BALÉ AO LUAR
Maria
Não
posso definir a data de quando assisti ao primeiro jogo de vôlei – só sei que
nunca pude esquecê-lo. Até hoje, em minha memória, não consigo separá-lo da
primeira imagem que tenho de outro momento muito bonito: a primeira vez em que
vi a figura de uma dança de balé. E, também, nunca pude esquecer o encantamento
que a figura me trouxe – o cheiro bom da revista, a beleza das bailarinas que,
até então, para mim, eram fadas, anjos, sílfides – não sei direito o que são
sílfides, mas acho que são seres muito belos porque, sempre que falo em deusas,
sílfides vêm junto...
Então,
quando fui ver o jogo de vôlei, incorporei as jogadoras em minhas impressões
infantis: vôlei também era balé...
E
cresci com essa poética confusão, culpa de meu cenário de infância, já que
cresci em um lugar que tem nome de astro – Estrela do Indaiá... Esse nome serve
de explicação para muitos de meus devaneios, porque, de verdade, nunca soube
direito se vivi em um arraialzinho com casas, igreja, escola, ou se vivi foi numa
estrela de verdade, com nuvens, brilhos, anjos e passarinhos... Tanto faz como
tanto fez.
Só sei
que, de repente, as moças da revista estavam ali, vestidos leves, anáguas
rendadas, saias godês que também sabiam dançar. Elas brincavam com uma bola
branca, sorriam; um moço soprava um instrumento que eu não conhecia – o apito –
e as bailarinas obedeciam àquele sinal. Moviam-se de um lado para outro, davam
leves toques na bola branca que dançava de mão em mão, que subia, que descia,
que passava por cima de uma rede mágica e dançava e dançava e, às vezes, rolava
pelo chão – de terra batida – até que uma fada a pegasse com movimentos
graciosos e etéreos. Então, o godê da saia dançava também e as rendas das
anáguas apareciam, espumantes e delicadas. E eu não sabia se elas buscavam era
a bola ou a lua branca da Estrela...
As
bailarinas/jogadoras tinham nomes que me pareciam poemas: Adélia, Aurora,
Ofélia, Helena, Zenaide, Luísa, Maria da Luz, Zizinha, Elfra, Nenê, Ilza, Luci, Zazá, Peti, Zuca, Ecilme,
Lucy...
Jogavam
de sapatinho de salto, anéis nos dedos mimosos e cabelos ao vento...
Completando
o cenário, o jogo era realizado à noite, em lugar cercado de poética cerca de
bambu que, de tão novinha, espalhava perfume de mato entre nós. O traçado do
campo era feito com cal virgem que, de tão branco, rebrilhava à luz da lua que
espiava o jogo por entre nuvens e estrelas...
A
energia elétrica de Estrela era muito frágil e as lâmpadas apenas cochilavam
nos postes de madeira; mais pareciam vagalumes gigantes parados aqui e ali no
espaço escuro. Ah! Mas o campo de vôlei era iluminado por holofotes – palavra
que me encantava, tal o brilho que carregava... E, até hoje, não vislumbro o
porquê da importância que o vôlei tinha para o pequeno lugarejo, tão carente de
tudo, menos de poesia...
O ritual
era o mesmo:
Uma voz anunciava para os ouvidos da menina:
As férias chegaram! Os estudantes estavam na terrinha!
Estrela
se transformava pelo poder daquela fala – uma aura de coisa mágica corria pelas
casas e todo mundo ficava feliz, porque as férias chegaram... A menina sempre
ficava vigiando para ver se Férias
era uma pessoa importante, que rosto ela tinha, por que seu nome era tão
poderoso e tinha o sortilégio de transformar a monotonia de um lugarejo que, de
tão lindo, se chamava Estrela...
O ritual
continuava seu caminho mágico, quando o Zico ou o Valtinho anunciava no vaivém
que ia ter vôlei naquela noite. O
apito era o sinal! Janelas se abriam, gente saía das casas, as moças iam direto
dos flertes do vaivém para o campo de vôlei... De saias rodadas, anáguas e
sapatinho de salto...
A
plateia se acomodava em bancos de madeira, fincados no chão, debaixo de
gameleiras e paineiras que filtravam a luz da lua, formando desenhos e
arabescos sobre a alegria da torcida... O homem mais importante do jogo – o
juiz – tinha um lugar lá no alto para ficar comandando tudo com seu assobio.
Nunca pude esquecer o nome dele – Zé Ema – respeitado pela menina, quase como o
soldado, o doutor ou o padre. Quando eu o encontrava, durante o dia, em
andanças e descobertas, limpava a garganta, ameigava a vozinha e sorria para
ele, como se sorrisse para um deus, cumprimentando-o pelo nome, como gente
grande:
- Oi,
Zé Ema!!!
Era o
bastante para eu ser feliz o dia todo!
Por
tudo isso, ainda sou encantada por vôlei e balé...
E, até
hoje, não sei se cresci foi num lugarzinho, com casas, igreja e escola, ou se
cresci foi numa estrela de verdade, com nuvens, lua e estrelas. Até hoje tenho
dúvida...
Meu
coração sabe que tanto faz, como tanto fez...
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Dores do Indaiá, 30 de
maio de 1999
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