domingo, 26 de janeiro de 2014


 
BALÉ AO LUAR
 
Maria

 

Não posso definir a data de quando assisti ao primeiro jogo de vôlei – só sei que nunca pude esquecê-lo. Até hoje, em minha memória, não consigo separá-lo da primeira imagem que tenho de outro momento muito bonito: a primeira vez em que vi a figura de uma dança de balé. E, também, nunca pude esquecer o encantamento que a figura me trouxe – o cheiro bom da revista, a beleza das bailarinas que, até então, para mim, eram fadas, anjos, sílfides – não sei direito o que são sílfides, mas acho que são seres muito belos porque, sempre que falo em deusas, sílfides vêm junto...

Então, quando fui ver o jogo de vôlei, incorporei as jogadoras em minhas impressões infantis: vôlei também era balé...

E cresci com essa poética confusão, culpa de meu cenário de infância, já que cresci em um lugar que tem nome de astro – Estrela do Indaiá... Esse nome serve de explicação para muitos de meus devaneios, porque, de verdade, nunca soube direito se vivi em um arraialzinho com casas, igreja, escola, ou se vivi foi numa estrela de verdade, com nuvens, brilhos, anjos e passarinhos... Tanto faz como tanto fez.

Só sei que, de repente, as moças da revista estavam ali, vestidos leves, anáguas rendadas, saias godês que também sabiam dançar. Elas brincavam com uma bola branca, sorriam; um moço soprava um instrumento que eu não conhecia – o apito – e as bailarinas obedeciam àquele sinal. Moviam-se de um lado para outro, davam leves toques na bola branca que dançava de mão em mão, que subia, que descia, que passava por cima de uma rede mágica e dançava e dançava e, às vezes, rolava pelo chão – de terra batida – até que uma fada a pegasse com movimentos graciosos e etéreos. Então, o godê da saia dançava também e as rendas das anáguas apareciam, espumantes e delicadas. E eu não sabia se elas buscavam era a bola ou a lua branca da Estrela...

As bailarinas/jogadoras tinham nomes que me pareciam poemas: Adélia, Aurora, Ofélia, Helena, Zenaide, Luísa, Maria da Luz, Zizinha, Elfra, Nenê, Ilza, Luci, Zazá, Peti, Zuca, Ecilme, Lucy...

Jogavam de sapatinho de salto, anéis nos dedos mimosos e cabelos ao vento...

Completando o cenário, o jogo era realizado à noite, em lugar cercado de poética cerca de bambu que, de tão novinha, espalhava perfume de mato entre nós. O traçado do campo era feito com cal virgem que, de tão branco, rebrilhava à luz da lua que espiava o jogo por entre nuvens e estrelas...

A energia elétrica de Estrela era muito frágil e as lâmpadas apenas cochilavam nos postes de madeira; mais pareciam vagalumes gigantes parados aqui e ali no espaço escuro. Ah! Mas o campo de vôlei era iluminado por holofotes – palavra que me encantava, tal o brilho que carregava... E, até hoje, não vislumbro o porquê da importância que o vôlei tinha para o pequeno lugarejo, tão carente de tudo, menos de poesia...

O ritual era o mesmo:

 Uma voz anunciava para os ouvidos da menina: As férias chegaram! Os estudantes estavam na terrinha!

Estrela se transformava pelo poder daquela fala – uma aura de coisa mágica corria pelas casas e todo mundo ficava feliz, porque as férias chegaram... A menina sempre ficava vigiando para ver se Férias era uma pessoa importante, que rosto ela tinha, por que seu nome era tão poderoso e tinha o sortilégio de transformar a monotonia de um lugarejo que, de tão lindo, se chamava Estrela...

O ritual continuava seu caminho mágico, quando o Zico ou o Valtinho anunciava no vaivém que ia ter vôlei naquela noite. O apito era o sinal! Janelas se abriam, gente saía das casas, as moças iam direto dos flertes do vaivém para o campo de vôlei... De saias rodadas, anáguas e sapatinho de salto...

A plateia se acomodava em bancos de madeira, fincados no chão, debaixo de gameleiras e paineiras que filtravam a luz da lua, formando desenhos e arabescos sobre a alegria da torcida... O homem mais importante do jogo – o juiz – tinha um lugar lá no alto para ficar comandando tudo com seu assobio. Nunca pude esquecer o nome dele – Zé Ema – respeitado pela menina, quase como o soldado, o doutor ou o padre. Quando eu o encontrava, durante o dia, em andanças e descobertas, limpava a garganta, ameigava a vozinha e sorria para ele, como se sorrisse para um deus, cumprimentando-o pelo nome, como gente grande:

- Oi, Zé Ema!!!

Era o bastante para eu ser feliz o dia todo!

Por tudo isso, ainda sou encantada por vôlei e balé...

E, até hoje, não sei se cresci foi num lugarzinho, com casas, igreja e escola, ou se cresci foi numa estrela de verdade, com nuvens, lua e estrelas. Até hoje tenho dúvida...

Meu coração sabe que tanto faz, como tanto fez...

  

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                                               Dores do Indaiá, 30 de maio de 1999

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