quinta-feira, 25 de agosto de 2016


CHUVA DE POESIA

Maria.

(Essa crônica é para lembrar o Sô Tavinho, que ganhou -de presente -um Memorial com seu nome, lá em Estrela do Indaiá: MEMORIAL OCTÁVIO SILVA)

 

 

         - Onde a poesia me encontrou?

         -Onde eu encontrei  a poesia?

         De verdade, de verdade, não sei apontar um único lugar, um único momento pra falar: FOI AQUI!

         De vez em quando, consulto meu coração e penso, penso...

Mas descobri:  a poesia  é diferente de pessoas, é diferente de reis, rainhas, Papas, Presidentes... Poesia não precisa de Certidão de Nascimento – ela já existe sozinha. Penso que ela nasceu quando Deus fez o mundo e ficou por aí, em qualquer cantinho, em qualquer nuvem, em qualquer sorriso. Assim, feito a alegria, a felicidade, os sonhos.

          Eu nunca vi a poesia..Mas, que ela existe, existe.

          _Onde encontrá-la?

         _Não sei ao certo...

         Pensando bem, encontrei a poesia em lugares nunca dantes navegados, em lugares simples demais, em recantos escondidos demais, em flores pequenas demais, em falas , em abraços, adeuses e chegadas...Encontrei a poesia valsando lânguidas valsas, entoando cânticos em igrejinhas, rezando ladainhas e até na boca do leiloeiro de prendas das barraquinhas de maio: Quanto me dão por este rebuçado?...

         Pensando bem, se eu quiser aprisionar a poesia para lhes mostrar o rosto que ela tem, não conseguirei: ela é feiticeira, não se deixa aprisionar, assim, só numa concha de mão...

         Assim- assim,... com encontro marcado, tenho certeza, não a encontrarei. A poesia é misteriosa: se marco dia e hora para nos vermos, ela me escapa... Se eu não espero, nem estou me lembrando dela, lá vem a   dama encantada e me carrega nos braços...

         Pois então: eu era bem mocinha, meninota, vivia em uma certa estrela – Estrela doo Indaiá.

         Uma chuvinha fina, daquelas de molhar bobo, desmanchou o vaivém que a moçada fazia em frente ao Bar Avenida, ao ladinho da igrejinha .

         Naquele tempo, andávamos pelo calendário da Folhinha Mariana e ela bem que avisou que teríamos chuva... Mas, fingimos não acreditar...Não queríamos acreditar, porque havia a promessa de novidades no ar... A decepção de ficarmos sem o vaivém foi grande... O lugar era tão carente de surpresas boas!

         Decepção maior por causa da inauguração do  SERVIÇO DE ALTO-FALANTE IRMÃOS VASCONCELOS  - coisa vista só em Parques e Circos – cometas luminosos que apareciam de quando em quando...

         Todo mundo de roupa nova, papelotes nos cabelos, pintinha de lápis no rosto, uma noite especial. Era só pedir uma música – num papelzinho rabiscado às pressas- e a voz possante do Nonô e do Viê – irmãos estudantes em férias_ faria a mágica dos ouvintes.

         Tudo de graça- tudo dado – como dizia a Estrela toda: brinde da estreia que a chuvinha fina atrapalhou...

         Fomos dormir, chuezinhas, eu penso que nossos olhos choravam como a chuvinha...O silêncio na Estrela era total, só o barulhinho da chuva mansa no telhado antigo...

         De repente, milagre!

         Um voz diferente, sem a energia dos dois locutores jovens e treinados para a doce aventura de anunciar amores e carinhos que alguém oferece a alguém e só este alguém sabe quem...

         Maravilha! Alguém se apossara do microfone, coisa chique demais para nosso lugarzinho encantado! Quem seria aquele estranho que sabia lidar com tão importante aparelho?

         Fui prestando atenção naquela suavidade de voz, mais suave do que a chuvinha que caía...

         Descobri: era o Sô Tavinho, aquele velhinho miúdo, aquele que era ator nos teatros, aquele que sabia mil poemas de cor...Nas festinhas em sua casa – e eram muitas – ele sempre recitava ( ainda existe esta palavra?) para nós...

         Assentei-me na cama, minha irmã fez o mesmo. Estávamos paralisadas pela beleza do momento – ninguém ousava falar, nem com os olhos...

         Por sobre nosso telhado, havia um dueto: a voz macia da chuva, a voz macia do Sô Tavinho:

 

DEUS ...plim..plim..plim...

Olavo plim...plim.. Bilac

 

Para experimentar Otávio....plim.plim..plim...

O mestre diz:plim...plim...plim...

“Já que tudo sabe, venha cá! Plim..plim...plim...
plim...plim...plim...plim...

Em que parte da extensão terrestre,
Ou da extensão celeste Deus está!”plim..plim...

 

Por um momento apenas fica mudo
Octávio, plim...plim...plim

e logo esta resposta dá :Plim..plim...plim...:
“Eu, senhor mestre, plim...plim... lhe daria tudo, plim...plim...
Se me dissesse plim...plim... onde é que ele não está!”plim..plim...

 

Plim...plim...plim...plim...plim...plim...plim...plim...plim-im-im-immmmmmmmmmmmmmmmmmmmm

 

        Eu não sei ao certo, mas desconfio de que, essa poesia jogada à chuvinha miúda, por aquela voz cadenciada, quase chuviscando...

        Eu desconfio de que, naquela noite branca da Estrela, eu tive um belo encontro com a poesia.

        Acho que até combinamos de sempre estarmos por perto uma da outra.

        Tudo por culpa de uma CHUVINHA FINA E A VOZ DE UM POETA SONHADOR....

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