LAVADEIRAS
ESTRELADAS
Maria.
Morro
de saudades das lavadeiras de roupa lá de Estrela do Indaiá..
Era
um dia diferente, alegre, cheio de novidades...
Elas
chegavam carregando capangas cheias de ramos, colhidos aqui e ali e sempre
traziam um raminho de arruda atrás da orelha – junto com o pito de palha...
Sabiam
benzer de quebranto, mau- olhado, espinhela caída, pés- rachados, vento virado,
piolhos e, acima de tudo, sabiam mil mandingas para as moças arranjarem
namorados...
Seus nomes tinham outra música, tinham um quê
de magia, como aqueles ramos, aquelas rezas e as querelas que traziam...
SALVINA, MERENCIANA, BASTIANA, BÁ, DONETA ,SAZIRA, LETA DO TONHO, SACEZÁRIA,
NHANA, CHICA, CORINA, BECHOLA, MERENDOLINA...pareciam nomes de borboletas, de
siriricas, se elas tivessem nomes...
Algumas
doenças eram cochichadas,” menina
atrevida, isso não é assunto procê” escutá...
Mesmo
assim, eu descobria os assuntos impróprios : doenças de resguardo de parto,males de mulher de moda, (tradução:
grávidas, palavra nunca sabida naqueles tempos) falta de apetite de moças
solteiras e que estavam ficando pra titia...”Repara nos suspiros dela – é falta de marido...”
Traziam
novidades fresquinhas de namoros proibidos: “Eles fugiram de madrugada, ela deixou a janela do quarto
aberta, ele foi de jipe e roubou ela, lá da fazenda...
A
lorota continuava:
“Bem
que a comadre Sinésia estranhou o tanto de anágua, de combinação e corpinho que
a moça pôs pra lavar... E teve inté de engomar tudo...(Um suspiro fundo e
cansado marcava uma pausa)
Aí,
arranjaram testemunhas, foram pra Luz, o Bispo casou os dois e pronto...
O
pai dela teve que engulir...A coitada da mãe
ficou de cama três dias – até fui lá benzê ela de espinhela caída...
E hoje eles vivem a pão-de-ló, numa
casa boa e ela já tá de moda...
E
a lavadeira desenhava UM NOME DO
PADRE no
peito magro, esconjurando tanta falta de juízo...
O
cochicho continuava dia afora, e a Madrinha Maria trançava da cozinha para a
casinha de lavar roupa. O tacho grande soltava uma fumaça cheirando a sabão de
pelota, patchuli e folha de mamão pra clarear a roupa que fervia...A meninada
trançava também e bispava tudo.
Eu,
aproveitava –zanzava o dia todo, de casa em casa, ia de vizinha em vizinha:
gostava de ver as roupas dos vizinhos corando na grama, em matinhos da beira da
casa. Gostava de imaginar as anáguas das moças da casa dançando... Gostava de
imaginar os vestidinhos das meninas da casa brincando de roda...Gostava de
ouvir os casos de amores proibidos, de doenças e benzeduras...
A
hora do almoço era outra festa: sempre havia a companhia de pessoas que
trabalhavam na casa e, não raro, da própria patroa, geralmente, comadre da
lavadeira...
Servir
o prato, lá no fogão a lenha, era um ritual respeitoso e tradicional: hora de comida era um hora sagrada!
Primeiro,
o feijão bebido, coberto de
farinha... A um canto, um montão de arroz, no outro, macarrão de buraquinho,
com molho de tomatinhos e belos pedaços de carne de porco, torresmo, mandioca...
O cheiro era tão gostoso, elas comiam com uma boca tão boa!... Depois, limpavam
as mãos na barra do vestido, no pano da cabeça e... cantavam o ofício de Nossa
Senhora, enquanto faziam o quilo... Outra
hora benta, da qual nunca vou-me esquecer
Cresci
neste meio simples e poético: cresci ouvindo histórias que eu só via nos livros de fábulas, de príncipes e
princesas. De verdade, eu vivia em um reino de fantasia...
O
cochicho continuava dia afora, e a Madrinha Maria trançava da cozinha para a
casinha- de- lavar- roupa. O tacho grande soltava uma fumaça cheirando a sabão-preto,
de pelota, patchuli e folha de mamão pra
clarear a roupa que fervia...A meninada trançava também e bispava tudo.
Cresci,
com cara-de-fada, com cabecinha no ar e coração doidinho...
Hoje
sou uma vovó-menina, uma velha-mocinha-velha: tudo por culpa de uma certa
Estrela...
Se
não morei numa estrela de verdade, daquelas lá do céu, juro que vivi num Reino
Encantado....
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Dores do Indaiá, 23 de maio de 2014.
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