domingo, 26 de abril de 2015


UMA COISA PUXA OUTRA

Maria

(Esta crônica é para o leitor, LÁZARO DA SILVA DUTRA JÚNIOR, DE PALMAS -TOCANTIS , que aprecia as crônicas da Maria. Obrigada!)

 

          Duas horas da tarde.Sozinha em casa. O sol aumentava o tamanho dos cômodos.

A Quaresmeira fazia sombras  aqui e ali, bordando espaços sombrios na claridade.

         Percebi que sombras outras estavam querendo se aninhar em meu coração...

_Por que seria?

Fui andando pela casa. Tudo absolutamente nos lugares. Tudo limpo, organizado...

Pensei: casa mais triste, mais arrumada! Parece casa de velha ranzinza...

Resolvi: em um quarto, abri a máquina-de-costura, espalhei retrozes coloridos sobre a mesa, deixei a velha tesoura de qualquer jeito...

Em outro cômodo, abri portas de armários, coloquei sapatos na janela, deixei cabides sobre a cama, como se estivesse escolhendo roupas para uma festa.

Na salinha de televisão, baguncei um pouco as agulhas de tricô que me acompanham no sofá velho, pus novelos de lã na mesinha cheia de porta-retratos... O povo me olhava – desconfiado- através das molduras. Percebi um brilho nos olhos das mulheres – elas entendem de lãs e, parece, gostaram do novo brilho colorido...

Troquei bolsas antigas de lugar – há muito tempo elas acordam e dormem do mesmo jeito...- só os netos mexem nelas, abrem tudo, deixam todas meio abertas, mostrando forros puídos e surrados: são relíquias de família....

Continuei minha caminhada solitária.

_ Nossa, que cozinha mais sisuda! Que falta de vida!

Tirei copos e canecas dos armários: tomei café, deixei um restinho no fundo, como fazem minha turminha e minha turmona (Em casa de vó, todos se tornam crianças, ficam por conta das prosas e brincadeiras...)

Na mesa grande da copa, deixei vidros de biscoitos , sequilhos para uns, de Maizena para outros, restos de pão de São-José, que hoje é o pão sovado... (Uma coisa puxa outra:um dia, eu pedi a uma das netas, à bela Isabela para comprar desse pão, que ela gosta – ela escreveu no papelzinho, para não esquecer – PÃO SOLVADO...)

Até hoje a turma fala assim, pirraçando a bela prima, que já é uma senhorita...)

Peguei cadernos, lápis e livros e deixei tudo no birozinho de madeira, que foi do BEM- é outra relíquia da casa. (Uma coisa puxa outra: Eduardo era pequeno e observou o trabalho que os homens da mudança – inclusive o carroceiro  - faziam pra passar o birô em uma porta: era birô pra cá, birô pra lá, o birô não passa, ta-ta-ta... Mas tarde, bateram à porta: Eduardo atendeu e falou: PAPAI, O SÔ BIRÔ tá te chamando... Era o Sô Antônio Carroceiro...Ele pensava que Birô era o nome do homem....)

Aí, sim! Minha casa, agora, tinha alma! Era uma casa viva!

Andei devagar por entre os cômodos todos, escancarei as janelas para o azul entrar na carona do sol dourado.

Na verdade, foi meu coração que ficou azul e brilhante. Comecei a cantarolar: É tarde, já vou indo, eu preciso ir embora, até amanhã, mamãe quando eu sai, disse filho, não demora em ...

(Uma coisa puxa outra: Não há de ver que  filhos e netos chegaram, de verdade? Meu coração os puxou...A saudade os trouxe, de surpresa...)

Nem precisei cantar mais: A casa toda cantava!

De repente, a casa ficou mocinha de novo: as filhas abriram vidros de esmaltes, as netas misturavam cores e um cheirinho bom  se espalhou no ar. Uma pintava os cabelos da outra, sugeriam cores, luzes e novos cortes. Enquanto isso, a vovó preparava o café com pão de queijo...(Uma coisa puxa outra: lembraram-se se do primo que, distraído  com a namorada, deu uma mordida no pão de queijo -que estava pelando de quente – e ficou com o bico todo empipocado, por dias e dias....)

 

À noite, luzes acesas, tudo ligado, aquela doce bagunça que encanta a vida das velhas- vovós-velhas...

Todos dormiram e sonharam sonhos lindos, porque em casa de vó não há pesadelos...

Juro, não vou arrumar minha casa tão cedo, sempre vou deixar uma baguncinha por perto! Meu coração já se acostumou e prefere um fuá a uma casa sem alma...

 

 

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Dores do Indaiá, 14 de março de 2015.

 

 

               

               

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