terça-feira, 2 de junho de 2015


ANIVERSÁRIO DE VÓ.

         Maria

 

         Nunca fui muito de comemorar aniversários.Ainda mais  na idade de vó, sem o abraço do BEM... Acho forçado, acho  desnecessário, acho tudo   muito costa-acima - na gramática estrelada.

         Gosto do meu jeito de ser feliz  todos os dias, com aquela felicidade miúda, com as  lembranças de todos os dias, com as saudades de todos os dias, com as alegrias de todos os dias... Sem elas, eu não seria feliz: tudo tem seu lugar em meu coração: bulir naquele baú antigo, desencaixaria   as emoções e  a Maria sentiria falta de algum retalho de saudades, de um     remendo de alegria, de um bordado de lembranças, de um tiquinho de tristeza...

         Meu coração é rotineiro – não se dá ao luxo de novidades: elas  mudam seu rumo, mudam sua dança: ele até perde o jeito de ver as nuances  das cores do céu, mistura aurora com entardecer, mistura vozes, mistura  sons, fico fada, fico velha, fico menina, fico doida. Prefiro a mesmice: acho  meus azuis, meus sóis, meus afetos, minhas pequenas tristezas,  minhas rezas antigas –      Meu Deus, eu creio em Vós, espero em Vós e Vos amo de todo o meu coração. Eu Vos agradeço por me terdes criado, me feito cristão e me conservado nesta noite. Para Vossa glória eu Vos ofereço todos  os meus pensamentos, palavras e obras desse dia. Conservai-me em estado de graça, livrai-me de todo o pecado e de todo o  mal. Mãe Santíssima, anjo da minha  guarda, todos os anjos e santos do céu, rogai a Jesus por  mim, amém.”

          É assim que começo o meu dia, desde sempre – não sei onde aprendi a rezar assim; na igreja? com minha mãe? Tanto faz com tanto fez – nunca pensei em corrigir  nada, masculino, feminino,  imperativo...   fui descobrindo  o significado das palavras ao longo da vida. Pra que  mudar? Sempre deu certo, sempre rompi o dia - hoje mais longo , amanhã mais alegre - com essa reza rompi   adiante, não mudei nada. Muito menos no dia de meu aniversário...

         Então, todos os aniversários são  dias  iguais aos outros aqui  em casa: sem bolo, sem salgadinhos, sem brigadeirinhos,  sem palmas e sem grandes arroubos...

         Mas, a Luíza, minha  neta linda, pensa diferente,  sente falta da festinha, eu vejo que sente. Sempre passa aqui, fora de hora, quebrando a monotonia, sempre querendo enfeitar meu dia. Chega, dengosa, com estrelas nos olhos...Sempre  me pega em horas normais de trabalho – quer dizer, aulas...  Eu faço sinal de silêncio pra ela, ela entende, ri com os olhos apertadinhos, dá uma voltinha na casa e ...

 

         Nos dois   últimos anos, coincidentemente, eu estava dando aulas: ela chegou, ficamos em atitude de companheiras do grande segredo: pra não dizer que não falei de flores, fui lá dentro, trocamos  abraços e beijinhos, rimos, compactuadas com a magia do silêncio. Então, falei alto, para as  alunas ouvirem, só para ter o que falar:

         _Luísa, trata das galinhas pra vovó, trata?

         Tadinha, ela tem horror a galinhas, a bicos e cristas e cocoricós. Mas levou o pedido ao pé da letra!

         Daí um tempinho, ela volta, dá um tiauzinho, deixa mil beijos no ar da tarde azul e se vai...

         Final da aula...       

         Em cima de minha cama, uma cartinha da Luísa:

 

        “Vó, parabéns! Beijos, Luísa.      

         *Vó, você vai rir disso, mas fiquei com vergonha de falar   perto das mulheres (alunas)...Fiquei com medo de jogar milho para as galinhas. Elas estavam gritando demais  e tinha uma  solta... Sorry.

          Luísa.

 

          Em outro aniversário, lá vem a  minha  linda.

         Mesmo ritual,  mesmo pacto de silêncio.

         Deixei-a na cozinha, onde recebi seu carinho. Minha filha  também estava   em casa. Voltei às aulas e... o telefone tocou: era a Maria Inês (Miranda de Carvalho) de Belo Horizonte... Luísa   passou perto de  mim, apontou para um papel  que trazia nas mãos    lá se foi: tchau, tchau!!!

        

         “Vó. Vou embora. A geladeira caiu comigo. A  parte onde ficava a água (uma  parte de lado).

         A Tia Ana Rita já arrumou tudo.

         Tenho que ir. Acabar   de fazer reportagens.

         Amanhã, depois da aula, passo aqui. Beijos.

          Luísa.”

 

         Por essas e  outras, não preciso fazer empada e nem brigadeiro pra comemorar  meu aniversário de vó...

         _ Há presente  mais bonito que as cartinhas de minha neta de olhinhos puxados, há?

         Meu coração está falando que não há  nada  mais lindo...

          E ele sabe das coisas!

 

         Dores do Indaiá, 2 de junho de 2012.

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