DECORANDO CAMINHOS
Maria
Meu pai
carregava a minha triste malinha: eu ia ficar aqui para estudar na famosa
Escola Normal.
Naquele
dia, sua fala era diferente, em tom de professor, em tom de pai zeloso.
Embora
eu vivesse entre Estrela e Dores, parece que, naquela tarde, eu pisava aquele
caminho pela primeira vez. Alguma coisa me contava que agora eu percorreria
aqueles caminhos sozinha, sem ninguém por perto. O olhar seria só o meu, a
escolha seria só minha – eu teria que guardar os lugares de que meu pai falava, que meu pai me ditava.
A casa
da tia Santa ficava bem longe, pertinho do Morro da Capelinha. Havia muitos
caminhos para se chegar até lá.
Eu,
menina, avoadinha, coração apertado, ia ficar sozinha na cidade grande. As
lágrimas dançavam nos meus olhos e eu piscava miudinho, mi-u-di-nho-o-o-o...
Não
podia me esquecer da nossa casa, da igrejinha, de mamãe e da “Ana da mamãe”...
No
ônibus do Bizinho, olhei para trás, olhei, olhei, olhei... Meus quatro irmãos
pequenos, assustadinhos com a falta da irmã, companheira de venturas e
aventuras. Peti, minha bela irmã, espantava o choro varrendo o passeio...
Com
essa imagem no coração, vim para ficar.
Meu pai
falava:
- Nesta
Padaria, você pode comprar merenda.
Eu
decorava o nome: “Padaria do Alcides”.
- Nesta
loja, você pode comprar o que faltar.
Meu
coração decorava: “Casa Seleta”, do Lima...
Passamos
pela Matriz, onde entramos para a costumeira visita ao Santíssimo Sacramento.
Minha
malinha marrom rezou conosco, quietinha no banco. Eu olhava para ela e não
sabia qual de nós estava mais triste...
Correios de um lado, pensão da D. Mariazinha
do outro...
Paramos
perto da casa/loja do Cornelinho, onde é hoje a Tarumã. A voz de papai mudou de
tom. Agora era uma voz preocupada. Percebi a mudança e procurei guardar suas
palavras, procurei captar aquele tom preocupado e enérgico.
Papai
parou. De verdade, nunca havia reparado em tantas ruas por onde eu poderia
passar. Ruas que eu conhecia tanto... Só não conhecia a alma de cada uma...
A voz
de meu pai fincava nomes em minha cabeça: - Nessa você pode passar...
Meu
coração marcou a rua tão conhecida, a rua do portão grande, gran-an-de do
quintal do tio Zé Mariquinha, onde eu pegava fogo com os primos, Helena, Odete,
Marcondes, Joaquim, Zé Franco... Tia Clarinda, de vez em quando, jogava uma
zanga no ar, que o vento tratava de espalhar depressa. Ah! portão querido!
-
Naquela de lá, pode passar...
Meu
coração marcou a Rua da D. Belinha,
rua em que eu nasci... Ah! Rua querida!
Aí,
veio o aviso sério:
- Nesta
aqui, olha bem, nesta você não pode passar... nunca... nunca... nunca!
Seguimos
por ela e meu coração não via nada de diferente: casas, mulheres, crianças,
galinhas, cachorros, açougues, carroças e... um bar.
- Bar
Maravilha!
Meu
coração achou o nome lindo!
Repeti
encantada:
- Bar
Ma-ra-vi-lha!
Naquele
tempo, meninas e moças não entravam em bares. Mas aquele nome me encantou.
- Marca
bem essa rua, minha filha! Sozinha, você não pode passar por aqui!
- Por
que, papai?
Ele não
respondeu. Mas, em conversas com os primos e ouvindo conversa “gente de
grande”, eu soube que ali moravam as “mulheres de vida alegre”, um mistério que
nos escapava.
O
ônibus levou meu pai para Estrela. Fiz o caminho de volta sozinha: Farmácia do
Jacinto, Casa Seleta, Bar Central, Padaria do Vasco, bancos, Clube Velho, Dr.
Zacarias, Matriz, o coreto poético com seu chapeuzinho de lata...
Os
postes, no meio da rua, tudo fica longe... De repente, a Casa do Cornelinho.
- E
agora?
(Essa
pode, essa não pode, nunca, nunca, nunca...)
Meu
coração batia aflito. O suor pingava.
Minha
cabeça girava e minhas pernas eram de gelatina. Desorientada não conseguia
achar a rua certa. O sol já cochilava e procurava seu ninho no canto do céu.
Limpei
os olhos, respirei fundo e escolhi uma das ruas.
-
Benzadeus! Bar Ma-ra-vi-lha!
O choro
correu livre...
Assustada,
bati palmas em uma porta. Uma mulher, de cara boa, batom vermelho e vestido
ramado me atendeu. Pedi água. A voz da mulher era alegre e eu fiquei mais
calma...
- A
senhora sabe onde mora a tia Santa?
- A
Santa bordadeira?
- É
essa mesma! Graças a Deus!
Subi a
rua, subi o morro de mãos dadas com a boa mulher. Sua mão me protegia e eu até
pensava que ela era o meu Anjo da Guarda.
Minha
tia Santa ficou espantada quando me viu chegar de mãos dadas com uma mulher
bonita, de batom e de vestido ramado.
-Uma mulher
de vida alegre, cochichou tia Santa. Psiu!
Meus primos Moacir e Dalva não entendiam nada!
Nem eu!
Ao
despedir-me da boa mulher, completei o espanto dos belos olhos azuis de minha
tia Santa. Emocionada, querendo agradar, caprichei no agradecimento:
-Deus
lhe pague, Dona MULHER DA VIDA ALEGRE!
que texto lindo dona Branca!
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