério e fascínio do Sabará. “Santo Deus, arranja um nome pro PRIMO-PRIMEIRO  do Sabará, arranja logo”. E o Rafael, exigindo:

-          Vó, como é o nome dele?

Pronto! Zás! Falei sonoramente, com cara de vó que sabe tudo:

-          O nome dele é... ALELUIA... ALELUIA...

O nome deu certo. Meu neto piscou miúdo, o nome surtiu efeito.

-          A-a-le-luia, vó? Que nome esquisito! Ai, que medo do Aleluia!

Respirei aliviada.

Já tenho novo aliado contra as diabruras do meu neto. Ainda ontem, o testei:

-          Rafael, fecha a porta pra vovó...

-          É mesmo, vó, O SABARÁ morreu... Mas ainda tem o ALELUIA, né?

Meu coração riu sozinho. Daqui a muitos anos, o coração de meu neto vai olhar o retrato do SABARÁ, que um dia ele recortou do jornal e vai contar, com os belos olhos úmidos de saudade:

-          Quando eu era menino, eu morria de medo do SABARÁ. E do ALELUIA!...

Ah, SABARÁ, me perdoa, viu?

E, viva o ALELUIA!

Um comentário:

  1. Dona Branca, querida, que delícia essa crônica do primo primeiro...Tão bom ler o texto e, depois, ficar com o que ele deixa no coração da gente...Bjs

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