FOGO APAGADO
MARIA
Naquele tempo, todos os homens andavam
de terno de brim-cáqui, uma cor-sem-cor, sem-pó, e sem graça. Os homens daquele tempo eram melancolicamente
iguais. Em Dores do Indaiá, inclusive.
Pra
completar o figurino, todos usavam bigodes e chapéu- também cor-de-cuia_-um desastre em termos de elegância...
Também,
naquele tempo-do-onça - somente aos domingo- era permitido deixar o fogo da
fornalha apagado. Apagado, apaga-a-a-a-do, não! Ficavam as cinzas cobrindo as
brasas _ o famoso borralho _ guardando
as fagulhas para um novo fogo.
Nos
dias de semana, o fogo crepitava o dia
todo, acompanhando o trabalho sem trégua. Eram mil cafés, eram mil bocas, eram
mil almoços, mil quitandas, mil
jantares, mil ceias. O fogo dormia tardão da noite e mal cochilava no borralho.
Madrugada ainda, as brasas eram assopradas e tudo recomeçava.
Aos
domingos, depois do almoço farto, o
trabalho ficava debaixo do borralho, o ânimo se transformava em brasas
dorminhocas, debaixo do tépido cobertor de cinzas.
As
domésticas moravam no serviço, como era o costume da época. Mas, aos domingos,
tinham uma pequena folga, uma breve pausa de descanso, passeavam, visitavam os
parentes e voltavam para fazer o jantar. Claro, aos domingos jantava-se, e bem!
Tempo santo!
Pois,
foi num domingo morno, hora do borralho, que o compadre chegou àquela casa.
Tudo em silêncio, dormitando.
O
dono da casa chamou a mulher e, foi com os
olhos borralhando, que receberam o compadre _ de mala e cuia, como
bispou a mulher.
Mala
guardada, cavalo solto no pastinho, lá se foi a comadre para a cozinha. Ela
estava tão apagada quanto aquele fogo da fornalha...
Assoprou
as brasas, avivou o fogo com uns gravetinhos e começou a preparar o
“café-do-meio-dia”. Esse nome queria
dizer, quitandas, leite adoçado, café, chás, queijos, biscoito frito na hora...
Ah, e o pão de queijo que era servido ainda quentinho...
Barriga
cheia, toca a conversar. Causos e mais causos, risadas sonolentas e antigas,
como todos os causos mineiros.
Pausa
na prosa, Um sono gostoso tomando conta da comadre que sentia as pernas bambas
e os braços com-pri-i-i-i-dos, parecendo que ia ter uma morredeira.
Para
espantar o sono, a comadre vai prosear com o marido.
Chega
ä janela que dá para um pequeno jardim e puxa o ar perfumado, chamando forças
para o domingo. (Esquentar a água para o banho do compadre, arear a enorme
bacia de cobre, ajeitar toalhas, ai, que peleja!)
O
cheirinho do jardim perfumou o ar, deu-lhe novo alento, foi um refresco na
tarde de fogo...
A
comadre encostou-se bem perto do marido, achegou-se bem e cochichou para ele, num
desabafo:
_Será
quantos dias esse aborrecido vai ficar? Viu a mala dele?!
Horrorizada,
ela ouviu a voz do compadre explicando:
_Desculpa,
comadre... Não vou delatar muito...
Mais horrorizada ainda, viu que o homem da janela não
era o o seu marido!!!!!!!!,
É
que, ele também... usava terno de brim-cáqui...E chapéu cor- de-cuia...
Tiveram
que esfregar alho e álcool nos pulsos da comadre, que teve um desmaio e
ficou três dias de cama.
_E
o compadre firme, com a malinha!
Ingenuamente, ainda falava:
_Coitada
da comadre, ficou tão satisfeita com a minha visita que até sofreu um sucesso...
_Imagina
se a patroa tivesse vindo também...
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`Dores do Indaiá, 7 de fevereiro de 2007.
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