LOÇÃO / NOÇÃO
A moça
chegou.
Sua
beleza – quase primitiva – inundou a sala quente e barulhenta.
Por
aqui – meio rural – ainda podemos encontrar aquela beleza que não conhece
shoppings, salão de beleza, dietas e maquiagens sofisticadas. A linguagem
seguia o mesmo modelo. Mas tudo tinha uma graça singela, uma presença pura, uma
brejeirice do sertão.
Quando
ela entrou, a roça entrou junto. Cantos de pássaros, pastos verdes, flores do
campo, cheiro de terra, frescor de água.
Meu
coração tem um pé na roça. Ele se enternece com a visita da poesia das fazendas
de minha terra.
A moça
falou de chuvas e sóis, de poeira e secas, de flores e fontes, de olhos d’água
e teares.
Tinha
aquela despreocupação própria dos simples: a vida lhe era infinitamente
generosa – tinha tudo para ser feliz!
Um
retiro, umas vaquinhas, galinhas, ovos, um chiqueiro “limpinho, dona”, uma hortinha e canteiros de flores na porta da
casa.
- Que
cabelo mais bonito!
- Ah!
Eu lavo ele é com babosa...
-Que perfume mais suave de sua roupa!
- É qui eu põe patchuli dentro da caixa...
A “sala
de serviços burocráticos” deu uma parada e a moça encheu os arquivos e gavetas
e mesas e livros e computadores e impressoras de uma fala mansa e antiga. Sem
pressa, sem correria, com todo o tempo dentro de suas mãos...
Então,
chega o filho da moça, candidato a um lugar na Kômbida, para estudar em outra escola rural. Outro pedaço das
Gerais, outro pedaço do Brasil de pés no chão, aquele Brasil que insiste em
suas origens. O Brasil bravio, sertanejo, roceiro, que pisa na terra vermelha,
abrindo trilhas em meio ao cerrado-de-pernas-tortas.
O
menino achegou-se ao colo farto da mãe, ao colo mineiro, ao colo do sertão do
Brasil.
- Mãe,
eu quero vim é na Kômbida do homi de
boné verde...
- Ah!
Mas ele invém é cedim... E sua iscola é di tardi...
- Ah!
Mais eu quiria era o Kombideiro de boné verde...
E a
moça, iluminando a sala com seu jeito singelo, explicou:
-
Tadim... Ele não tem LOÇÃO de nada...
Do
alpendre – trabalho em um prédio antigo, com alpendre, uma joia antiga – segui
os dois com o olhar...
O
marido esperava a mulher e o filho numa charrete romântica e poética.
Empoeirada e rústica como nossas roças antigas.
Lá se
foram eles!
- Ah!
vontade de não ter LOÇÃO de nada...
- Ah!
vontade de ter uma roça perfumada, uma escolinha na curva da trilha, uma
touceira de babosa para lavar meus cabelos...
Ah!
vontade de não ter LOÇÃO deste mundo moderno e doido, onde o tempo leva tudo
para lugar nenhum.
- Ah!
vontade de não ter LOÇÃO de nada e carregar o tempo dentro de uma charrete
cheirando a patchuli...
............................................................................................................................
Nenhum comentário:
Postar um comentário