quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016


CASA ARRUMADA

                        Maria

Hoje, pela primeira vez, depois das férias de julho, conseguimos varrer debaixo de todas as camas. Ainda achamos um canivete e um pezinho de meia dos netos.

Quantas vezes eu pensava, com o coração de dona de casa na ponta da língua:

- Nem vou acreditar, no dia em que vir essa casa arrumada de novo!

Sabe quando você perde o controle, perde o fio da meada? Eu estava assim.

Para passar roupa, enchia a cama  com as malas e sacolas que estavam em cima da mesa de passar. Depois, pra deitar, enchia, de novo, a mesa com as sacolas; colchões enrolados e espremidos nos menores cantinhos. Por cima deles, um monte de travesseiros e cobertores se equilibrava o dia todo. Pareciam mulheres gordas com enormes trouxas na cabeça.

Os discos se misturaram todos – hoje achei uma capa recheada com cinco e quatro vazias, vazias. Também, achei (e fiz bolinha) do último par de meias que estava perdido.

A maleta de ferramentas do BEM foi, milagrosamente, salva dos netos que enchem as paredes de sinal de martelo e que somem todos os pregos. Aliás, em cima do guarda-roupa é o lugar ideal, o esconderijo para os netos que ainda estão pequenos. De lá, descemos hoje, majestosamente, as tesouras, o bauzinho de costura, a casinha de espetar as agulhas e alfinetes e as facas perigosas para crianças.

Também tive um alívio ao encontrar a jaqueta cinza do BEM, que curtiu um bom frio junto aos netos. Não fosse a carestia, juro, comprava outra...

- Onde ela estava? E ele a olhava como se fosse nova.

- Por baixo do seu terno do casamento.

Também, para surpresa minha, meu filho caçula conseguiu achar suas malas, enchê-las de mil tênis, achar os cadarços de todos; achei-o mágico em conseguir separar tudo e puxar o zíper das sacolas, com cara meio triste de estudante em fim de férias. De repente, vira homem e ajeita tudo sozinho.

Por Deus, não sei como todo mundo comia, como todo mundo saía limpinho e cheiroso, onde achavam suas toalhas e seus sabonetes. Pra mim, nessas férias, com casamento e tudo, o maior triunfo é o retrato da família reunida, todos com roupas impecáveis, de gravatas e coisa e tal. Só a dona da casa ficou sem a bolsa de seus sonhos no retrato, porque “a bolsa se esqueceu de avisar que também queria ir à igreja”. Bem que falo: - “Num dia assim, bolsa, abotoaduras, ferro ligado... Uma cabeça só não aguenta mesmo, apesar das listinhas postas no telefone... “Buscar mandiocas”, “engraxar sapato preto”...

Pois é. Mas a casa está arrumada. Os chuveiros com seus filhotinhos-chuveirinhos na ponta da mangueira, o telefone tocando alto de novo, as paredes limpas, brilhando. Os vasos de flores voltaram pra seus lugares e os talheres das visitas já dormem de novo em suas caixinhas.

Ah, mas que casa grande, reclama o meu outro coração – o de mãe, o de vó...

Ah, mas que casa mais sem pó!

Que forro mais metido, de nariz engomado em cima da mesa que brilha de limpa.

Que tacos mais pretensiosos, refletindo a imagem de quem neles se mira.

Que silêncio mais antipático, esse que enche a sala, os quartos e o quintal.

Silêncio é bom quando, nos intervalos da barulheira, um dos netinhos dorme ou a turma miúda sai para dar uma volta! Silêncio é bom quando se sabe que é um silêncio medido que, a qualquer hora, se interrompe com a alegria de alguém.

Mil vezes a casa de pernas pro ar; mil vezes a toalha de plástico, toda manchada das mãozinhas levadas.

Mil vezes tesouras e agulhas perdidas, chuveiros com a mangueira amarrada, até o chuveirinho aparecer...

Mil vezes ir ao casamento sem a bolsa “translumbrante!!!”

Mil vezes mil!

Quero essa casa desarrumada, bagunçada de novo. Só assim o meu coração entra nos eixos, dança alegrinho e moderno, cá dentro.

Porque já descobri: quando a casa está arrumada, é um descompasso no peito! Quando as vidraças estão brilhando, as lentes de meu olhar ficam embaçadas e nada consegue fazer meu coração dançar no ritmo. Ele fica jururu, dançando umas valsas tão antigas, tão lentas, que tenho até receio de que ele vá parar numa dessas voltas antigas...

--Será por quê?

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Dores do Indaiá, 25 de agosto de 2000

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