ANIVERSÁRIO DE VÓ.
Maria
Nunca
fui muito de comemorar aniversários.Ainda mais
na idade de vó, sem o abraço do BEM... Acho forçado, acho desnecessário, acho tudo muito costa-acima
- na gramática estrelada.
Gosto
do meu jeito de ser feliz todos os dias,
com aquela felicidade miúda, com as
lembranças de todos os dias, com as saudades de todos os dias, com as
alegrias de todos os dias... Sem elas, eu não seria feliz: tudo tem seu lugar
em meu coração: bulir naquele baú antigo, desencaixaria as emoções e
a Maria sentiria falta de algum retalho de saudades, de um remendo de alegria, de um bordado de
lembranças, de um tiquinho de tristeza...
Meu
coração é rotineiro – não se dá ao luxo de novidades: elas mudam seu rumo, mudam sua dança: ele até perde
o jeito de ver as nuances das cores do
céu, mistura aurora com entardecer, mistura vozes, mistura sons, fico fada, fico velha, fico menina,
fico doida. Prefiro a mesmice: acho meus
azuis, meus sóis, meus afetos, minhas pequenas tristezas, minhas rezas antigas – “Meu
Deus, eu creio em Vós, espero em Vós e Vos amo de todo o meu coração. Eu Vos
agradeço por me terdes criado, me feito cristão e me conservado nesta noite.
Para Vossa glória eu Vos ofereço todos os meus pensamentos, palavras e obras desse
dia. Conservai-me em estado de graça, livrai-me de todo o pecado e de todo
o mal. Mãe Santíssima, anjo da
minha guarda, todos os anjos e santos do
céu, rogai a Jesus por mim, amém.”
É assim que começo o
meu dia, desde sempre – não sei onde aprendi a rezar assim; na igreja? com
minha mãe? Tanto faz com tanto fez – nunca pensei em corrigir nada, masculino, feminino, imperativo... fui descobrindo o significado das palavras ao longo da vida.
Pra que mudar? Sempre deu certo, sempre
rompi o dia - hoje mais longo , amanhã mais alegre - com essa reza rompi adiante, não mudei nada. Muito menos no dia
de meu aniversário...
Então,
todos os aniversários são dias iguais aos outros aqui em casa: sem bolo, sem salgadinhos, sem
brigadeirinhos, sem palmas e sem grandes
arroubos...
Mas,
a Luíza, minha neta linda, pensa
diferente, sente falta da festinha, eu
vejo que sente. Sempre passa aqui, fora de hora, quebrando a monotonia, sempre
querendo enfeitar meu dia. Chega, dengosa, com estrelas nos olhos...Sempre me pega em horas normais de trabalho – quer
dizer, aulas... Eu faço sinal de
silêncio pra ela, ela entende, ri com os olhos apertadinhos, dá uma voltinha na
casa e ...
Nos
dois últimos anos, coincidentemente, eu
estava dando aulas: ela chegou, ficamos em atitude de companheiras do grande
segredo: pra não dizer que não falei de
flores, fui lá dentro, trocamos
abraços e beijinhos, rimos,
compactuadas com a magia do silêncio. Então, falei alto, para as alunas ouvirem, só para ter o que falar:
_Luísa,
trata das galinhas pra vovó, trata?
Tadinha,
ela tem horror a galinhas, a bicos e cristas e cocoricós. Mas levou o pedido ao
pé da letra!
Daí
um tempinho, ela volta, dá um tiauzinho, deixa mil beijos no ar da tarde azul e
se vai...
Final
da aula...
Em
cima de minha cama, uma cartinha da Luísa:
“Vó,
parabéns! Beijos, Luísa.
*Vó, você vai rir disso, mas fiquei com
vergonha de falar perto das mulheres
(alunas)...Fiquei com medo de jogar milho para as galinhas. Elas estavam
gritando demais e tinha uma solta... Sorry.
Luísa.
Em outro aniversário, lá vem a minha
linda.
Mesmo
ritual, mesmo pacto de silêncio.
Deixei-a
na cozinha, onde recebi seu carinho. Minha filha também estava em casa. Voltei às aulas e... o telefone
tocou: era a Maria Inês (Miranda de Carvalho) de Belo Horizonte... Luísa passou perto de mim, apontou para um papel que trazia nas mãos lá se foi: tchau, tchau!!!
“Vó.
Vou embora. A geladeira caiu comigo. A
parte onde ficava a água (uma
parte de lado).
A Tia Ana Rita já arrumou tudo.
Tenho que ir. Acabar de fazer reportagens.
Amanhã, depois da aula, passo aqui.
Beijos.
Luísa.”
Por
essas e outras, não preciso fazer empada
e nem brigadeiro pra comemorar meu
aniversário de vó...
_
Há presente mais bonito que as cartinhas
de minha neta de olhinhos puxados, há?
Meu
coração está falando que não há
nada mais lindo...
E ele sabe das coisas!
Dores
do Indaiá, 2 de junho de 2012.
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