segunda-feira, 27 de janeiro de 2014


VAZIO

Maria.

Um quintal dá para minha casa.

Tudo tão comum, não fosse o varal.

Um varal tão comum, não fosse a roupa pendurada nele.

Uma roupa tão comum, não estivesse esquecida ali.

 

Uma rua se estende frente à minha casa.

Uma rua tão comum, não fosse o homem que andava por ela.

Um homem tão comum, não fosse seu ar de abandono.

 

Nada me causa tanta solidão como uma roupa vazia no varal.

Ela baila ao vento. Ela perde o viço ao sol. Ela se encharca de chuva.

De repente, um vento mais forte infla a roupa e eu penso que ela está  renascendo.

Roupa no varal me dá tristeza, me lembra desamparo...

Se me pedissem pra desenhar o VAZIO, eu desenharia uma peça de roupa no varal...

 

Nada me causa tanta solidão como ver uma pessoa vazia.

Mesmo estando atravessando uma rua debaixo de um céu azul.

A roupa está lá, pendurada ao vento, como pedindo alento.

O homem passa, tão vazio de vida, como se não tivesse alma.

 

Às vezes, alguém passa por ele, lhe dá um sorriso, ele quase fica alegre e eu penso que ele vai renascer...

Se me pedissem para desenhar o VAZIO, eu desenharia aquele homem triste atravessando a rua azul...

 

Ah, se eu pudesse, eu seria uma brisa dançante e levaria vida para aquela roupa esquecida no varal da casa vizinha.

A roupa ganharia forma, quem sabe ficaria até  até bonita, quem sabe, tem flores pintadas  na sua estampa decorada...

 

Ah, se eu pudesse,  eu seria uma palavra amiga, eu seria um sorriso, eu seria um anjo e levaria esperança para aquele homem vazio, farrapo de gente, corpo sem alma...

Tenho certeza, aquele homem vazio tem uma alma bonita, quem sabe, tem sonhos, tem esperança – tudo encoberto pela solidão, pelo desamparo...

 

Ah, se eu pudesse, eu iria descobrir os segredos daquela roupa vazia, esquecida ao sol, à chuva, cada vez mais enrolada, enxovalhada...

 

Tenho certeza, aquela roupa vazia esconde uma beleza – toda roupa  tem confidências bonitas a fazer. Eu a acolheria, eu a desamassaria, ela iria vestir alguém: quem sabe, iria a um baile e dançaria com sua dona. Quem sabe, iria a uma procissão e rezaria com sua dona. Quem sabe, carregaria um neném em seus braços e teria esperança...

 

Ah, quantas roupas murchas estão esquecidas no varal !

Ah, quanta gente vazia está perambulando pelas calçadas do mundo!

 

E eu aqui, em minha janela, assistindo a tudo isso, debaixo de um céu muito azul.

E o mundo aqui, assistindo a tudo isso, debaixo de um céu lindamente azul...

 

E  a roupa continua murcha e oca, acenando aos passantes...

E o homem continua triste, vazio, acenando aos passantes.

 

Ninguém tem tempo, ninguém para, ninguém busca a roupa no varal... Pensam que ela está velha demais, que ela já não serve para vestir ninguém...Melhor deixar que o tempo rasgue as flores de sua estampa, rompa os seus contornos, suas costuras...

 

Ninguém tem tempo, ninguém para, ninguém abraça o homem triste da rua azul. Pensando que ele está acabado demais, sem alma, talvez... Melhor deixar que o tempo o arraste para o grande vazio.

 

E, para que serve uma roupa seca no varal?

E, para que serve um corpo sem alma?

 

Só Deus, que é poeta, sabe a resposta...

Só Deus acolhe roupas esquecidas no varal.

Só Deus acolhe pessoas esquecidas nas calçadas.

 

Ele sabe amar as roupas secas e desbotadas,

Ele sabe amar os homens vazios e abandonados.

Ele sabe encontrar a alma do  mundo...

 

 

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Dores do Indaiá, 27 de janeiro de 2014.

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