terça-feira, 3 de junho de 2014


LOÇÃO / NOÇÃO

 

A moça chegou.

Sua beleza – quase primitiva – inundou a sala quente e barulhenta.

Por aqui – meio rural – ainda podemos encontrar aquela beleza que não conhece shoppings, salão de beleza, dietas e maquiagens sofisticadas. A linguagem seguia o mesmo modelo. Mas tudo tinha uma graça singela, uma presença pura, uma brejeirice do sertão.

Quando ela entrou, a roça entrou junto. Cantos de pássaros, pastos verdes, flores do campo, cheiro de terra, frescor de água.

Meu coração tem um pé na roça. Ele se enternece com a visita da poesia das fazendas de minha terra.

A moça falou de chuvas e sóis, de poeira e secas, de flores e fontes, de olhos d’água e teares.

Tinha aquela despreocupação própria dos simples: a vida lhe era infinitamente generosa – tinha tudo para ser feliz!

Um retiro, umas vaquinhas, galinhas, ovos, um chiqueiro “limpinho, dona”, uma hortinha e canteiros de flores na porta da casa.

- Que cabelo mais bonito!

- Ah! Eu lavo ele é com babosa...

-Que perfume mais suave de sua roupa!   

- É qui eu põe patchuli dentro da caixa...

A “sala de serviços burocráticos” deu uma parada e a moça encheu os arquivos e gavetas e mesas e livros e computadores e impressoras de uma fala mansa e antiga. Sem pressa, sem correria, com todo o tempo dentro de suas mãos...

Então, chega o filho da moça, candidato a um lugar na Kômbida, para estudar em outra escola rural. Outro pedaço das Gerais, outro pedaço do Brasil de pés no chão, aquele Brasil que insiste em suas origens. O Brasil bravio, sertanejo, roceiro, que pisa na terra vermelha, abrindo trilhas em meio ao cerrado-de-pernas-tortas.

O menino achegou-se ao colo farto da mãe, ao colo mineiro, ao colo do sertão do Brasil.

- Mãe, eu quero vim é na Kômbida do homi de boné verde...

- Ah! Mas ele invém é cedim... E sua iscola é di tardi...

- Ah! Mais eu quiria era o Kombideiro de boné verde...

E a moça, iluminando a sala com seu jeito singelo, explicou:

- Tadim... Ele não tem LOÇÃO de nada...

Do alpendre – trabalho em um prédio antigo, com alpendre, uma joia antiga – segui os dois com o olhar...

O marido esperava a mulher e o filho numa charrete romântica e poética. Empoeirada e rústica como nossas roças antigas.

Lá se foram eles!

- Ah! vontade de não ter LOÇÃO de nada...

- Ah! vontade de ter uma roça perfumada, uma escolinha na curva da trilha, uma touceira de babosa para lavar meus cabelos...

Ah! vontade de não ter LOÇÃO deste mundo moderno e doido, onde o tempo leva tudo para lugar nenhum.

- Ah! vontade de não ter LOÇÃO de nada e carregar o tempo dentro de uma charrete cheirando a patchuli...
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Dores do Indaiá, 14 de janeiro de 2005

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