VAZIO
Maria.
Um quintal dá para minha casa.
Tudo tão comum, não fosse o varal.
Um varal tão comum, não fosse a roupa
pendurada nele.
Uma roupa tão comum, não estivesse esquecida
ali.
Uma rua se estende frente à minha casa.
Uma rua tão comum, não fosse o homem que
andava por ela.
Um homem tão comum, não fosse seu ar de
abandono.
Nada me causa tanta solidão como uma roupa
vazia no varal.
Ela baila ao vento. Ela perde o viço ao sol.
Ela se encharca de chuva.
De repente, um vento mais forte infla a roupa
e eu penso que ela está renascendo.
Roupa no varal me dá tristeza, me lembra
desamparo...
Se me pedissem pra desenhar o VAZIO, eu
desenharia uma peça de roupa no varal...
Nada me causa tanta solidão como ver uma
pessoa vazia.
Mesmo estando atravessando uma rua debaixo
de um céu azul.
A roupa está lá, pendurada ao vento, como
pedindo alento.
O homem passa, tão vazio de vida, como se
não tivesse alma.
Às vezes, alguém passa por ele, lhe dá um
sorriso, ele quase fica alegre e eu penso que ele vai renascer...
Se me pedissem para desenhar o VAZIO, eu
desenharia aquele homem triste atravessando a rua azul...
Ah, se eu pudesse, eu seria uma brisa
dançante e levaria vida para aquela roupa esquecida no varal da casa vizinha.
A roupa ganharia forma, quem sabe ficaria até
até bonita, quem sabe, tem flores
pintadas na sua estampa decorada...
Ah, se eu pudesse, eu seria uma palavra amiga, eu seria um
sorriso, eu seria um anjo e levaria esperança para aquele homem vazio, farrapo
de gente, corpo sem alma...
Tenho certeza, aquele homem vazio tem uma
alma bonita, quem sabe, tem sonhos, tem esperança – tudo encoberto pela
solidão, pelo desamparo...
Ah, se eu pudesse, eu iria descobrir os
segredos daquela roupa vazia, esquecida ao sol, à chuva, cada vez mais
enrolada, enxovalhada...
Tenho certeza, aquela roupa vazia esconde
uma beleza – toda roupa tem confidências
bonitas a fazer. Eu a acolheria, eu a desamassaria, ela iria vestir alguém:
quem sabe, iria a um baile e dançaria com sua dona. Quem sabe, iria a uma
procissão e rezaria com sua dona. Quem sabe, carregaria um neném em seus braços
e teria esperança...
Ah, quantas roupas murchas estão esquecidas
no varal !
Ah, quanta gente vazia está perambulando
pelas calçadas do mundo!
E eu aqui, em minha janela, assistindo a tudo
isso, debaixo de um céu muito azul.
E o mundo aqui, assistindo a tudo isso, debaixo
de um céu lindamente azul...
E a
roupa continua murcha e oca, acenando aos passantes...
E o homem continua triste, vazio, acenando
aos passantes.
Ninguém tem tempo, ninguém para, ninguém
busca a roupa no varal... Pensam que ela está velha demais, que ela já não
serve para vestir ninguém...Melhor deixar que o tempo rasgue as flores de sua
estampa, rompa os seus contornos, suas costuras...
Ninguém tem tempo, ninguém para, ninguém
abraça o homem triste da rua azul. Pensando que ele está acabado demais, sem
alma, talvez... Melhor deixar que o tempo o arraste para o grande vazio.
E, para que serve uma roupa seca no varal?
E, para que serve um corpo sem alma?
Só Deus, que é poeta, sabe a resposta...
Só Deus acolhe roupas esquecidas no varal.
Só Deus acolhe pessoas esquecidas nas
calçadas.
Ele sabe amar as roupas secas e desbotadas,
Ele sabe amar os homens vazios e
abandonados.
Ele sabe encontrar a alma do mundo...
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Dores do Indaiá, 27 de janeiro de 2014.
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