ESTRELADOS DE MINHA INFÂNCIA
Maria
Ah!
Nunca senti tanta saudade dos tipos populares de Estrela!
Nunca
pensei que ia ser bagageira de tantas vidas, de tanta ternura e poesia. Com
eles,,pelas ruas e becos empoeirados, fui armazenado belezas, guardando sorrisos
puros e olhares de outros mundos. Fiquei para contar como eles eram belos em
seus andrajos, como sorriam bonito com aquelas bocas murchas e moles. Fiquei.
Meu coração descobriu, em cada um, a feiura mais bonita que havia, a poesia
mais sem rima que eu ouvi.
Eles
enfeitaram minha infância. Como as fadas e as bruxas, como os príncipes e
rainhas, como São Tarcísio e Santa Terezinha. Como os pastorzinhos de Fátima.
Eles
souberam marcar a minha alma como as valsas vienenses que a igreja tocava às 18
horas. (Ah, 6 horas da tarde é mais bonito,
é a boquinha da noite...)
O João Macuco,- o Mota,
com seus cinturões de tachinhas e ilhoses, seu cordão de barbantes
coloridos no pescoço de Hércules,
rachando lenha com um machado que
rebrilhava ao sol. Ah! Só pode ter sido nele que a juventude transviada e
outras tantas juventudes de nomes complicados se inspiraram para se vestirem.
Deviam t lhe pagar pela Idea que, na sua loucura mansa, lançou há mais de
trinta anos, lá nos confins do céu – Estrela.
A
Júlia Pé de Moleque, esguia, pálida, quase bonita, cantando sua paixão pelo
moço rico que nunca ia se enamorar por ela. Sua voz saía de um lugar tão fundo,
tão distante, que não podia ser do coração
dela – juro, hoje entendo, era de outro mundo.
Lá
se foi no “Caminhão de Barbacena”, sai comprida, de cordão , recitando pro
vento levar. Para onde? Ah, pro meu
coração, que ainda se lembra:
Lá vem o carro de boi
Cheio
de moça fremosa,
No
meio vem o Quinzinho
Cheirando
botão de rosa.
O
Custódio, bravo, doido varrido, dando bordoadas no ar, espantando fantasmas que
meu coração chega a ver...
O
Chico-Torto, ai que medo dos feitiços
que ele fazia, com cinza de lenha, espelho e titica de galinha...
O
Pedro Bobo, do Sô Tavinho, batendo uma gamela de brevidade de rapadura pra dona
Terezinha pôr na venda; batia, batia e mastigava a língua vermelha, como uma
vaquinha mansa no presépio.E as brevidades, como dizia meu irmão caçula, eram
de barro...”Barro” mais gostoso!
A
Albertina da Vila, rindo, rin-do-o, ah,-ah,ah! Segurando suas mil bonecas:
_
Bo-o-ne-ca-á! Bo-ne-ca-á!
E
seus olhinhos puxados sumiam no seu rosto moreno.
O
Sô Joaquim Jatobá, limpinho, abotoado até o gogó, calça apertada, justinha,
cintura lá debaixo dos braços, cara de chinês, só faltavam os dos baldinhos nos
ombros. Descalço, era o freguês da mamãe para o jantar. E nós, só pra ouvirmos
as respostas de sempre:
_Sô Joaquim, o senhor gosta de batata frita?
_
Eu? Ah! Eu odoro!
_
De que o senhor gosta mais?
_
Ah! Eu odoro quarqué mustura!
Ele
ria em chinês pra gente, antegozando o prato cheio de mustura...
Gente, parece sono. Enquanto escrevo, eles
estão aqui, tão perto de mim... Parece sonho.
O
Generoso, abrutalhado, arrematada, outro grande rachador de lenha. E mamãe conselheira:
_Generoso,
você não pode judiar dos meninos, é pecado, você vai pro inferno! – E ele,
tram-cham:_ Que que eu posso fazê? Vou mêmo!
Depois,
impressinado com a encenação da Semana Santa, a Procissão do Encontro, santos
vestidos, enormes, feito gente. E ele pra mamãe:
_Maria, Maria, ocê viu o Deus na rua? Eu onte topei
com ele na esquina, de cabelo de gente e tudo...
Ah!
Meus bobos felizes! Ah, meus queridos homens-meninos, mulheres-fadas. Hoje
estou com mais saudade de vocês! Mais saudade!
Até
escuto o Mota servindo seu pratão e explicando, com seu traje metaleiro:
_Vô
pô mais farinha mode endurecê... E mexia o feijão com a farinha e voltava feliz
da vida:
_Agora,
vô pô mais feijão, mode amulecê...
E,
assim, comia, comia, comia.
E
a gente ria, ria, ria...
Na
maior bondade! Feito bobos!
De
verdade...
Nenhum comentário:
Postar um comentário