CANTORA
ANTIGA
MARIA
(Para a Aida, de Petrópolis , que tinha
vontade de reler a crônica.)
Obrigada, Aida! Espero que os outros
leitores também a apreciem, como você)
Todo
mundo, em lugar pequeno, fica destacado e conhecido por alguma coisa diferente
que faz. Meu pai, por exemplo, era conhecido por saber outras línguas e,
principalmente, por usar um terno avançadíssimo pra a época e que ficou chamado
de TERNO COR-DE-ROSA... O terno era lindo, de panamá e, pra falar a verdade,
ainda hoje não sei definir a sua cor: assim, assim, entre o creme e o pêssego....
Se
encontro alguém do tempo dele, as duas observações vêm juntas, como gêmeas:
_
Seu pai era um crânio! O professor de francês falava, falava, falava a aula
inteira... Ninguém entendia nada... Aí, o Zurinho (seu nome era Osório )levantava, repetia tudo
e explicava o que era...
Cresci
orgulhosa daquele pai que se sobressaía numa escola avançada e moderna para a
época:escola para adultos, isso lá no
início da década de 20, onde havia alunos vindos de outros Colégios.Meu pai,
que era autodidata- e cresceu na roça- se destacava tanto!
Então,
quando me encontro com alguém conhecido, eles se lembram da fama de
inteligência do meu pai e, a outra pergunta vem logo:
_
Seu pai era aquele que tinha um terno COR-DE-ROSA?
Tento
definir a tal cor que, de certa forma, sempre me incomodou um pouco...Pensando
bem, meu pai não seria tão ousado, nem
seria capaz de usar um terno COR-DE-ROSA... Nem com toda elegância e charme –
características do Sô Zurinho – a época não comportava um senhor vestido
daquela maneira. Mas, não teve jeito – o terno ficou sendo COR-DE-ROSA mesmo...
Lá
em casa era assim: minha irmã erd a BONITA, meu irmão mais velho era o INTELIGENTE,
porque, aos quatro anos, sabia de cor,todos
os Estados e Capitais do mundo... Eu era a MIMOSA, o que pode ser traduzido por
feinha e, talvez, simpática...dos outros irmãos menores, um era o LEVADO, outro
era O QUE CHIAVA , outro era o MIUDINHO
e, o último, era o dos OLHOS
BONITOS... Mamãe, por ser muito retraída, era a SISTEMÁTICA.
Com
o passar do tempo, cada um angariou novos títulos na pequena Estrela do Indaiá.
E eu, depois de “virar professora na Capital
do Estado”, título respeitadíssimo para a época, fui promovida de MIMOSA para
CANTORA DE FADOS... Claro, como meu pai, eu era avançadíssima para o lugar! E, como estava na
moda, incluí em meu repertório de cantora das festinhas, os mais belos fados de
Portugal, pois, pois...
Então,
esqueceram o MINOSA – o que, também, de certa forma, me incomodava um pouco...
Então,vem
sempre a pergunta quando a gente se encontra:
_
Branca, você ainda canta LISBOA ANTIGA?
Fico
meio sem jeito - (meu Deus, não é à toa que falam que sou a cara do pai)..
Outro
dia o telefone tocou:
_Branca,
sonhei com você a noite toda...
_
Ah, Creusa, que saudade!
_Olha,
sonhei que você estava cantando LISBOA
ANTIGA, a maior beleza, em cima de um barril!
_
Onde? Em cima de um barril?!...
E
eu, de cá, pensando no tempão que já passou, nos netos que já tenho, no regime
que começo toda segunda-feira... E eu, de cá, pensando nas fitas grisalhas que
nem sei quem colocou nos meus cabelos, nas pintas antipáticas que marcam minhas
mãos, nos óculos que detesto - e que tenho de carregar, bem no meu nariz... E
eu, de cá, pensando, pensando, pensando em...em...
(Ah,
Deixa pra lá...)
Corajosa,
com voz alegre e segura, respondi à querida amiga:
_ Olha Creusa, ainda canto LISBOA ANTIGA do mesmo jeito... Agora, subir em um barril, não garanto mais...
E
rindo, com o coração ditando os versos antigos para mim, cantarolei a velha
canção a amiga de Estrela, como nos velhos tempos...
Nos
velhos e queridos tempos...
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Dores do Indaiá, 6 de maio de 1979.
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