UM CERTO LACINHO AZUL
Maria
(Para
o Ricardo, meu BEM, quando completamos 35 anos de namoro, iniciado naquele mês de maio de 1952. Só em 6 de julho de 1953, tornou-se namoro de verdade..., com o primeiro
encontro, no alpendre da casa de minha Tia Helena e Tio Chiquinho. Naquele tempo,
era assim...)
Olho
os retratos antigos de Dores do Indaiá. Meu olhar esmiúça detalhes escondidos
nas tão queridas lembranças – meu olhar fica em branco e preto.
Estou
escolhendo fotos da Praça da Matriz para o jornal – estou abençoada pelo
momento terno e mágico.
Ao
lado do BEM, nosso coração percorre as ruas de uma cidade de brinquedo que um
fotógrafo antigo clicou/poetou para o baú
de nossa ternura.
Vejo a praça de quando eu era menina e
morava em Estrela do Indaiá.
E
ela já me encantava com seu chão de pedregulhos que me ralavam os joelhos
brancos e levados. Ela já me encantava com seu coreto poético que meu olhar
infantil tornava mais pomposo e maior do que realmente era. E umas árvores
singelas, plantadas sem aparato algum, aqui e ali. Que mãos as teriam plantado?
Em que dia e em que momento mágico? Pois meu coração-menino decidiu tecer seus
sonhos justamente, naqueles galhos, naquelas sombras, embalado pelas retretas
que o coretinho tocava -e que eu achava que era só pra mim.
Meu
coração dança leve no peito, quando ele encontra, na velha foto, alguns telhados
antigos daquele tempo.
Depois,
procurei o meu coreto, o meu chão empoeirado e as árvores singelas. Nada mais
estava lá. Como a Itabira de Drummond, a minha praça virou saudade, virou foto amarelada,
virou poesia.
Pegamos
outra foto para o jornal. (Engraçado,
estamos, o BEM e eu, virando museu, virando história de Dores, com nossos
recortes, nossas fotos e a eterna mania de remexer no passado).
Na
outra foto, a mesma Praça da Matriz, com traçado novo, canteiros modernos e outras
árvores no lugar das antiguinhas. Dessa vez,
a técnica marcou tudo: lugar pra sonhar, lugar das borboletas, lugar de
namorar(debaixo do caramanchão de buganvílias), lugar dos passarinhos, lugar
das crianças brincarem. Não se esqueceram de nada. Tratei de guardar a praça
antiga no meu coração e passei meus amores para a nova praça. Vi seu traçado surgir,
vi as árvores crescendo, as flores
colorindo os canteiros. Vi os passarinhos e as borboletas chegando. E de cá,
dos bancos, (ah, era nos bancos que a gente sonhava...) eu alongava o olhar e via, do lado de lá, outro
pedaço antigo e amado: o Grupo Escolar “Dr. Zacarias”, com suas escadas de
mármore, seu telhado acolhedor e sua fachada discreta. Depois, a casa do doutor
Soares, com seu alpendre de gradil trabalhado e ladrilhos alegres. A casa do Sô
Márcio Lacerda, com a sempre jovem dona Altina e sonhadora Lígia, a eterna Miss
Dorense. Fechando a esquina, a Escola Técnica de Comércio “São Luís”.
Descuidei-me
um pouco... E, aí, sumiram com um pedaço da minha praça, exatamente aquele em
que se armavam as barraquinhas do mês de maio. Tá certo, é o progresso. Meu
coração sabe. Ou não sabe?
Ah, mas eu ia contando... Afinal, ninguém ia
deixar de construir o prédio do Banco do Brasil, simplesmente porque em 1953, no mês de maio, uma certa
mocinha/estudante de Estrela do Indaiá, (re)descobriu o moço bonito que me
sorria todos os dias, num ritual mágico e elegante. Ou ia?
_Você
aceita um lacinho azul?
Com
as mãos de (e)namorada , espetei o
lacinho azul na lapela do moço bonito.
No
jogo do ritual, ele acariciou o lacinho azul e flechou:
_Aceito
o laço e pago a prenda. Mas... fico com a vendedora....A mocinha pegou o
dinheiro e voou como borboleta. Mas a laçada ficou feita.
Depois,
a fonte luminosa - na minha praça- encantando o povo simples e as crianças. E
guardei mais uma foto. E mais uma saudade.
Agora,
a minha praça antiga está nova outra vez.
A
qualquer horinha, vou lá. Ver-lhe os detalhes, conhecer-lhe os cantinhos, dar
bom-dia às novas borboletas e às novas flores, conhecer os novos passarinhos.
Vou
sentir saudades do velho caramanchão de buganvílias que coroava de flores os
sonhos dos namorados.
Mas, vou aprender a amá-la.
Vou
me acostumar com seu novo rosto e apresentar-me a ela.
_Olha,
eu também mudei muito. Pode até não
parecer, mas eu sou aquela menina, aquela mocinha, aquela jovem mãe, sabe qual?
E,
se a velha praça demorar a lembrar-se de mim, não faz mal. Afinal, se o rosto
dela mudou, o meu também mudou muito.
Ela já não é a doce menina de pés no chão, nem a mocinha brejeira que suspirava
debaixo das lianas de madressilvas. Seu coração, porém, deve ser o mesmo,
aquele que dormitava à notinha com
os sons de retretas no coreto.
A
qualquer dia, irei vê-la. De pertinho. De mãos dadas com o BEM. Quem sabe, num
cantinho qualquer, vou encontrar um certo lacinho azul que prendi na lapela de
um moço bonito, o qual (en)lacei pra sempre...
Que
junto a mim, agora se debruça sobre
fotos antigas de uma certa praça que, vaidosa, retoca sempre sua maquiagem. Mas
que, nem por isso, deixa de abrigar saudades e fabricar sonhos. Porque, como a poesia, os sonhos ressurgem: no bailado
das borboletas, no canto dos passarinhos e, quem sabe, nos enleios de um certo lacinho azul.
Dores do Indaiá, 6 de julho de 1988.
De novo, com minhas desculpas por errinhos... dessa vez, errei menos. Estou melhorando na digitação - chego lá! Esta, está correta...Maria/Branca.
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