sexta-feira, 31 de janeiro de 2014


CANTORA ANTIGA

MARIA

(Para a Aida, de Petrópolis , que tinha vontade de reler a crônica.)

Obrigada, Aida! Espero que os outros leitores  também  a apreciem, como você)

 

        Todo mundo, em lugar pequeno, fica destacado e conhecido por alguma coisa diferente que faz. Meu pai, por exemplo, era conhecido por saber outras línguas e, principalmente, por usar um terno avançadíssimo pra a época e que ficou chamado de TERNO COR-DE-ROSA... O terno era lindo, de panamá e, pra falar a verdade, ainda hoje não sei definir a sua cor: assim, assim, entre o creme e o pêssego....

        Se encontro alguém do tempo dele, as duas observações vêm juntas, como gêmeas:

        _ Seu pai era um crânio! O professor de francês falava, falava, falava a aula inteira... Ninguém entendia nada... Aí, o Zurinho  (seu nome era Osório )levantava, repetia tudo e explicava o que era...

        Cresci orgulhosa daquele pai que se sobressaía numa escola avançada e moderna para a época:escola para  adultos, isso lá no início da década de 20, onde havia alunos vindos de outros Colégios.Meu pai, que era autodidata- e cresceu na  roça-  se destacava tanto!

                Então, quando me encontro com alguém conhecido, eles se lembram da fama de inteligência do meu pai e, a outra pergunta vem logo:

        _ Seu pai era aquele que tinha um terno COR-DE-ROSA?

        Tento definir a tal cor que, de certa forma, sempre me incomodou um pouco...Pensando bem, meu pai não seria  tão ousado, nem seria capaz de usar um terno COR-DE-ROSA... Nem com toda elegância e charme – características do Sô Zurinho – a época não comportava um senhor vestido daquela maneira. Mas, não teve jeito – o terno ficou sendo COR-DE-ROSA  mesmo...

        Lá em casa era assim: minha irmã erd a BONITA, meu irmão mais velho era o INTELIGENTE, porque, aos quatro anos, sabia  de cor,todos os Estados e Capitais do mundo... Eu era a MIMOSA, o que pode ser traduzido por feinha e, talvez, simpática...dos outros irmãos menores, um era o LEVADO, outro era O QUE CHIAVA , outro era o MIUDINHO  e,  o último, era o dos OLHOS BONITOS... Mamãe, por ser muito retraída, era a SISTEMÁTICA.

        Com o passar do tempo, cada um angariou novos títulos na pequena Estrela do Indaiá.

         E eu, depois de “virar professora na Capital do Estado”, título respeitadíssimo para a época, fui promovida de MIMOSA para CANTORA DE FADOS... Claro, como meu pai,  eu era  avançadíssima para o lugar! E, como estava na moda, incluí em meu repertório de cantora das festinhas, os mais belos fados de Portugal, pois, pois...

        Então, esqueceram o MINOSA – o que, também, de certa forma, me incomodava um pouco...

        Então,vem sempre a pergunta quando a gente se encontra:

        _ Branca, você ainda canta LISBOA ANTIGA?

        Fico meio sem jeito - (meu Deus, não é à toa que falam que sou a cara do pai)..

        Outro dia o telefone tocou:

        _Branca, sonhei com você a noite toda...

        _ Ah, Creusa, que saudade!

        _Olha, sonhei que você estava cantando LISBOA  ANTIGA, a maior beleza, em cima de um barril!

        _ Onde? Em cima de um barril?!...

        E eu, de cá, pensando no tempão que já passou, nos netos que já tenho, no regime que começo toda segunda-feira... E eu, de cá, pensando nas fitas grisalhas que nem sei quem colocou nos meus cabelos, nas pintas antipáticas que marcam minhas mãos, nos óculos que detesto - e que tenho de carregar, bem no meu nariz... E eu, de cá, pensando, pensando, pensando em...em...

  (Ah, Deixa pra lá...)

  Corajosa, com voz alegre e segura, respondi à querida amiga:

  _    Olha Creusa, ainda canto LISBOA ANTIGA  do mesmo jeito...         Agora, subir em um barril, não garanto mais...

        E rindo, com o coração ditando os versos antigos para mim, cantarolei a velha canção a amiga de Estrela, como nos velhos tempos...

        Nos velhos e queridos tempos...

 

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Dores do Indaiá, 6 de maio de 1979.

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