quarta-feira, 15 de janeiro de 2014


PEQUENOS SUSTOS/1

         Maria

         Bobagem pura: eu revirava na mão a peça  que caíra do dente - e que eu trazia embrulhadinha em um chumaço de algodão...

         Já disse: bobagem pura... Mas enquanto eu esperava minha vez, era a única distração, além das revistas que eu já conhecia...

          _ Traga   a peça, D. Branca –  talvez facilitará o trabalho...

         Por isso, eu estava ali, alheia     a tudo – dentista sempre me deixa fora do ar...  Bobagem pura: eu virava e revirava a minúscula causa de minha visita à querida Doutora Eleusa Vaz,  a simpática  dentista que cuida do meu sorriso há muitos anos.

         Como sou muito avoada, enquanto esperava minha vez, nem sei para   onde voei: estava longe... Fiquei fada...

         _ Bom-dia! Que   prazer encontrar tão ilustre escritora !

         Pensei que era a Eleusa ...Levantei-me  rápido e...

         Acordei... Voltei  a  si, como dizia minha boa madrinha de crisma, lá em Estrela.

         Quandefé – outra palavra estrelada- estava diante de um senhor muito   elegante- advogado – camisa social, de mangas compridas (eu tenho a maior cerimônia com camisas de mangas compridas...)  calça de vincos muito bem feitos, cabelos recentemente penteados, e um sorrio  iluminado para a ilustre escritora!!!!!

         Desorientei-me: (camisas de mangas compridas sempre me inibem...) e eu não sabia se me assentava de novo, se  apertava a mão  que o  recém-chegado me estendia, se  fechava a bolsa, se escondia  a bendita peça   do dente, se sorria, se agradecia, se blá-blá-blá-blá...         

         Claro, fiz tudo de uma só vez, me compliquei toda....

         Foi tudo junto: a porta se abre e – desta vez - a Doutora Eleusa me chama... O senhor elegante pede uma palavrinha com ela, estende a mão, guarda a mão, mil braços e mãos se cruzam, ninguém sabe quem é quem...Ele  se despede, fica um leve cheiro de creme de barba no ar e...

           Entro e me   ajeito na terrível cadeira/maca da dentista.

         _ Trouxe a peça, D. Branca?

         _ Trou-ou-ou-xe, sim, Eleusa!  (Tomara que dê certo, pensei eu, por todos os motivos  )

         Gente, revirei bolsa, despejei tudo na mesa do consultório, fomos à sala de espera, reviramos as  almofadas, arrastamos sofás, sacudi as revistas, olhamos  debaixo das cadeiras, até o lixinho nós reviramos... A situação se tornou motivo de brincadeira para nós três, transformadas em alegres meninas... Kelly, a auxiliar, ria que ria da confusão; Eleusa queria  porque queria encontrar a tão preciosa peça e eu, então, nem se fala!

         Nunca achamos o dentão!

         Resignadamente, concluí:

         - Vai ver que a peça entrou  pela manga da camisa do Doutor e ele nem deu pela coisa...Só pode ser isso!

         Até hoje, quando passo pelo ilustre advogado, levo um sustinho e fico pensando na minha tão sonhada coroa- de- dente...

 

                                      PEQUENOS SUSTOS/ 2

 

         Já a Eleusa também teve seu momento de...

         Caminhada matinal, sem poder parar, tempo contado, clientes marcados...

         Ao atravessar uma rua, chega não chega, eis o inesperado:

         _Doutora, faz favor!

         Ela não acreditou: um senhor, também caminheiro contumaz, abriu uma boca deste ta -a-ma-a-a-nho!– e ali mesmo, entre os passantes, fez uma consulta inesperada, com trejeitos doloridos, caretas e coisas mais!

         Até  hoje , o causo do advogado de mangas compridas e esse da Dra. Eleusa são relembrados por nós, sempre que vou ao consultório ...e eu até me esqueço da anestesia, do motorzinho, do motorzão  e afins...

 

         A Kelly, secretária da Dra. Eleusa, também contou o seu causo: no Sacolão, escolhia verduras e frutas, distraída, quando alguém lhe cotucou:

         - Eu estou precisando ir lá na Doutora Eleusa, mas... estou sem tempo.

Você já entende muito de tratamento dentário, veja aqui!

         Kelly, de repente, estava diante de uma possível cliente de sua Chefe , entre melancias, laranjas e abacaxis... Não teve como se safar...

         A mulher  abriu a bocona, mostrava dentes e línguas, apontava com a caneta e pedia o orçamento desse, daquele, do outro dentão lá do fundo...

         Kelly caiu das nuvens! Eu anotei mais esse causo de interior   na minha agendinha e... tomara que as   duas  nunca saibam que eu contei tamanhos acidentes  pra  todo mundo...Senão, adeus anestesias a toque de risadas!

 

         PEQUENOS SUSTOS/3

 

         Cada um no seu ofício...

         Eu ia satisfeitinha pro Pilates, pensando/voando, embaixo de um céu tão azul que fazia pena andar depressa; ia devagarinho, sorvendo goles de azul...

         Na esquina, dei de testa com um jovem  esportista, sorriso aberto, tênis imensos, boné jovial, pele tostada.

         Ao dar comigo, deu uma freada com seus pneus nos pés e fuzilou:

         _ D. Branca, bom ver a senhora!_Como se escreve aedes  aegypti?

         _ O quê –ê-ê-ê????!!!!!

         Nunca levei susto tão grande!

         Juro, não sabia onde estava, para onde ia,   me esqueci até do meu nome...

         E o jovem tentando me ajudar:

         É ... É o nome do mosquito da Dengue..

         Quase desmaiei  - buscava lá no fundo da minha pobre memória   as benditas letras do maldito mosquitinho...

         Vacilei nos Ys e Hs da vida, espremi os miolos...       Ele esperava, risonho e me animava: isso pra senhora não é nada, todo  mundo aqui em Dores conhece esse mosquitinho... Escrever  o nome dele é que são elas!!! (Eu pensava: ter dengue é que são elas...Eu é que sei contar!)

         Anotei o nome do mosquito/dengoso no talão de cheques que o inusitado aluno me estendia...

         Atravessei a rua, olhei para trás. De longe, ele tirou o boné vistoso e com ele me deu um tchau alegre e simpático.

         Lá de cima, o sol mandava um sorriso de ouro para a terra embrulhada em uma bela manhã azul...

                   Dores do Indaiá, 20 de dezembro de 2011.

        

        

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