SARAU NA CALÇADA
Maria
Aula Particular.
Literatura. Intertextualidade. Final de curso. ENEM chegando. Cerca daqui,
cerca dali. Alunos e professora baratinados.
_ Olá! Vamos
entrando, moçada!
Livros espalhados.
Olhares meio assustados. Cansaço nos gestos.
Então, um deles
falou:
-Por que você não
veio ontem, Émerson?
_ Eu tive ensaio da
Banda e não podia faltar... Vai ter show sábado...
Pronto. Todos
acordaram. A professora quis saber:
_ Gente, tem Banda
aqui em Dores e eu nem sabia!
-Émerson, o que você
toca na Banda?
_ Guitarra,
violão...
A conversa se
alastrou! Adeus, ENEM! Adeus, intertextualidade!
Três alunas, lindas,
moderninhas também tocavam! Em Grupo de Jovens, no coro da igreja, em
festinhas...
Enquanto eles
matracavam sobre tudo, menos Literatura, a professora quebrava a cabeça para
pôr a turma nos eixos... Aí...
_Gente, quem conhece
a música Monte Castelo, da Legião Urbana? Todos conheciam e a cantoria começou
a rolar na sala encalorada... Renato Russo até “chegou” para ouvir sua letra
cantada tantos anos depois...
_ E Epitáfio, dos
Titãs, quem conhece?
Não precisou de mais
nada: todos se puseram a cantar: O acaso
vai me proteger...
Eu pensava: Pronto,
e agora, como vou fazer essa moçada parar?
_ Tudo bem, tudo
lindo, mas... agora, é aula de verdade!
Entre muxoxos,
comecei a falar sobre de onde veio a letra de Renato Russo.
Abrimos apostilas,
as cabeças se juntavam em volta dos livros, até que conseguiram encontrar a
matéria de que precisavam. Ficaram abismados de saberem que Renato Russo foi
até aos Coríntios e a Camões pra escrever seus versos!
_ Os palpites
choveram:
_ Nossa, pensei que
ele tirou tudo da cabeça dele!
_ Eu nunca pensei
que ele soubesse nada de Bíblia e de Camões...
_ Desisto de ser
poeta...
Fomos terminar a
aula perto do computador, onde ouviram a música, cantaram junto, sorriam uns
para os outros, com cara de “Ah, agora nós estamos cantando sabendo a história
da letra”!
Durante três dias,
as aulas renderam e a intertextualidade passou a ser a matéria preferida.
Ninguém queria treinar ortografia, gramática, ninguém queria mais fazer
redação...
E eu pensava:
_Bendita música!
Vimos, ainda,o poema
que serviu de base para os Titãs, em Epitáfio. Jorge Luís Borges foi admirado e
elogiado por eles que, antes, nem queriam saber de poesia...(Quando muito,
adoraram NEOLOGISMO, de Manuel Bandeira, por causa do verbo criado pelo poeta e
que é o mais importante para eles, os jovens – que vivem enamorados -
TEADORAR...)
O
computador mais uma vez cantou com eles e os Titãs:” Devia ter amado mais, ter
chorado mais, ter visto o sol nascer...”
Fagner foi muito festejado com CANTEIROS e
acharam o compositor muito sensível em prestar homenagens a tantos poetas numa
só letra...
Dessa vez, não
precisamos ligar o computador: o coração da professora sabe a música de cor e,
fui acompanhada pela turma, que seguiram a letra na apostila...
_Assim, disse uma
garota, acho que eu dou conta de escrever uma letra de música...
Aproveitei a dica e
eles se puseram a escrever paráfrase, paródias... Fingi que não vi, mas houve
troca de letras apaixonadas entre dois candidatos a conquistarem o coração de
uma das colegas – e ela fez a cara melhor do mundo!
O ENEM chegando,
terminamos o curso, com mil promessas de serem atenciosos às questões.
Sairam adeusando
saudades, adeusando esperanças, adeusando futuros.
_Vamos voltar para
cantar mais, pra estudar mais Literatura!
Eu pensei – “Ah, se
o futuro fosse feito só de poesia, eles
iam brilhar...”
Semana seguinte.
Tarde morna e azul. Música na calçada. Vozes conhecidas chamando meu nome...
Não acreditei! Meus
alunos cantando, ao som de instrumentos, a música folclórica CUITELINHO, que os
encantou nas aulas...”Cheguei na bera do porto/onde as ondas se espaia...
De presente, meus
três pés de murta, carregadinhos de mil florinhas brancas, derramaram uma chuva
de estrelinhas sobre os componentes da poética banda.
Ficamos coroados na
calçada, enquanto a vizinhança chegava à porta para ouvir a cantoria...
Deixaram marcas de
seus passos no tapete branco que as murtas lhes prepararam...
_ D. Branca, a
senhora ficou parecendo uma rainha!
Foi um instante
muito lindo na minha tardia carreira de professora particular, já na
velha/juventude/velha...
Mas, que em vez em
quando, ainda se transforma em rainha...
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Dores do Indaiá, 20 de fevereiro de 2015.
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