UMA
COISA PUXA OUTRA
Maria
(Esta crônica é para
o leitor, LÁZARO DA SILVA DUTRA JÚNIOR, DE PALMAS -TOCANTIS , que aprecia as
crônicas da Maria. Obrigada!)
Duas horas da tarde.Sozinha em casa. O sol
aumentava o tamanho dos cômodos.
A Quaresmeira fazia
sombras aqui e ali, bordando espaços
sombrios na claridade.
Percebi
que sombras outras estavam querendo se aninhar em meu coração...
_Por que seria?
Fui andando pela
casa. Tudo absolutamente nos lugares. Tudo limpo, organizado...
Pensei: casa mais
triste, mais arrumada! Parece casa de velha ranzinza...
Resolvi: em um
quarto, abri a máquina-de-costura, espalhei retrozes coloridos sobre a mesa,
deixei a velha tesoura de qualquer jeito...
Em outro cômodo,
abri portas de armários, coloquei sapatos na janela, deixei cabides sobre a
cama, como se estivesse escolhendo roupas para uma festa.
Na salinha de
televisão, baguncei um pouco as agulhas de tricô que me acompanham no sofá
velho, pus novelos de lã na mesinha cheia de porta-retratos... O povo me olhava
– desconfiado- através das molduras. Percebi um brilho nos olhos das mulheres –
elas entendem de lãs e, parece, gostaram do novo brilho colorido...
Troquei bolsas
antigas de lugar – há muito tempo elas acordam e dormem do mesmo jeito...- só
os netos mexem nelas, abrem tudo, deixam todas meio abertas, mostrando forros
puídos e surrados: são relíquias de família....
Continuei minha
caminhada solitária.
_ Nossa, que cozinha
mais sisuda! Que falta de vida!
Tirei copos e
canecas dos armários: tomei café, deixei um restinho no fundo, como fazem minha
turminha e minha turmona (Em casa de vó, todos se tornam crianças, ficam por
conta das prosas e brincadeiras...)
Na mesa grande da
copa, deixei vidros de biscoitos , sequilhos para uns, de Maizena para outros,
restos de pão de São-José, que hoje é o pão sovado... (Uma coisa puxa outra:um dia, eu pedi a uma das netas, à bela Isabela
para comprar desse pão, que ela gosta – ela escreveu no papelzinho, para não
esquecer – PÃO SOLVADO...)
Até hoje a turma
fala assim, pirraçando a bela prima, que já é uma senhorita...)
Peguei cadernos,
lápis e livros e deixei tudo no birozinho de madeira, que foi do BEM- é outra
relíquia da casa. (Uma coisa puxa outra:
Eduardo era pequeno e observou o trabalho que os homens da mudança – inclusive
o carroceiro - faziam pra passar o birô
em uma porta: era birô pra cá, birô pra lá, o birô não passa, ta-ta-ta... Mas
tarde, bateram à porta: Eduardo atendeu e falou: PAPAI, O SÔ BIRÔ tá te
chamando... Era o Sô Antônio Carroceiro...Ele pensava que Birô era o nome do
homem....)
Aí, sim! Minha casa,
agora, tinha alma! Era uma casa viva!
Andei devagar por
entre os cômodos todos, escancarei as janelas para o azul entrar na carona do
sol dourado.
Na verdade, foi meu
coração que ficou azul e brilhante. Comecei a cantarolar: É tarde, já vou indo, eu preciso ir embora, até amanhã, mamãe quando eu
sai, disse filho, não demora em ...
(Uma coisa puxa outra: Não há de ver que filhos e netos chegaram, de verdade? Meu
coração os puxou...A saudade os trouxe, de surpresa...)
Nem precisei cantar
mais: A casa toda cantava!
De repente, a casa
ficou mocinha de novo: as filhas abriram vidros de esmaltes, as netas misturavam
cores e um cheirinho bom se espalhou no
ar. Uma pintava os cabelos da outra, sugeriam cores, luzes e novos cortes.
Enquanto isso, a vovó preparava o café com pão de queijo...(Uma coisa puxa outra: lembraram-se se do
primo que, distraído com a namorada, deu
uma mordida no pão de queijo -que estava pelando de quente – e ficou com o bico
todo empipocado, por dias e dias....)
À noite, luzes
acesas, tudo ligado, aquela doce bagunça que encanta a vida das velhas-
vovós-velhas...
Todos dormiram e
sonharam sonhos lindos, porque em casa de vó não há pesadelos...
Juro, não vou
arrumar minha casa tão cedo, sempre vou deixar uma baguncinha por perto! Meu
coração já se acostumou e prefere um fuá a uma casa sem alma...
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Dores do Indaiá, 14
de março de 2015.
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