segunda-feira, 13 de abril de 2015


SAUDADE  FEITICEIRA.

Maria

 

 

“Não existo sozinha/Meus olhos são luzes de outros olhos/Que sondaram o infinito antes de mim...

Meu horizonte é tecido de ontens/Minha face são tantas /Bordadas de nuvens/Tecidas de sol”... (Fusão – Poema )

 

         E hoje, sou  muitas.

         Sou madrugadas antigas, sou o canto das águas do Indaiá. Sou as valsas  rodadas, dançadas no Clube Velho. Sou a gravatinha fitada da Escola Normal...
         Criei asas nas saias rodadas , anáguas rendadas, aladas, asas de anjo que  me  levaram a mundos de nuvens e cetins.

         Sou as ruas de terra, recebi mil batismos: Rua das Baratas, Rua das Viúvas, Rua de Baixo... Ou Rua Bela ou Rua do Meio...

         Meu coração é feito  do melado de rapadura,  adocicado  por mangas cheirosas e   jabuticabas de mel.

          Se fecho os olhos, a saudade faz uma bruxaria no meu coração e eu sou o telhado de casas avoengas que espiavam  o arraial nascente. Pouso na sineira antiga e canto ladainhas com os velhos sinos velhos  da Igrejinha  primeira que rezou nessa terra vermelha: a Igrejinha de São Sebastião.

          Saudade feiticeira!  Carrega meu coração  para  o  Largo do Bem-Te-Vi e me conta histórias dos velhos tropeiros ... Entro em seus ranchos poéticos e escuto segredos do ouro dos Goiazes... Encho embornais  de  matulas na venda da Carioca e sigo em frente, plantando arraiais, plantando palavras, plantando histórias de além-mar...

           Ah, saudade feiticeira! Ela entra em  meu coração, apronta mágicas e o carrega por horizontes azuis, desenhados pela poesia...

         Por suas mãos tenho mil  faces : acordo com rosto de   de pôr- de-sol e vou dormir nos braços da Serra Azul da Saudade.  E é tanto azul  que ele se derrama no  manto bento da Senhora das Dores... A Santa Azul que  mora num altar, ladeada por anjos tocheiros. Às vezes, a saudade  faz outra bruxaria e eu fico com oito anos... Então, posso coroar a Santa Azul e brincar com as estrelas e luas de sua coroa  de sol... 

         Se fico cansada, a feiticeira voa comigo e eu cochilo com  os cânticos das procissões , e as ladainhas cantadas por vozes antigas. Cochilo com as danças do Congado e pago promessas ao redor da Igreja do Rosário...

         Gosto de viver  em companhia da minha amiga feiticeira: ela me traz rostos antigos e falas      queridas. Ela me diz versos  bonitos de poetas que não conheci...A feiticeira   me traz rosto de mãe, falas de pai, risos dos filhos pequenos. Outras vezes, me  pego de saia comprida, bichas de ouro nas orelhas e camafeu    numa bela correntinha. De repente, tenho quinze anos e  ouço serenatas românticas ao luar... 

         Não tenho medo da palavra PASSADO! É lá  que guardo quintais perfumados, casarões antigos,  e Natais encantados. É no passado que encontro histórias.Foi no passado que prendi - para sempre- um moço bonito com um lacinho azul na  lapela- magia das barraquinhas de maio...

 

          _ Quem falou que saudade é tristeza?   Saudade - para mim- é quase alegria – tem rosto, tem alma, tem voz e coração. É diferente de nostalgia .

         Nostalgia é saudade com uma roupagem de névoa, deformada, mal desenhada... Nostalgia é uma saudade   que  não consegue chegar ao  meu coração... Ronda, ronda, incomoda, incomoda e se vai... Saudade , não: chega, sente-se em casa, fica   morando comigo...

         Sou  tecelã do tempo, aquele que vigio dia e  noite, para tentar aprisioná-lo... Se  penso em deixar o tear encantado, logo aparece uma ponta de linha para eu puxar e tecer, tecer, tecer...

         Deus  meu, agora a saudade feiticeira fez uma grande mágica em meu coração:  ganhei de presente o  PASSADO de  minha terra, lugar encantado que fez sua  morada na Terra do Infinito. Um lugar onde tudo dormita no azul, aprisionado em fotos   com rosto de eternidade.

         Dê as mãos à saudade feiticeira: caia no colo da tradição, brinque de roda com a nossa Cultura. Pise  com passos de  nuvens, para entrar no reino encantado de nossa HISTÓRIA.

         Seu coração ficará bento, pensando que tem poderes mágicos...

         Acredite – tudo é  magia da Saudade Feiticeira...

 

         Dores do Indaiá, 14 de agosto de 2012.

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