Para meu neto, Rafael, relembrando um de seus poéticos medos infantis.
O Primo
Primeiro
O
Sabará era muito querido. Não pela meninada, é claro.
Com o
Rafael, meu neto mais “santinho”, ninguém precisou falar nada. Pequeno, ainda,
deu de testa com o Sabará, fantasiado de anjo. Um anjo pós-moderno, de brincos,
de chapéu espalhafatoso, canelas finas de fora da camisola curta. Mas, anjo.
Foi a conta. O santinho do meu neto se encolheu todo. Entendeu que ali tinha
coisa...
Daí
pra frente, o Sabará foi meu aliado. Quando o Rafael sobrava para mim, que Deus
e os psicólogos me perdoem, o Sabará era sempre lembrado pela avó desprotegida
de argumentos... Ah, eu acho que toda criança precisa de um Sabará na vida. Ou
um Chico-Torto, ou um Chico- Preguento, ou uma Júlia–Pé–de– Moleque, ou um
Rim–Tim–Tim–Beija–Fulô. Todos eles fizeram parte da minha infância. E cá estou
eu. Vovó/menina/medrosa. Do miolo verde, com uma parte no canteiro, é verdade.
Mas cheia de lembranças doces e ternas. Junto aos maios e circos, vestidos de
babados e diademas, junto aos anjos e escola, lá estão eles, meus queridos
medos infantis...
O
retrato do Sabará saiu no jornal. O Rafael ficou de queixo caído.
-
Vó, até o Sabará morre?
Foi
uma descoberta grande que meu neto fez, aos 5 anos. Para ele, o Sabará era um
herói de cinema, que não morre nunca, estava muito acima dos pobres mortais...
Daí pra frente:
-
Rafael,
fecha a porta pra vovó...
-
Precisa
não, vó... O Sabará morreu!
E
as cambalhotas, os saltos-mortais voltaram à toda, com força total. E
atravessa rua, e mistura os ovos das galinhas, e sobe nas mesas, e
pinta, e borda. Folga total!
Aí,
resolvi que meu neto precisava de outro Sabará. Só o Anjo da Guarda estava pouco. Que Deus me perdoe,
de novo. E o Sabará também.
-
Sabe,
Rafael, o Sabará tem um parente igualzinho a ele, meio lá, meio cá...
Os
olhos lindos do meu neto brilharam. Vivo, espertíssimo, quis saber:
-
Parente,
ou primo-primeiro?
Pela
entonação, descobri que, para ele, PRIMO–PRIMEIRO era mais seguro, mais herói...
-
É,
meu bem... É um PRIMO – PRIMEIRO do Sabará...
-
De
brinco? De roupa de mulher? De batom? De? De? De?
Meu
neto estava entregando os pontos... Faltava só mais uma cartada para tê-lo, de
novo, nas mãos. Lembrei-me de minha filha, aflita:
-
Ah,
mamãe, tenho tristeza de sair com o Rafael. Agora, ele embirra em todo monte de
areia que vê. Nada o faz descer. Outro dia... E desfiou mil casos, coitada!
Fiquei
com pena de minha filha. Que falta faz o Sabará, pensei.
Então,
com muito jeitinho, contei pro Rafael:
-
Sabe o
primo-primeiro do Sabará era pedreiro. Ficou doentinho e, agora, tadinho,
embirra nos montes de areia na rua. Pensa que perigo, heim, Rafael?
Os
olhos dele brilharam! Era demais para o meu neto. Então, me pegou de surpresa:
-
Vó, como é o nome do primo primeiro do Sabará?
Fiquei
apertada, com o Rafael ali, à minha frente, exigindo um nome para o seu novo
herói...
E, “havia que ser”, como diz minha
mãe, “havia que ser” um nome à altura do mistério e fascínio do Sabará. “Santo
Deus, arranja um nome pro PRIMO-PRIMEIRO
do Sabará, arranja logo”. E o Rafael, exigindo:
-
Vó, como
é o nome dele?
Pronto!
Zás! Falei sonoramente, com cara de vó que sabe tudo:
-
O nome
dele é... ALELUIA... ALELUIA...
O
nome deu certo. Meu neto piscou miúdo, o nome surtiu efeito.
-
A-a-le-luia, vó? Que nome esquisito! Ai, que medo do Aleluia!
Respirei
aliviada.
Já
tenho novo aliado contra as diabruras do meu neto. Ainda ontem, o testei:
-
Rafael,
fecha a porta pra vovó...
-
É mesmo,
vó, O SABARÁ morreu... Mas ainda tem o ALELUIA, né?
Meu
coração riu sozinho. Daqui a muitos anos, o coração de meu neto vai olhar o
retrato do SABARÁ, que um dia ele recortou do jornal e vai contar, com os belos
olhos úmidos de saudade:
-
Quando
eu era menino, eu morria de medo do SABARÁ. E do ALELUIA!...
Ah,
SABARÁ, me perdoa, viu?
E,
viva o ALELUIA!
Dona Branca, querida, que delícia essa crônica do primo primeiro...Tão bom ler o texto e, depois, ficar com o que ele deixa no coração da gente...Bjs
ResponderExcluir