FILA DE ESPERA
Maria
_ Será que é aqui?
_ Temos que esperar...
Não podemos furar a fila....
E os dois chegantes,
cansados do longo voo, sentaram-se em uma nuvem fresquinha, antes que tentassem
outra vez...
_ Temos de esperar –
só depois de revistarem nossa bagagem, nos darão o VISTO...
_E dizem que são
ranzinzas até dizer chega!
Enquanto esperavam,
puseram seus tesouros ali por perto: a fila estava enorme e nada da porta ser
aberta...
Lá também havia uma
revista rigorosa de documentos e pertences: apesar de ser no infinito
lindamente azul, o lugar de origem não
recomendava ninguém, apesar de ser outro lugar lindamente azul: a Terra...
Havia anjos
escalados para a tarefa- uns separavam
documentos:
_Veja aqui,
Querubim! Não tenho mais lugar para guardar tantos cartões de crédito... E
Carteira de Identidade, e Cartões de Vacina
_ E eu não sei onde
colocar tantos celulares! Alguns até choram por causa deles...Veja que
emaranhado de aparelhos...
_Pois eu....- disse
uma anjinha com voz de violino- eu não sei onde colocar mais tantos batons,
tantos estojos de maquiagem...O Departamento Feminino é o mais volumoso...
Vejam ali naquela nuvem cor-de-rosa...
A nuvem era um
verdadeiro caos: bolsas de todos os tamanhos, de todos os modelos, de todas as
cores se misturavam a mil marcas, a mil franjas, a mil pedrarias, lantejoulas e
miçangas... Sapatos de todos os tipos, rasteirinhas, sandálias, botas... Uns
modelos eram tão altos, tão estranhos que um anjo velho resmungou:
_ Isso se parece
mais com uma poltrona do que com um sapato – valha-me Deus!
Anjinhas pequenas escapuliam de suas
mamães/anjas e se esbaldavam provando roupas, pasando pinturas, experimentando
sapatinhos coloridos, brincando de ser
gente...
O
Serafim do Departamento de Joias estava literalmente sumido em meio a colares,
anéis, pulseiras, pingentes e tiaras... Havia algumas peças tão prosaicas que
ninguém sabia pra que serviam... Seria para ser pendurada no nariz? Nas
orelhas, No umbigo? Vai ver o que pensa
aquele povinho lá da Terra – só eles entendem pra que tanta bugiganga... Enfim,
tenho que fazer meu trabalho e não posso nem piscar – essas anjinhas não são
anjos ...
São
Rafael, de espada em punho, guardava o imenso cofre, cheio de dólares, ,
pesetas, euros, reais, dinares, dobras, francos, libras, patacas...Era só um
descuidozinho para o povão tentar invadir o cofre...
Mais adiante, bem
perto do sol, uma nuvem quase não aparecia, tamanha era sua carga... Uma
anja/professora escrevera uma placa, com letras de raios de lua: LOJA DE ROUPAS DA TERRA. Era tanta confusão, que, na
sua porta, havia verdadeiro exército de anjos e santos...
E, a todo momento,
havia ameaças de invasão...
A cozinha do
infinito já não conseguia servir tantos pratos, todos feitos à base de sorvetes
e cremes de nuvens, sopas de
estrelinhas- cozidas ao vapor de raios
de sol...
E nada da fila
andar!
Outra seção
movimentada era a de whatspps, novo invento do povinho da Terra: os anjos da
guarda eram muito pacientes e não se cansavam de explicar que, lá no infinito,
não precisavam daquele aparelho ...Mas, não adiantava nada... O chororô era
geral...
Coitado do galo do
presépio, já estava rouco de tanto cantar, anunciando mais chegantes... São
José até precisou passar um pito no Menino Jesus que brincava de roda com
anjinhos que estavam treinando pequenos voos com suas asinhas nascentes:
_Que que é isso,
Jesus? Estão rindo do coitado do galo?
_Uai, papai, ele tá
desafinado... (Esqueci de explicar – o Jesusinho gostava de falar em
minerês...)
Outra porta nem dava para ser vista, de
tanta gente tentando entrar: era o BRECHÓ DOURADO. Preços módicos, havia de um tudo- qualquer freguês encontrava um
produto, mesmo que não soubesse para que servia... Era o velho costume da
Terra.
Porém, numa nuvem
meio cinzenta, escondida entre névoa fria, havia uma enorme barraca que ninguém
procurava: os guardiães até cochilavam à porta da nuvem...
Uma velha enxerida puxou o sentinela pela
manga da túnica e quis saber qual era a mercadoria estocada ali, sem procura,
sem oferta..Em cima da porta esquecida, podia-se ver uma inscrição com letras
graúdas – DOAÇÕES .
A velha ajustou os
óculos para enxergar melhor e nem se assustou com o que via – igualzinho ao que
acontecia cá embaixo: eram montes e montes de livros... LIVROS!!! De todas os
tamanhos, de todas as épocas, de todas as matérias e de todos os autores do
mundo...
_ Por que ninguém
pega livros?
O Guardião- Mestre
explicou com voz triste: É a tecnologia, agora só querem saber de livros
virtuais...E olha que muita gente, em outros tempos já furou a fila com
pequenos pacotes de livros...
A velha até ouviu o
suspiro antigo do Guardião_Mestre... (pelo visto, a tecnologia e a informática
já chegaram até aqui...)
Desanimada, a
senhora idosa sentou-se e acomodou suas talhas mais importantes em seu colo
magro...
Sabiamente, concluiu
baixinho: Pensei que ia fazer um sucesso com meus livros... Pensei que ia ser
das primeiras a passar...Mas, também vou
ter de esperar minha vez...
E eis que o milagre
aconteceu!
A porta foi aberta
por dois anjos-tocheiros- e lindos. Cada
um segurava uma tocha luminosa para clarear o caminho da Virgem Maria que
vinha, pessoalmente, receber os dois chegantes mais ilustres.
Tanta majestade,
tanta luz chamou a atenção de todos e os cochichos corriam soltos pelas nuvens:
_ Quem serão eles?
De que reino vieram?
_ Que tesouro
poderoso eles trouxeram para tanta importância?
_ Aposto que é algum
magnata ou Miss...
_
Pois eu aposto que é algum político com delação premiada...
Então,
uma trombeta soou e os nomes dos poderosos foram ouvidos pelas potestades do
infinito azul:
_Manoel
de Barros, pode entrar!
_
Bolañhos, pode entrar!
Todos
abriram alas e puderam ver os tesouros nas mãos de cada um...
E
ficaram sem entender nada:
Manoel
de Barros trazia mil bichinhos e Bolañhos trazia um barril vazio...
Foi
uma festa no céu!
Anjinhos
corriam atrás de formigas e borboletas e beija-flores e caracóis e caramujos e
minhocas e passarinhos cantantes...
As estrelinhas formavam desenhos e letras
no infinito azul...
Cá na Terra, todos puderam ler entre nuvens e
raios de luar:
“FOI SEM QUERER
QUERENDO”
“PREZO INSETOS
MAIS QUE AVIÕES
“ PREFIRO MORRER
DO QUE PERDER A VIDA.
“Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas..
Porque eu não sou da informática”
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas..
Porque eu não sou da informática”
Fez-se um silêncio, só interrompido por
cânticos e sons de harpas e flautas.
Bolañhos
e Manoel de Barros, constrangidos, passaram à frente de todos e foram recebidos- com honras- por Nossa
Senhora:
_Podem
entrar... A Poesia e a Ingenuidade têm preferência na porta do infinito...
Então,
São Pedro, o dono das chaves celestes, fechou as pesadas portas e os chegantes
continuaram esperando sua vez...
Dores do Indaiá, 2 de dezembro
de 2014.
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