CORRIDA
DE TÁXI
Maria.
(Para os filhos do Sô
Alcides Oliveira Sobrinho e D. Maria Dalva Soares de Oliveira, nossa querida
DALVA MACHADO, que acaba de nos deixar)
Eu
passava pra lá e pra cá pela frente da
rodoviária velha. Ali era o meu caminho para a Escola Normal, onde trabalhava
de manhã à noite. De tanto passar, acabei ficando conhecendo todos os taxistas.
No interior é assim – só de passar perto, fica sendo conhecido, fica sendo
amigo. “Amigo de bom-dia”...
Era
assim que eu conhecia um chofer de praça: bom-dia, um sorriso, como vai, oi,
boa-tarde, tudo bem? Isso, por aqui, significa ser conhecido, significa “poder
confiar”...
Era
um moço alto, forte, com jeito de comerciante, de dono de cartório, de
bancário. Tudo nele era limpo, o carro brilhava, o cabelo preto, sem um fio
fora do lugar. Roupas sempre muito limpas, sapatos tão engraxados quanto os pneus
de seu táxi.. Era ver o dono, era ver o carro. Por isso, quando voltei de Belo
Horizonte, naquele dia, estava tranquila. Gastara os últimos trocados na compra
de um livro – Olga Benário - que eu andava louca pra ler.
Quando
entrei no ônibus, vi a cara do motorista, do trocador, a cara do povo... Graças
a Deus, estou em casa!
_
Pra que dinheiro? Chego lá em Dores, pego um táxi e pago lá em casa!
Olhei,
olhei, procurando o Sô Alcides, nosso velho amigo, nomeado CHOFER DA CASA pelo BEM. Com ele, a turma toda rodava tranquila.
Aí avistei o chofer do bom-dia, como vai. Falei com um menino: _ Qual é o nome
daquele chofer lá?
_Ah,
é o Zé Arve...
Eu
já esperava a gentileza e a timidez.
_O
senhor pode me levar em casa?
_Hã..hã...hã...
_O
senhor sabe onde eu moro?
_Hã..
hã..há...
_Eu
posso pagar lá em casa? Estou sem dinheiro...
Quis
espichar a prosa, explicar mais. O Zé Arve não rompia com o papo.
_
Posso pagar lá em casa?
_Hã,
hã!
Tudo
certo, descemos a Avenida Francisco Campos. Pela primeira vez o Zé Arve falou
uma frase:
_A
senhora ainda mora no mesmo lugar?
-Hã,
hã! Imitei o Zé Arve, já que ele era caladão e tímido. Daqueles que envermelham só de falar hã, hã.. Aí, em vez de
ele virar na São Paulo, que seria o normal, ele seguiu reto. Pensei:
_Ele
vai descer na Rio de Janeiro, já fica
com o carro virado para a rodoviária...
Qual
nada! O Zé Arve subiu pela Zacarias e continuou em frente. Gungunei qualquer
coisa e ele, firme, caladíssimo, limpíssimo, eficientíssimo, seguindo em
frente. Aí, foi parando, parando, parando... até parar. Eu tentava entender,
tentava perguntar:
_Uai,
por que paramos aqui?
O
Zé Arve, vermelhinho, abriu a porta para mim, foi descendo as mil malas e
sacolas.
_Pode
descer...
_Uai, mas eu não moro aqui!...
_Uai,
a senhora falou que morava no mesmo lugar...
_
Moro mesmo, só que é no outro quarteirão, ali atrás...
Pensei
que o Zé Arve ia estourar de vermelhão. Tentei explicar
_ A minha casa é aquela lá, Sô Zé... Não faz mal, está
pertinho...
Ele,
encabuladíssimo, voltou as malas pro carro.. Olhou mil vezes para o meu rosto, conferia
no espelhinho. Eu sem entender nada.
Só
quando chegamos à minha casa de verdade, ele falou:
_
Uai... eu pensei que a senhora era das “ALEMOAS’...
Não
ouvi mais nada. Estourei de rir, e ria, e ria, e ria...
Tapava
o rosto com as mãos, via a cara espantada do Zé Arve, como disse o menino, e
recomeçava a risada. Ele foi embora,
vermelhinho, no carro limpíssimo, com certeza, pensando que eu não batia bem...
Na
hora, não dei conta de explicar nada ao tímido motorista, porque muita gente
pensa que eu sou parente do Walter Alemão, pensa que a D’Arc Ude é minha mãe, ou minha tia... Só no outro dia, quando fui
acertar com ele, pudemos conversar.
Me
desculpe, Sô Zé. Tenho essa mania de rir à toa, nem te paguei
ontem...
_Me desculpe a senhora. Mas... eu jurava que
a senhora era das alemoas...
Tantos
anos isso! Depois do caso, ficamos fregueses. E amigos!
Agora,
a morte do Zé Arve. Rezei pra ele não morrer, não era hora. Tão novo, tão cheio
de vida! Tão educado, tão eficiente, tão discreto!
_Meu
Deus, devagar a maldade vai chegando cá no interior, cá no sertão. Um lugar onde a gente conhece todo mundo, só de falar
bom-dia, boa-tarde. Um lugar onde a gente entra no táxi, sem falar nome de rua,
número de casa, sem dinheiro e sem documento.
De
verdade, Dores está arrasada como a fúria dos assaltantes. Somos um povo
simples, amigo. Só queremos trabalhar, cuidar de nossa vidinha, ler o nosso
livro, entrar num táxi brilhante e deixar
o motorista rodar. Pelas ruas que nós amamos.
_Ah,
Zé Arve, me desculpe tanto riso e, agora, me desculpe tanta tristeza. (Penso que
ele está falando:)
_ Não é nada... me desculpa a senhora... Mas
que a senhora tem a cara das alemoas, ah, isso tem!
E
agora, em que táxi vou andar, sem dinheiro e sem endereço? Sem o Sô Alcides, que já se foi e deve estar carregando anjos nas nuvens, sem o Zé Arve...
E agora, em que táxi vou andar?
_
Vocês sabem me contar...
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