domingo, 12 de abril de 2015


FILA DE ESPERA

Maria

_ Será que é aqui?

_ Temos que esperar... Não podemos furar a fila....

E os dois chegantes, cansados do longo voo, sentaram-se em uma nuvem fresquinha, antes que tentassem outra vez...

_ Temos de esperar – só depois de revistarem nossa bagagem, nos darão o VISTO...

_E dizem que são ranzinzas até dizer chega!

Enquanto esperavam, puseram seus tesouros ali por perto: a fila estava enorme e nada da porta ser aberta...

Lá também havia uma revista rigorosa de documentos e pertences: apesar de ser no infinito lindamente azul,  o lugar de origem não recomendava ninguém, apesar de ser outro lugar lindamente azul: a Terra...

Havia anjos escalados  para a tarefa- uns separavam documentos:

_Veja aqui, Querubim! Não tenho mais lugar para guardar tantos cartões de crédito... E Carteira de Identidade, e Cartões de Vacina

_ E eu não sei onde colocar tantos celulares! Alguns até choram por causa deles...Veja que emaranhado de aparelhos...

_Pois eu....- disse uma anjinha com voz de violino- eu não sei onde colocar mais tantos batons, tantos estojos de maquiagem...O Departamento Feminino é o mais volumoso... Vejam ali naquela nuvem cor-de-rosa...

A nuvem era um verdadeiro caos: bolsas de todos os tamanhos, de todos os modelos, de todas as cores se misturavam a mil marcas, a mil franjas, a mil pedrarias, lantejoulas e miçangas... Sapatos de todos os tipos, rasteirinhas, sandálias, botas... Uns modelos eram tão altos, tão estranhos que um anjo velho resmungou:

_ Isso se parece mais com uma poltrona do que com um sapato – valha-me Deus!

 Anjinhas pequenas escapuliam de suas mamães/anjas e se esbaldavam provando roupas, pasando pinturas, experimentando sapatinhos coloridos,  brincando de ser gente...

         O Serafim do Departamento de Joias estava literalmente sumido em meio a colares, anéis, pulseiras, pingentes e tiaras... Havia algumas peças tão prosaicas que ninguém sabia pra que serviam... Seria para ser pendurada no nariz? Nas orelhas, No umbigo?  Vai ver o que pensa aquele povinho lá da Terra – só eles entendem pra que tanta bugiganga... Enfim, tenho que fazer meu trabalho e não posso nem piscar – essas anjinhas não são anjos ...

         São Rafael, de espada em punho, guardava o imenso cofre, cheio de dólares, , pesetas, euros, reais, dinares, dobras, francos, libras, patacas...Era só um descuidozinho para o povão tentar invadir o cofre...

Mais adiante, bem perto do sol, uma nuvem quase não aparecia, tamanha era sua carga... Uma anja/professora escrevera uma placa, com letras de raios de lua: LOJA DE  ROUPAS DA TERRA. Era tanta confusão, que, na sua porta, havia verdadeiro exército de anjos e santos...

E, a todo momento, havia ameaças de invasão...

A cozinha do infinito já não conseguia servir tantos pratos, todos feitos à base de sorvetes e cremes  de nuvens, sopas de estrelinhas- cozidas ao vapor  de raios de sol...

E nada da fila andar!

Outra seção movimentada era a de whatspps, novo invento do povinho da Terra: os anjos da guarda eram muito pacientes e não se cansavam de explicar que, lá no infinito, não precisavam daquele aparelho ...Mas, não adiantava nada... O chororô era geral...

Coitado do galo do presépio, já estava rouco de tanto cantar, anunciando mais chegantes... São José até precisou passar um pito no Menino Jesus que brincava de roda com anjinhos que estavam treinando pequenos voos com suas asinhas nascentes:

_Que que é isso, Jesus? Estão rindo do coitado do galo?

_Uai, papai, ele tá desafinado... (Esqueci de explicar – o Jesusinho gostava de falar em minerês...)

         Outra porta nem dava para ser vista, de tanta gente tentando entrar: era o BRECHÓ DOURADO. Preços módicos, havia de um tudo- qualquer freguês encontrava um produto, mesmo que não soubesse para que servia... Era o velho costume da Terra.

Porém, numa nuvem meio cinzenta, escondida entre névoa fria, havia uma enorme barraca que ninguém procurava: os guardiães até cochilavam à porta da nuvem...

 Uma velha enxerida puxou o sentinela pela manga da túnica e quis saber qual era a mercadoria estocada ali, sem procura, sem oferta..Em cima da porta esquecida, podia-se ver uma inscrição com letras graúdas – DOAÇÕES .

A velha ajustou os óculos para enxergar melhor e nem se assustou com o que via – igualzinho ao que acontecia cá embaixo: eram montes e montes de livros... LIVROS!!! De todas os tamanhos, de todas as épocas, de todas as matérias e de todos os autores do mundo...

_ Por que ninguém pega livros?

O Guardião- Mestre explicou com voz triste: É a tecnologia, agora só querem saber de livros virtuais...E olha que muita gente, em outros tempos já furou a fila com pequenos pacotes de livros...

A velha até ouviu o suspiro antigo do Guardião_Mestre... (pelo visto, a tecnologia e a informática já chegaram até aqui...)

Desanimada, a senhora idosa sentou-se e acomodou suas talhas mais importantes em seu colo magro...

Sabiamente, concluiu baixinho: Pensei que ia fazer um sucesso com meus livros... Pensei que ia ser das primeiras a passar...Mas,  também vou ter de esperar minha vez...

E eis que o milagre aconteceu!

A porta foi aberta por dois anjos-tocheiros- e  lindos. Cada um segurava uma tocha luminosa para clarear o caminho da Virgem Maria que vinha, pessoalmente, receber os dois chegantes mais ilustres.

Tanta majestade, tanta luz chamou a atenção de todos e os cochichos corriam soltos pelas nuvens:

_ Quem serão eles? De que reino vieram?

_ Que tesouro poderoso eles trouxeram para tanta importância?

_ Aposto que é algum magnata ou Miss...

         _ Pois eu aposto que é algum político com delação premiada...

         Então, uma trombeta soou e os nomes dos poderosos foram ouvidos pelas potestades do infinito azul:

         _Manoel de Barros, pode entrar!

         _ Bolañhos, pode entrar!

         Todos abriram alas e puderam ver os tesouros nas mãos de cada um...

         E ficaram sem entender nada:

         Manoel de Barros trazia mil bichinhos e Bolañhos trazia um barril vazio...

         Foi uma festa no céu!

         Anjinhos corriam atrás de formigas e borboletas e beija-flores e caracóis e caramujos e minhocas  e passarinhos cantantes...

 As estrelinhas formavam desenhos  e letras  no infinito azul...

 Cá na Terra, todos puderam ler entre nuvens e raios de luar:

 

“FOI SEM QUERER QUERENDO”

“PREZO INSETOS MAIS QUE AVIÕES

“ PREFIRO MORRER DO QUE PERDER A VIDA.

 “Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas..
Porque eu não sou da informática”

 

       Fez-se um silêncio, só interrompido por cânticos e sons de harpas e flautas.

Bolañhos e Manoel de Barros, constrangidos, passaram à frente de todos e  foram recebidos- com honras- por Nossa Senhora:

_Podem entrar... A Poesia e a Ingenuidade têm preferência na porta do infinito...

Então, São Pedro, o dono das chaves celestes, fechou as pesadas portas e os chegantes continuaram esperando sua vez...

 

Dores do Indaiá, 2 de dezembro de 2014.

 

 

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