terça-feira, 10 de junho de 2014


QUARTO DE COSTURA

Maria
Para o Dia dos Namorados,
(Lembrando o começo de namoro com o BEM, no ano de 1953)

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                Eu tive e perdi um certo quarto de costura.

        Eu tive e perdi uma janela, um alpendre, um calçadão na Avenida.

        Ele era o ponto de encontro das damas chiques da cidade. Minha tia Helena costurava em meio a conversas sobre cinema, sobre livros e, sobretudo, falava-se de moda.

        Considero puro milagre minha tia não errar as costuras misturadas a conversas tão animadas...

        Quando vim estudar aqui, menina ainda, não era admitida nas rodas de gente grande. Ficava estudando na sala ao lado, escutando as conversas, descobrindo as coisas.

        Bendita mesa de jantar, onde eu estudava, bem em frente à porta da rua!

        Ouvi palmas. (Não existia campainha nas portas...)

         Fui descalça mesmo atender.

        _ Diga pra sua tia que a Laura não pode provar o vestido , na hora marcada – vem às quatro horas.

        Nunca mais perdi o moço de vista. Achei-o lindo, de covinhas no rosto, uma barba azulada na pele clara... Só pensei que “era uma pena lhe faltar um dente, mesmo na frente!”

        Guardei o segredo do moço e, da janela do quarto de costura, enquanto as visitas não chegavam, eu o seguia , com os olhos, na ida e vinda do Banco... Limpava a poeira da janela pra minha tia não desconfiar...

        Ficava olhando o seu sorriso, o seu olhar comprido lá da porta do Banco e ele era o último a entrar, depois de me fazer um leve cumprimento de cabeça...

        Nunca um quarto de costura foi tão varrido, tão limpo, tão esfregado! Com a (im)paciência de quem espera um grande momento, eu espetava, na mesa macia, cada um dos mil alfinetinhos que achava espalhados pelo chão, com um cuidado especial, fazendo o tempo coincidir com a passagem do moço bonito: quando ele sumia na rua, eu espetava o último alfinete. Toda a tarde era a mesma coisa...

        Quantas vezes escondi meu prato dentro do forno só para ver o moço “sem dente na frente” passa... Quantos tropeções, quanto papel jogado no passeio, só para ter a desculpa de ganhar seu sorriso...

        Minha tia Helena fazia maravilhas de roupas para as noivas. Eu sonhava, sonhava, olhando a prova dos vestidos longos, das camisolas compridas abertas em rendas... Eu sonhava com o moço do Banco e, no lugar das noivas, eu me enxergava dentro de mil véus,

De mil laços, com mil saias...

        Aos poucos, fui sendo admitida nas rodas das damas e já aprendia a fazer os arremates nas costuras..... A máquina rodava e eu sonhava, em meio às rendas, bordados e fiapos de conversas... Enquanto isso, o moço passava e continuava a me dar um sorriso...

        ‘Cada freguesa, cada amiga ensinava uma coisa, emprestava um livro, ensinava uma receita para resfriados, receitas de bolos... E eu ia crescendo... E o namoro-de-longe também crescia...

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        Hoje passei lá na Avenida.

        O quarto de costura está lá. Falta uma máquina, uma tia.

        O moço do Banco? Lacei-o para mim...

                 A falha de dentes? Não era uma falha, eram os dentes separados, uma característica que me encantava sempre...

        Em nossas conversas, rimos muito... Eu falo:

_      Não fosse a falha de seu dente... sei não...

        E ele confessa rindo que, ao ver meus pés tão branquinhos, ficou preso para sempre....

        Pois é.

Eu tive uma rua, um quarto de costura, uma jnela que perdi...

        Mas lacei um BEM. Pelos pés...

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Dores do Indaiá, 18 de abril de 1999.

         

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