CASA ARRUMADA
Hoje,
pela primeira vez, depois das férias de julho, conseguimos varrer debaixo de
todas as camas. Ainda achamos um canivete e um pezinho de meia dos netos.
Quantas
vezes eu pensava, com o coração de dona de casa na ponta da língua:
- Nem
vou acreditar, no dia em que vir essa casa arrumada de novo!
Sabe
quando você perde o controle, perde o fio da meada? Eu estava assim.
Para
passar roupa, enchia a cama com as malas
e sacolas que estavam em cima da mesa de passar. Depois, pra deitar, enchia, de
novo, a mesa com as sacolas; colchões enrolados e espremidos nos menores
cantinhos. Por cima deles, um monte de travesseiros e cobertores se equilibrava
o dia todo. Pareciam mulheres gordas com enormes trouxas na cabeça.
Os
discos se misturaram todos – hoje achei uma capa recheada com cinco e quatro
vazias, vazias. Também, achei (e fiz bolinha) do último par de meias que estava
perdido.
A
maleta de ferramentas do BEM foi, milagrosamente, salva dos netos que enchem as
paredes de sinal de martelo e que somem todos os pregos. Aliás, em cima do
guarda-roupa é o lugar ideal, o esconderijo para os netos que ainda estão
pequenos. De lá, descemos hoje, majestosamente, as tesouras, o bauzinho de
costura, a casinha de espetar as agulhas e alfinetes e as facas perigosas para
crianças.
Também
tive um alívio ao encontrar a jaqueta cinza do BEM, que curtiu um bom frio
junto aos netos. Não fosse a carestia, juro, comprava outra...
- Onde
ela estava? E ele a olhava como se fosse nova.
- Por
baixo do seu terno do casamento.
Também,
para surpresa minha, meu filho caçula conseguiu achar suas malas, enchê-las de
mil tênis, achar os cadarços de todos; achei-o mágico em conseguir separar tudo
e puxar o zíper das sacolas, com cara meio triste de estudante em fim de
férias. De repente, vira homem e ajeita tudo sozinho.
Por
Deus, não sei como todo mundo comia, como todo mundo saía limpinho e cheiroso,
onde achavam suas toalhas e seus sabonetes. Pra mim, nessas férias, com
casamento e tudo, o maior triunfo é o retrato da família reunida, todos com
roupas impecáveis, de gravatas e coisa e tal. Só a dona da casa ficou sem a
bolsa de seus sonhos no retrato, porque “a bolsa se esqueceu de avisar que
também queria ir à igreja”. Bem que falo: - “Num dia assim, bolsa, abotoaduras,
ferro ligado... Uma cabeça só não aguenta mesmo, apesar das listinhas postas no
telefone... “Buscar mandiocas”, “engraxar sapato preto”...
Pois é.
Mas a casa está arrumada. Os chuveiros com seus filhotinhos-chuveirinhos na
ponta da mangueira, o telefone tocando alto de novo, as paredes limpas,
brilhando. Os vasos de flores voltaram pra seus lugares e os talheres das
visitas já dormem de novo em suas caixinhas.
Ah, mas
que casa grande, reclama o meu outro coração – o de mãe, o de vó...
Ah, mas
que casa mais sem pó!
Que forro
mais metido, de nariz engomado em cima da mesa que brilha de limpa.
Que
tacos mais pretensiosos, refletindo a imagem de quem neles se mira.
Que
silêncio mais antipático, esse que enche a sala, os quartos e o quintal.
Silêncio
é bom quando, nos intervalos da barulheira, um dos netinhos dorme ou a turma
miúda sai para dar uma volta! Silêncio é bom quando se sabe que é um silêncio
medido que, a qualquer hora, se interrompe com a alegria de alguém.
Mil
vezes a casa de pernas pro ar; mil vezes a toalha de plástico, toda manchada
das mãozinhas levadas.
Mil
vezes tesouras e agulhas perdidas, chuveiros com a mangueira amarrada, até o
chuveirinho aparecer...
Mil
vezes ir ao casamento sem a bolsa “translumbrante!!!”
Mil
vezes mil!
Quero
essa casa desarrumada, bagunçada de novo. Só assim o meu coração entra nos eixos, dança alegrinho e
moderno, cá dentro.
Porque
já descobri: quando a casa está arrumada, é um descompasso no peito! Quando as
vidraças estão brilhando, as lentes de meu olhar ficam embaçadas e nada consegue
fazer meu coração dançar no ritmo. Ele fica jururu, dançando umas valsas tão
antigas, tão lentas, que tenho até receio de que ele vá parar numa dessas
voltas antigas...
--Será
por quê?
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Dores
do Indaiá, 25 de agosto de 2000
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