sexta-feira, 17 de janeiro de 2014


UM CERTO LACINHO AZUL

                                       Maria

(Para o Ricardo, meu BEM, quando completamos 35 anos de namoro, iniciado naquele mês de maio de 1952. Só em 6 de julho de 1953,  tornou-se namoro de verdade..., com o primeiro encontro, no alpendre da casa de minha Tia Helena e Tio Chiquinho. Naquele tempo, era assim...)

 

 

        Olho os retratos antigos de Dores do Indaiá. Meu olhar esmiúça detalhes escondidos nas tão queridas lembranças – meu olhar fica em branco e preto.

        Estou escolhendo fotos da Praça da Matriz para o jornal – estou abençoada pelo momento terno e mágico.

        Ao lado do BEM, nosso coração percorre as ruas de uma cidade de brinquedo que um fotógrafo antigo clicou/poetou para o baú de nossa ternura.

        Vejo a praça de quando eu era menina e morava em Estrela do Indaiá.

        E ela já me encantava com seu chão de pedregulhos que me ralavam os joelhos brancos e levados. Ela já me encantava com seu coreto poético que meu olhar infantil tornava mais pomposo e maior do que realmente era. E umas árvores singelas, plantadas sem aparato algum, aqui e ali. Que mãos as teriam plantado? Em que dia e em que momento mágico? Pois meu coração-menino decidiu tecer seus sonhos justamente, naqueles galhos, naquelas sombras, embalado pelas retretas que o coretinho tocava -e que eu achava que era só pra mim.

        Meu coração dança leve no peito, quando ele encontra, na velha foto, alguns telhados antigos daquele tempo.

        Depois, procurei o meu coreto, o meu chão empoeirado e as árvores singelas. Nada mais estava lá. Como a Itabira de Drummond, a minha praça virou saudade, virou foto amarelada, virou poesia.

        Pegamos outra foto para o  jornal. (Engraçado, estamos, o BEM e eu, virando museu,  virando história de Dores, com nossos recortes, nossas fotos e a eterna mania de remexer no passado).

        Na outra foto, a mesma Praça da Matriz, com traçado novo, canteiros modernos e outras árvores no lugar das antiguinhas. Dessa vez,  a técnica marcou tudo: lugar pra sonhar, lugar das borboletas, lugar de namorar(debaixo do caramanchão de buganvílias), lugar dos passarinhos, lugar das crianças brincarem. Não se esqueceram de nada. Tratei de guardar a praça antiga no meu coração e passei meus amores para a nova praça. Vi seu traçado surgir, vi as árvores crescendo,  as flores colorindo os canteiros. Vi os passarinhos e as borboletas chegando. E de cá, dos bancos, (ah, era nos bancos que a gente sonhava...) eu  alongava o olhar e via, do lado de lá, outro pedaço antigo e amado: o Grupo Escolar “Dr. Zacarias”, com suas escadas de mármore, seu telhado acolhedor e sua fachada discreta. Depois, a casa do doutor Soares, com seu alpendre de gradil trabalhado e ladrilhos alegres. A casa do Sô Márcio Lacerda, com a sempre jovem dona Altina e sonhadora Lígia, a eterna Miss Dorense. Fechando a esquina, a Escola Técnica de Comércio “São Luís”.

        Descuidei-me um pouco... E, aí, sumiram com um pedaço da minha praça, exatamente aquele em que se armavam as barraquinhas do mês de maio. Tá certo, é o progresso. Meu coração sabe. Ou não sabe?

    Ah, mas eu ia contando... Afinal, ninguém ia deixar de construir o prédio do Banco do Brasil, simplesmente porque  em 1953, no mês de maio, uma certa mocinha/estudante de Estrela do Indaiá, (re)descobriu o moço bonito que me sorria todos os dias, num ritual mágico e elegante. Ou ia?

        _Você aceita um lacinho azul?

        Com as mãos de  (e)namorada , espetei o lacinho azul na lapela do moço bonito.

        No jogo do ritual, ele acariciou o lacinho azul e flechou:

        _Aceito o laço e pago a prenda. Mas... fico com a vendedora....A mocinha pegou o dinheiro e voou como borboleta. Mas a laçada ficou feita.

        Depois, a fonte luminosa - na minha praça- encantando o povo simples e as crianças. E guardei mais uma foto. E mais uma saudade.

        Agora, a minha praça antiga está nova outra vez.

        A qualquer horinha, vou lá. Ver-lhe os detalhes, conhecer-lhe os cantinhos, dar bom-dia às novas borboletas e às novas flores, conhecer os novos  passarinhos.   

        Vou sentir saudades do velho caramanchão de buganvílias que coroava de flores os sonhos dos namorados.

         Mas, vou aprender a amá-la.

        Vou me acostumar com seu novo rosto e apresentar-me a ela.

        _Olha, eu  também mudei muito. Pode até não parecer, mas eu sou aquela menina, aquela mocinha, aquela jovem mãe, sabe qual?

        E, se a velha praça demorar a lembrar-se de mim, não faz mal. Afinal, se o rosto dela mudou, o meu  também mudou muito. Ela já não é a doce menina de pés no chão, nem a mocinha brejeira que suspirava debaixo das lianas de madressilvas. Seu coração, porém, deve ser o mesmo, aquele  que dormitava à notinha com os  sons de retretas no coreto.

        A qualquer dia, irei vê-la. De pertinho. De mãos dadas com o BEM. Quem sabe, num cantinho qualquer, vou encontrar um certo lacinho azul que prendi na lapela de um moço bonito, o qual (en)lacei pra sempre...

        Que junto a mim, agora  se debruça sobre fotos antigas de uma certa praça que, vaidosa, retoca sempre sua maquiagem. Mas que, nem por isso, deixa de abrigar saudades e fabricar sonhos. Porque, como a poesia, os sonhos ressurgem: no bailado das borboletas, no canto dos passarinhos e, quem sabe, nos enleios de um certo lacinho azul.

 

        Dores do Indaiá, 6 de julho de 1988.
De novo, com minhas desculpas por errinhos... dessa vez, errei menos. Estou melhorando na digitação - chego lá! Esta, está correta...
Maria/Branca.

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